1. As massas.
[.....]
Os movimentos totalitàrios visam e conseguem organizar as massas - não as classes, como os velhos partidos de interesses dos Estados-nações europeus; nem os cidadãos tendo opiniões sobre, e interesses no empreendimento das coisas pùblicas, como paìses anglo-saxons. Se todos os grupos polìticos dependem de uma força relativa, os movimentos totalitàrios dependem da ùnica força do nùmero, a tal ponto que os regimes totalitàrios parecem impossìveis, mesmo em circuntâncias que são de uma certa maneira favoràveis, em paìses com uma população relativamente reduzida. [....] È unicamente onde as vastas massas são supérfluas ou onde é possìvel se dispensar delas sem provocar uma depopulação desastrosa, que o regime totalitàrio, diferente de um movimento totalitàrio, é possìvel. [.....]
[....] Os movimentos totalitàrios são possìveis em todos os lugares onde se encontram massas que, por uma razão ou outra, se descobriram um apetite de organização polìtica. As massas não são unidas pela consciência de um interesse comum, elas não têm essa lògica especìfica de classes que se exprime pela procura de objetivos precisos, limitados e acessìveis. O termo de massas se aplica unicamente às pessoas que, ou pelo fato do nùmero delas, ou por indiferença, ou por essas duas razões, não podem se integrar em nenhuma organização fundada no interesse comum, que seja partidos polìticos, conselhos municipais, organizações profissionais ou sindicatos. As massas existem em potênca em todos os paìses, e constituem a maioria desses vastos conjuntos de pessoas neutras e politicamente indiferentes que não aderem jamais a um partido e votam raramente.
O que caracterizou o desenvolvimento nazista na Alemanha e os movimentos comunistas na Europa, apòs 1930, foi que eles recrutaram seus aderentes nessa massa de pessoas aparentemente indiferentes e que os outros partidos haviam ignorado, julgando-as apàticas ou muito estùpidas para merecer a atenção deles.
O resultado foi que a maioria de seus aderentes eram pessoas que não haviam jamais aparecido na cena polìtica antes. Isso permitiu de introduzir métodos de propaganda polìtica novas, e também de ficar indiferente aos argumentos dos oposantes polìticos; esses movimentos não se colocavam unicamente fora do sistema dos partidos no seu conjunto e contra ele, eles encontravam uma clientela que não fora jamais tocada, jamais "estragada" pelo sistema dos partidos. Por conseguinte eles não precisavam refutar os argumentos que lhe eram opostos, e preferiram sistematicamente os métodos que conduziam à morte ao invés das tentativas de persuasão, que implicavam o terror de preferência à convicção. Eles pretendiam que os desacordos são provenientes de fontes profundas, naturais, sociais ou psicològicas, que escapam ao controle do indivìduo, e por conseguinte ao controle da razão. [....]
[....] Nòs ressaltamos muitas vezes que os movimentos totalitàrios usam e abusam das liberdades democràticas para aboli-las. Isto não é simplesmente uma habilidade diabòlica da parte dos leaders nem estupidez pueril da parte das massas. È verdade que as liberdades democràticas são fundadas na igualdade de todos os cidadãos perante a lei; portanto elas sò adquirem o senso delas e sua função orgânica na medida em que os cidadãos pertencem a grupos que os representam, ou formam uma hierarquia social e polìtica. [....]
[...] Na realidade, as massas se desenvolveram a partir dos fragmentos de uma sociedade altamente atomizada, de qual a estrutura competitiva e a solidão individual que resultavam disso eram apenas limitadas pela filiação a uma classe. A principal caracteristica do homem de massa não é a brutalidade e a ignorância, mas o isolamento e a falta de relações normais. [....]
[....] Politicamente absurda, a liquidação das classes foi literalmente catastròfica para a economia soviética. As consequências da fome provocada em 1933 se fizeram sentir no paìs inteiro durante anos; a introdução do sistema stakhanoviste em 1935, com sua aceleração arbitrària de rendimento individual e seu desprezo total das necessidades do trabalho de equipe na produção industrial, teve por resultado "uma desastrosa ruptura do equilibrio" da jovem industria. A liquidação da burocracia quer dizer da classe dos diretores de usina e dos engenheiros, privou as empresas industriais da pouca experiência e do savoir faire que tinha adquirido a nova elite técnica russa. [....]
2. A aliança provisòria entre o povo e a elite
A incostestàvel atração que exercem os movimentos totalitàrios na elite da sociedade, e não somente no povo, é mais preucupante para nossa tranquilidade de espìrito do que a lealdade incondicional dos membros dos movimentos totalitàrios e a audiência popular dos regimes totalitàrios. Seria temeràrio de ignorar, sob o pretexto de capricho artìstico ou ingenuidade intelectual, a lista impressionante de homens eminentes que o totalitarismo tem entre seus simpatizantes, seus companheiros de caminhada e seus membros regularmente inscritos. [.....][....] A mesma disposição de espìrito explica um fenômeno surpreedente: as opiniões artìsticas, amplamente divulgadas, de Hitler e Staline, e a perseguição deles contra os artistas modernos nunca conseguiram destruir a atração que os movimentos totalitàrios exerciam nos artistas d'avant-garde; isso demonstra na elite uma falta do senso das realidades, assim que um desinteresse de si mesmo pervertido, dois aspectos que se parecem muito com o mundo fictivo e com a ausência de interesse pessoal entre as massas. [....]
[....] Por outro lado, é preciso ser justo com os membros da elite que, a um momento ou outro, se deixaram seduzir pelos movimentos totalitàrios, e que, por causa de suas capacidades intelectuais, são mesmo acusadas algumas vezes de terem inspirado o totalitarismo: o que esses desesperados do século XX fizeram ou não, não teve absolutamente nenhuma influência no totalitarismo. [....] Em todos os lugares onde os movimentos totalitàrios se apoderaram do poder, todo esse grupo de simpatizantes foi varrido antes mesmo que os regimes cometam seus crimes mais monstruosos. A iniciativa intelectual e artìstica é tão perigosa para o totalitarismo quanto a iniciativa criminosa do povo, e uma e outra são mais perigosas do que a simples oposição polìtica. A perseguição sistematica de todas as formas superiores de atividade intelectual pelos novos dirigentes de massa tem razões mais profundas do que o ressentimento natural deles por tudo o que eles não podiam compreender. A dominação total não tolera a livre iniciativa em nenhum domìnio da existência: ela não tolera nenhuma atividade que não seja inteiramente previsìvel. O totalitarismo, uma vez no poder, substitui invariavelmente todos os verdadeiros talentos, sejam quais forem suas simpatias, por esses iluminados e esses imbecis de quem a falta de inteligência e de criatividade é a melhor garantia da lealdade deles.
- Hannah Arendt - O Sistema totalitàrio - As origens do totalitarismo - Cap. I - Essais
Traduzido do americano por Jean-Loup Bourget, Robert Davren e Patrick Lévy - Revisado por Hélene Frappat.
Hannah Arendt ( 1906 - 1975 )
Aluna de Heidegger e de Jaspers, ela se exilou nos Estados-Unidos em 1941.
Ela ensinou a filosofia e as ciências polìticas nas universidades mais prestigiosas dos Estados-Unidos.
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Os movimentos totalitàrios visam e conseguem organizar as massas - não as classes, como os velhos partidos de interesses dos Estados-nações europeus; nem os cidadãos tendo opiniões sobre, e interesses no empreendimento das coisas pùblicas, como paìses anglo-saxons. Se todos os grupos polìticos dependem de uma força relativa, os movimentos totalitàrios dependem da ùnica força do nùmero, a tal ponto que os regimes totalitàrios parecem impossìveis, mesmo em circuntâncias que são de uma certa maneira favoràveis, em paìses com uma população relativamente reduzida. [....] È unicamente onde as vastas massas são supérfluas ou onde é possìvel se dispensar delas sem provocar uma depopulação desastrosa, que o regime totalitàrio, diferente de um movimento totalitàrio, é possìvel. [.....]
[....] Os movimentos totalitàrios são possìveis em todos os lugares onde se encontram massas que, por uma razão ou outra, se descobriram um apetite de organização polìtica. As massas não são unidas pela consciência de um interesse comum, elas não têm essa lògica especìfica de classes que se exprime pela procura de objetivos precisos, limitados e acessìveis. O termo de massas se aplica unicamente às pessoas que, ou pelo fato do nùmero delas, ou por indiferença, ou por essas duas razões, não podem se integrar em nenhuma organização fundada no interesse comum, que seja partidos polìticos, conselhos municipais, organizações profissionais ou sindicatos. As massas existem em potênca em todos os paìses, e constituem a maioria desses vastos conjuntos de pessoas neutras e politicamente indiferentes que não aderem jamais a um partido e votam raramente.
O que caracterizou o desenvolvimento nazista na Alemanha e os movimentos comunistas na Europa, apòs 1930, foi que eles recrutaram seus aderentes nessa massa de pessoas aparentemente indiferentes e que os outros partidos haviam ignorado, julgando-as apàticas ou muito estùpidas para merecer a atenção deles.
O resultado foi que a maioria de seus aderentes eram pessoas que não haviam jamais aparecido na cena polìtica antes. Isso permitiu de introduzir métodos de propaganda polìtica novas, e também de ficar indiferente aos argumentos dos oposantes polìticos; esses movimentos não se colocavam unicamente fora do sistema dos partidos no seu conjunto e contra ele, eles encontravam uma clientela que não fora jamais tocada, jamais "estragada" pelo sistema dos partidos. Por conseguinte eles não precisavam refutar os argumentos que lhe eram opostos, e preferiram sistematicamente os métodos que conduziam à morte ao invés das tentativas de persuasão, que implicavam o terror de preferência à convicção. Eles pretendiam que os desacordos são provenientes de fontes profundas, naturais, sociais ou psicològicas, que escapam ao controle do indivìduo, e por conseguinte ao controle da razão. [....]
[....] Nòs ressaltamos muitas vezes que os movimentos totalitàrios usam e abusam das liberdades democràticas para aboli-las. Isto não é simplesmente uma habilidade diabòlica da parte dos leaders nem estupidez pueril da parte das massas. È verdade que as liberdades democràticas são fundadas na igualdade de todos os cidadãos perante a lei; portanto elas sò adquirem o senso delas e sua função orgânica na medida em que os cidadãos pertencem a grupos que os representam, ou formam uma hierarquia social e polìtica. [....]
[...] Na realidade, as massas se desenvolveram a partir dos fragmentos de uma sociedade altamente atomizada, de qual a estrutura competitiva e a solidão individual que resultavam disso eram apenas limitadas pela filiação a uma classe. A principal caracteristica do homem de massa não é a brutalidade e a ignorância, mas o isolamento e a falta de relações normais. [....]
[....] Politicamente absurda, a liquidação das classes foi literalmente catastròfica para a economia soviética. As consequências da fome provocada em 1933 se fizeram sentir no paìs inteiro durante anos; a introdução do sistema stakhanoviste em 1935, com sua aceleração arbitrària de rendimento individual e seu desprezo total das necessidades do trabalho de equipe na produção industrial, teve por resultado "uma desastrosa ruptura do equilibrio" da jovem industria. A liquidação da burocracia quer dizer da classe dos diretores de usina e dos engenheiros, privou as empresas industriais da pouca experiência e do savoir faire que tinha adquirido a nova elite técnica russa. [....]
2. A aliança provisòria entre o povo e a elite
A incostestàvel atração que exercem os movimentos totalitàrios na elite da sociedade, e não somente no povo, é mais preucupante para nossa tranquilidade de espìrito do que a lealdade incondicional dos membros dos movimentos totalitàrios e a audiência popular dos regimes totalitàrios. Seria temeràrio de ignorar, sob o pretexto de capricho artìstico ou ingenuidade intelectual, a lista impressionante de homens eminentes que o totalitarismo tem entre seus simpatizantes, seus companheiros de caminhada e seus membros regularmente inscritos. [.....][....] A mesma disposição de espìrito explica um fenômeno surpreedente: as opiniões artìsticas, amplamente divulgadas, de Hitler e Staline, e a perseguição deles contra os artistas modernos nunca conseguiram destruir a atração que os movimentos totalitàrios exerciam nos artistas d'avant-garde; isso demonstra na elite uma falta do senso das realidades, assim que um desinteresse de si mesmo pervertido, dois aspectos que se parecem muito com o mundo fictivo e com a ausência de interesse pessoal entre as massas. [....]
[....] Por outro lado, é preciso ser justo com os membros da elite que, a um momento ou outro, se deixaram seduzir pelos movimentos totalitàrios, e que, por causa de suas capacidades intelectuais, são mesmo acusadas algumas vezes de terem inspirado o totalitarismo: o que esses desesperados do século XX fizeram ou não, não teve absolutamente nenhuma influência no totalitarismo. [....] Em todos os lugares onde os movimentos totalitàrios se apoderaram do poder, todo esse grupo de simpatizantes foi varrido antes mesmo que os regimes cometam seus crimes mais monstruosos. A iniciativa intelectual e artìstica é tão perigosa para o totalitarismo quanto a iniciativa criminosa do povo, e uma e outra são mais perigosas do que a simples oposição polìtica. A perseguição sistematica de todas as formas superiores de atividade intelectual pelos novos dirigentes de massa tem razões mais profundas do que o ressentimento natural deles por tudo o que eles não podiam compreender. A dominação total não tolera a livre iniciativa em nenhum domìnio da existência: ela não tolera nenhuma atividade que não seja inteiramente previsìvel. O totalitarismo, uma vez no poder, substitui invariavelmente todos os verdadeiros talentos, sejam quais forem suas simpatias, por esses iluminados e esses imbecis de quem a falta de inteligência e de criatividade é a melhor garantia da lealdade deles.
- Hannah Arendt - O Sistema totalitàrio - As origens do totalitarismo - Cap. I - Essais
Traduzido do americano por Jean-Loup Bourget, Robert Davren e Patrick Lévy - Revisado por Hélene Frappat.
Hannah Arendt ( 1906 - 1975 )
Aluna de Heidegger e de Jaspers, ela se exilou nos Estados-Unidos em 1941.
Ela ensinou a filosofia e as ciências polìticas nas universidades mais prestigiosas dos Estados-Unidos.
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