quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Da Biblioteca para a Fogueira

Razões políticas, religiosas e morais têm levado os livros à destruição desde sua origem, na Mesopotâmia, até os dias atuais, como no saque à Biblioteca de Bagdá

Por José Castello


Livros são potencialmente perigosos e, por isso, devem ser destruídos. A repulsiva idéia, que o escritor italiano Umberto Eco desenvolveu, de forma impecável, em seu popular romance O nome da rosa, de 1981, é na verdade muito antiga. Surgiu com os próprios livros, que aparecem pela primeira vez, feitos em argila, na Suméria, Mesopotâmia, onde é hoje o sul do Iraque. Guerras sucessivas os destruíram - perto de 100 mil deles, estimam os historiadores. Ainda assim, expedições arqueológicas desenterraram tabletas de argila que datam dessa época. Desde esses tempos remotos, o livro – em suas primeiras formas, tabletas, depois papiros, pergaminhos – está, sempre, sob ameaça.

A saga dessas agressões é relatada em História universal da destruição dos livros, do escritor venezuelano Fernando Báez. “Os que queimam livros acabam queimando homens”, escreveu o poeta Heinrich Heine. A história prova que sim. Báez participou da comissão da Unesco que, em março de 2003, visitou o Iraque depois da invasão americana, para investigar a devastação da Biblioteca Nacional de Bagdá. Ela sofreu dois ataques com bombas e mísseis, seguidos de dois violentos saques. Todo o acervo desapareceu. Tabletas de argila dos sumérios, de 5.300 anos, foram roubadas das vitrines.

“Mas a destruição da Biblioteca Nacional não teve a repercussão mundial da pilhagem do Museu Arqueológico de Bagdá”, Báez lamenta. Em um café da capital, a poucas quadras da biblioteca, ele ouviu o desabafo de um professor iraquiano. “Nossa memória já não existe.” A destruição de livros vem de muito longe. Em 1975, arqueólogos escavaram, a 55 km a sudoeste de Alepo, na Síria, os restos de um antigo palácio. O que encontraram? Uma biblioteca enterrada, com um acervo de 15 mil tabletas. A destruição foi conseqüência de um ataque militar inimigo, a respeito do qual os historiadores, ainda hoje, se encontram divididos; uns o atribuem ao rei acadiano Naramsin, outros ao rei Sargão. Três mil anos antes de Cristo, livros já eram dizimados pela guerra.

A devastação continuou, por volta de 2000 a.C., em uma região governada pelo rei Hamurabi, que é, hoje, o sul de Bagdá. Em 689 a.C., as tropas de Senaquerib arrasaram a Babiblônia. Seu neto, o soberano assírio Assurbanipal, o primeiro grande colecionador de livros do mundo antigo, fundou, em Ninive, outra esplêndida biblioteca, arrasada ela também décadas depois. De seus restos, no século XIX, arqueólogos desencavaram mais de 20 mil tabletas, hoje guardadas no Museu Britânico. No início do século XX, arqueólogos desenterraram na antiga Hattusa, a capital dos hititas, mais de 10 mil tabletas escritas, em pelo menos oito línguas diferentes. Também a biblioteca do Ramesseum, o templo que Ramsés II construiu em Tebas para lhe servir de túmulo, desapareceu com seus rolos de papiros esotéricos.

Depois de Ramsés II, o faraó monoteísta Akhnatón mandou queimar milhares de papiros, porque eles falavam de espectros e demiurgos. A destruição de livros continuou na Grécia Antiga. Estima-se que 75de toda a literatura, filosofia e ciência antiga se perderam. Das 120 obras incluídas no catálogo de Sófocles, hoje só temos a versão integral de sete, e um monte de fragmentos. “O horror é ainda maior”, lembra Báez. “Todos os pré-socráticos e todos os sofistas estão em fragmentos.” É a história em pedaços. Um dos momentos mais brutais foi o da destruição da Biblioteca de Alexandria, com um acervo que se aproximava do milhão de livros. Durante a metade de um ano, papiros contendo textos de Hesíodo, Platão, Górgias e Safo, entre tantos outros autores, foram usados para acender o fogo dos banhos públicos da cidade.

Centenas de obras da biblioteca de Aristóteles desapareceram quando da morte repentina de Alexandre Magno, de quem ele foi tutor. O fato mais grave é a perda do segundo livro de sua Poética, dedicado ao estudo da comédia. Em O nome da rosa, Umberto Eco propõe a versão de que ele foi destruído progressivamente pela Igreja Católica, para conter a influência do humor. Báez suspeita que a Poética tenha sido, na verdade, destruída pelo desleixo. Um dos momentos maiores da história de Israel é a destruição das Tábuas da Lei. O Êxodo diz que foi o próprio Moisés quem, em um acesso de cólera, as destruiu. A descoberta, em 1947, por jovens beduínos, dos célebres Manuscritos do Mar Morto, revelou a primeira coleção conhecida de livros do Antigo Testamento.

Até hoje eles provocam a polêmica, o que leva Báez a concluir que “os teólogos não parecem preparados para admitir a existência de Cristo para além da fé”. Um Cristo nos livros. A perseguição religiosa é universal. Na China, houve a caça aos textos budistas. Em 1900, em grutas em meio ao deserto de Gobi, foram encontrados milhares de textos sagrados do budismo, muitos em bom estado, mas outros em fragmentos, que lá estiveram adormecidos ao longo de 1500 anos. São Paulo lutou contra o que considerava “livros mágicos”. Em uma visita a Éfeso, levou os magos da cidade a queimarem voluntariamente seus livros, para que não caíssem nas mãos dos cristãos. “O desaparecimento dos escritos dos gnósticos, causado, em grande parte, pela feroz perseguição da Igreja Católica, merece um livro só para si”, Báez comenta.

Vínculo mais direto com a cultura grega clássica, o Império Bizantino preservou os escritos de Platão, Aristóteles, Heródoto e Arquimedes. Lá, nos século II e III, surgiu um novo formato de livro, o códice, mais resistente, feito de pele de cabra, ou de ovelha. Ainda assim, em 1204, quando a Quarta Cruzada chegou a Constantinopla, milhares de manuscritos foram destroçados. O feroz ataque das tropas turcas em 1453 também levou à destruição de milhares de livros. “Houve um momento em que todo o continente europeu ficou literalmente sem bibliotecas”, Báez recorda. Nos séculos V e VI, copiar e ler eram atividades pouco usuais, quase secretas. Se os clássicos gregos sobreviveram em Bizâncio, os clássicos latinos e celtas foram salvos, em grande parte, pelos monges da Irlanda.

Foi Carlos Magno, o rei dos francos, quem, no século VIII, estimulou os bispos a fundar escolas e bibliotecas. Nada disso conteve a destruição. Abelardo – que foi castrado por seu amor proibido por Heloisa – teve a obra queimada pelo papa Inocêncio III. Dante viu o seu Sobre a monarquia virar um monte de cinzas na Lombardia, em 1318. Savonarola queimou também os livros de Dante, mas, um ano depois, a Igreja lançou no fogo todos os seus escritos, sermões, ensaios e panfletos. Um dos momentos mais célebres da história da destruição dos livros envolve a Bíblia de Gutenberg, concluída em 1455.

Dos 180 exemplares impressos, só restam 48 cópias. O descaso a destruiu, mas o próprio Gutenberg, segundo algumas fontes, arruinou alguns exemplares, na esperança de lhes aprimorar a beleza. O horror se disseminou com a perseguição promovida pelo Santo Ofício. Com a excomunhão de Martim Lutero, em 1520, a difusão de seus escritos foi proibida pela Igreja. Em 1542, o papa Paulo III constituiu a Congregação da Inquisição. Seu sucessor, Paulo IV, criou o temido Index, lista de livros proibidos. Na Espanha, a ascensão de Felipe II fortaleceu a censura católica. Também na França, Carlos IX passou a destruir, pelo fogo, livros perigosos. A perseguição a astrólogos, alquimistas e poetas atingiu o profeta Nostradamus. Seu livro mais importante, as Centúrias, de 1555, “tem sido sistematicamente destruído desde seu aparecimento”, lembra Báez. Da primeira edição, só restam hoje dois exemplares.

A guerra sempre foi inimiga dos livros. No século XV, uma guerra civil no Japão acabou com todas as bibliotecas de Kioto. Em 1527, o exército de Carlo V, ao conquistar Roma, destruiu muitas bibliotecas. Na Guerra de Secessão dos Estados Unidos, muitos livros desapareceram. Quando tomaram o Canadá em 1813, os soldados americanos queimaram a Biblioteca Legislativa. Como vingança, os ingleses queimaram a Biblioteca do Congresso Americano. A destruição de livros é, em grande parte, fruto da hostilidade contra o pensamento. “A França foi o berço da liberdade européia porque também foi o berço da censura”, lembra Báez. As Cartas filosóficas, de Voltaire, provocaram a ira da Igreja; Voltaire foi preso e seu livro queimado.

Do mesmo modo, a publicação da Enciclopédia, em 1759, provocou tanto escândalo que o próprio editor, Le Breton, temendo as retaliações, destruiu vários exemplares. Também os Pensamentos filosóficos, de Diderot, foram incinerados por ordem do Parlamento. Na Revolução Francesa, a lei do terror estimulou o ataque a bibliotecas. Só em Paris, mais de 8 mil livros foram queimados. Também durante a Comuna de Paris, em 1871, bibliotecas foram destruídas. A emancipação da América Latina também foi marcada por saques e destruições. Na Venezuela, o Santo Ofício mandou queimar uma coleção que Simon Bolívar conseguiu reunir para o acervo de uma biblioteca pública. Durante a Guerra Civil Espanhola, a Biblioteca Nacional, em Madri, foi bombardeada. “Somente graças à abnegação dos bibliotecários, centenas de livros e manuscritos se salvaram”, observa Báez.

Com a chegada de Franco ao poder, iniciou-se um movimento de “depuração” das bibliotecas, perseguindo “idéias que possam resultar nocivas à sociedade”, de acordo com um decreto oficial. A ascensão dos nazistas gerou um verdadeiro “bibliocausto”, Báez define. Ao ser designado chanceler em 1933, Hitler, que era um pintor frustrado, iniciou uma feroz perseguição à cultura. Leitor voraz, ele, ao morrer, num exemplar dos ensaios de Ernst Schertel, deixou uma frase sublinhada: “Quem não carrega dentro de si as sementes do demoníaco nunca fará nascer um novo mundo”. A expansão soviética destruiu muitas bibliotecas. Em 1944, dezenas delas foram arrasadas em Budapeste, na Hungria. No ano seguinte, na Romênia, trezentos mil livros desapareceram.

Também quando o regime do Khmer Vermelho triunfou no Camboja, em 1975, um estranho letreiro foi dependurado na porta da Biblioteca Nacional: “Não há livros. O governo do povo triunfou”. Mas a destruição não tem ideologia. Quando subiu ao poder, no Chile, o ditador Augusto Pinochet atacou a sede da Editora Quimantú, destroçando milhares de livros. A Revolução Cultural chinesa, Báez acrescenta, foi uma máquina de destruir livros. Na Universidade de Pequim, todos os livros considerados ofensivos à consciência do povo eram queimados. Mais tarde, o escritor Pa Kin assim descreveu o clima de histeria que dominou o país e pelo qual ele mesmo se deixou arrastar: “Destruí livros que armazenei durante anos. (...) Eu negava completamente a mim mesmo”.

Em todo o planeta, a destruição se alastrou. No dia 30 de agosto de 1980, a mando da ditadura a Argentina, vários caminhões descarregaram 1,5 milhão de volumes em um terreno abandonado. Eles foram borrifados com gasolina e queimados. Mais recentemente, os talibãs destruíram na capital Cabul todos os livros contrários à sua fé. No conflito entre judeus e palestinos, milhares de livros, de ambos os lados, já foram perdidos. Em Cuba, em dezembro de 1999, em um estacionamento de uma colina de Havana, centenas de livros doados pelo governo espanhol foram destruídos. O motivo: entre eles, havia 8 mil exemplares da Declaração dos Direitos Humanos.

Em março de 1997, os bibliotecários da Escola Hertford mandaram destruir 30 mil livros sobre temas homossexuais, que haviam sido doados. Durante oito horas de trabalho, 35 voluntários enterraram os livros. Mas não é só o conservadorismo que promove queima de livros, o pensamento progressista também. Em 1998, na Virginia Ocidental, um grupo chamado Coletivo de Mulheres queimou, em uma imensa fogueira, livros considerados degradantes à condição feminina, entre eles obras de Schopenhauer. No ano de 1994, as tropas russas entraram na Chechênia e arrasaram Grosny. O bombardeio sobre a cidade destruiu uma coleção de dois milhões e setecentos mil livros. Salvaram-se apenas 20 mil livros, guardados nos subterrâneos de um estádio de futebol. Calcula-se que em toda a Chechênia mais de mil bibliotecas e mais de 11 milhões de livros foram dizimados. As ameaças mais atrozes vêm, hoje, do terrorismo.

Recentemente, grupos diversos já manifestaram a intenção de destruir a Biblioteca do Congresso americano e a Biblioteca do Vaticano. O ataque ao World Trade Center, em Nova York, aniquilou arquivos e bibliotecas de economia. Mas, com a criação dos livros-bomba, os livros se tornaram, eles também, efetivamente perigosos. Em dezembro de 2003, Romano Prodi, presidente da Comissão Européia, quase morreu quando abriu um livro-bomba recheado de pólvora. Ainda assim, consola-se Báez, a cada livro destruído, mais aumenta o nosso horror. “Cada livro queimado ilumina o mundo”, sintetizou Ralph W. Emerson. Essa constatação não recupera as bibliotecas perdidas, mas acalenta a esperança de um futuro melhor.

Escritores perseguidos no Brasil e no exterior

Todos conhecem o caso do escritor anglo-indiano Salman Rushdie, autor do famoso – e perseguido – Os versos satânicos. Em 1989, o líder iraniano, aiatolá Khomeini, condenou Rushdie com uma fatwa. Ofereceu-se um milhão de dólares a quem o matasse. Seus livros passaram a ser queimados em diversos pontos do planeta. A literatura sempre foi alvo de perseguição. Em 1912, o impressor irlandês John Falconer queimou 999 dos mil exemplares da primeira edição de Dublinenses, de James Joyce, porque a linguagem forte dos relatos não o agradou. O mais famoso romance de D. H. Lawrence, O amante de lady Chatterley, teve a primeira edição inteiramente destruída. A acusação de pornografia levou o Departamento de Estado americano a queimar livros do psicanalista Wilhelm Reich.

A primeira edição de A cidade e os cachorros, do escritor peruano Mario Vargas Llosa, de 1962, não só foi confiscada pelos militares, mas totalmente queimada. Não é preciso longe. Báez recorda também que Getúlio Vargas mandou queimar 1700 exemplares de Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado. Muitas vezes, no entanto, são os próprios escritores que perseguem seus livros. É célebre a história do tcheco Franz Kafka que, antes de morrer, pediu ao amigo, Max Brod, que queimasse seus manuscritos. Brod o desobedeceu. Ao morrer, também o filósofo romeno E. M. Cioran deixou 34 cadernos de mil páginas com uma indicação precisa: “Destruir”. Sarcástico, Borges lembrou, um dia, que, quando um escritor quer dar sumiço em seus livros, faz o serviço pessoalmente.

Quando se refugiou em Charleville, o poeta Arthur Rimbaud, por exemplo, queimou ele mesmo muitos de seus manuscritos. Até Platão queimou livros, Báez nos lembra. Na juventude, quando conheceu Sócrates, Platão destruiu todos os seus poemas. Muito mais tarde, queimou os tratados do filósofo Demócrito para esconder semelhanças entre as idéias do inimigo e as suas. “É possível que Platão queimasse obras? Pois bem, ele queimou”, Báez afirma, perplexo com sua própria afirmação. Ele recorda ainda que, em 1910, os futuristas escreveram um manifesto em que pregavam o fim de todas as bibliotecas. Um escritor genial como Vladimir Nabokov queimou um exemplar do Quixote em pleno Memorial Hall, diante de seiscentos alunos, com o argumento de que o livro não prestava.

E Martin Heidegger entregou livros de seu maior inimigo, o filósofo Edmund Husserl, para que estudantes de filosofia os levassem ao fogo. E os amigos? Quando Gustave Flaubert leu para amigos, pela primeira vez, seu estranho As tentações de Santo Antão, eles sugeriram que ele o queimasse imediatamente e o esquecesse. Por sorte, dessa vez foi Flaubert quem não os atendeu. Em Crônica pessoal, Joseph Conrad conta que seu próprio pai queimou alguns de seus manuscritos. Isaac Newton dedicou sua vida a censurar e perseguir os trabalhos do astrônomo John Flamsteed. Newton plagiou as idéias de Flamsteed sobre as estrelas – e depois, temendo ser descoberto, conseguiu o confisco dos trezentos exemplares de livro que continha esse plágio e os queimou.

A busca da pureza e a luta contra a imoralidade têm sido fortes argumentos para a destruição de livros. Em 1749, Fanny Hill, romance de John Cleland, que relata as aventuras de uma prostituta, foi proibido antes de ser editado. Já no século XX, a corte de Westminster, na Inglaterra, decretou a eliminação de todos os exemplares do Satyricon, de Petrônio, obra-prima da literatura latina, porque o livro trata da liberdade sexual. No século XIX, a grande obra de Charles Darwin, A origem das espécies, de 1859, teve muitos de seus exemplares queimados. Até hoje, nas regiões mais conservadoras dos Estados Unidos, o livro é perseguido como perigoso.

Livros censurados

DA MONARQUIA Dante Alighieri

CENTÚRIAS Michel Nostradamus

CARTAS FILOSÓFICAS Voltaire

PENSAMENTOS FILOSÓFICOS Denis Diderot

OS VERSOS SATÂNICOS Salman Rushdie

DUBLINENSES James Joyce

O AMANTE DE LADY CHATTERLEY D. H. Lawrence

A CIDADE E OS CACHORROS Mario Vargas Llosa

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS Jorge Amado

SATYRICON Petrônio

A ORIGEM DAS ESPÉCIES Charles Darwin

Jean Theophile Desaguliers

Visa-se aqui dar uma idéia acerca da vida e da obra de Jean Théophile Desaguliers, mais conhecido na Inglaterra como John Theophilus. Desaguliers ocupa uma posição impar quando da fundação da Grande Loja de Londres, por não se identificar com alguns nobres empoados de então nem com os supersticiosos maçons plebeus dos primórdios que confundiam superstição com esoterismo e misticismo, fato tão comum no Brasil de hoje.

Desaguliers, além de possuir uma sólida formação científica, como se verá a seguir, era um homem também pragmático, preocupado em resolver os problemas concretos de seu tempo, extrapolando na preocupação com questões metafísicas. Homem de escol, é considerado um dos Pais Fundadores da moderna maçonaria.

II A Saga Huguenote de La Rochelle

O nosso personagem é proveniente de uma família huguenote. Como se sabe, huguenotes são protestantes franceses que se desenvolveram durante a Reforma do século XVI. Sofreram penosas perseguições já que a fé que os guiava, durante muitos anos, esteve baseada nas idéias de Calvino. Esses protestantes fundaram em 1559 uma igreja na França que grassou como um rastilho de pólvora. Emergiram vitoriosos sobre as forças católicas durante as Guerras Religiosas (1562-98) e, pelo Edito de Nantes, receberam uma certa liberdade religiosa e política.

Desaguliers nasceu em 12 de março de 1683 em Aytré, um subúrbio de La Rochelle na França. Era filho do pastor huguenote Jean Desaguliers da comunidade protestante de La Rochelle.

Os huguenotes franceses viviam por esta época momentos difíceis. Desde o começo do século XVI, La Rochelle era uma cidade muito próspera que lucrava com o comércio, principalmente com o da América. Tornou-se um centro calvinista extremamente ativo. Em 1571, houve um importante sínodo protestante que adotou, sobre a inspiração de Théodore de Bèze, a Confissão de La Rochelle. Em 1573, Henrique III, ainda como duque de Anjou, cercou a cidade por mais de seis meses. Os protestantes franceses formavam então um formidável grupo de pressão econômica, política e militar, sustentados pelos ingleses, alemães, holandeses e genebrinos. Não eram camponeses, mas sim citadinos nobres e burgueses.

Na segunda metade do século XVI, os ataques católicos aos protestantes fazem-se cada vez mais virulentos, culminando com o massacre de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, no qual foram mortos mais de 30.000 pessoas. Os católicos franceses, reagrupados no partido da Santa Liga, entre 1576 e 1584, não cessaram de fustigar os protestantes e os reis considerados muito hesitantes. Na esperança de legalizar na França a existência de uma igreja reformada e de apaziguar os ânimos, o rei Henrique IV (1553-1610), soberano então protestante, convertido ao catolicismo uma semana antes do massacre de São Bartolomeu e reconvertido ao protestantismo em 1576, assina em 13 de abril o Edito de Nantes.

O Edito de Nanates concedia aos protestantes concessões consideráveis, notadamente a liberdade de consciência; a liberdade de culto nos domicílios senhoriais, em todas as cidades onde o culto reformado existisse de fato; uma anistia geral para todos os “crimes” cometidos no passado e a outorga de 150 lugares de refúgio, 66 cidades ou castelos onde a guarnição era mantida pelo rei. São exemplos significativos as cidades de Montauban e La Rochelle que pertenciam então aos protestantes desde a primeira guerra de religião de 1562. La Rochelle tornou-se a mais forte praça de guerra cedida aos protestantes pelo Edito de Nantes.

O Edito de Nantes era mais uma constituição que um edito, pois, efetivamente, era a constituição político-religiosa de uma minoria tornada independente dentro do país, ou seja, um Estado dentro do Estado. Tal situação não iria durar muito, já que os ódios represados logo explodiriam. Em 1627, o cardeal Richelieu, a propósito do pacto entre La Rochelle e a Inglaterra, que já declarara guerra à França, iniciou a destruição daquela praça de guerra protestante em solo francês. O cardeal conduziu pessoalmente o cerco à cidade rebelde, construindo em terra firme, 12 km de linhas contínuas de fortificações e, no mar, a construção de um dique destinado a impedir a chegada de suprimentos aos sitiados pela frota inglesa. Os rochelenses, comandados pelo almirante Jean Guitton, prefeito da cidade, resistiram durante quinze meses até que a fome forçou-os à rendição em 28 de outubro de 1628. As fortificações da cidade foram arrasadas e as franquias municipais suprimidas. A partir de então, La Rochelle entrou em declínio sensível.

Luiz XIV, persuadido pelo fato de que os protestantes, desde então, haviam desaparecido do solo francês, seja pela fuga, pela conversão ou pelo massacre, resolveu abolir o Edito de Nantes pela sua inutilidade e falta de objetivo. Pensou ter criado, assim, a ferro e fogo, a unidade religiosa do país. Em 18 de outubro de 1685, outorgou o edito de Fontainebleau que revogou o Edito de Nantes. Por tal edito, os protestantes perderam “ipso facto” toda liberdade de culto e toda garantia de segurança, ou seja, seriam extirpado, seu “status” legal. Tornaram-se, portanto, foras-da-lei; suas propriedades foram confiscadas e privados de todos os seus direitos pessoais. A guerra civil irrompeu como guerra clandestina, com a fuga para os países protestantes de centenas de clérigos, que se auto-exilaram, pois foi-lhes dado um prazo de 14 dias para deixar a França, caso contrário sofreriam a pena de morte. Suas igrejas destruídas, foram deixadas em ruínas. Tiveram, por conseguinte, que abandonar ex abrupto não somente seus bens, também de seus filhos, sendo-lhes proibido levá-los para fora da França, para que se se reeducassem na fé romana. Mais de 400.000 huguenotes se refugiaram, principalmente na Holanda e na Prússia, países que se gratificaram em receber tais recursos humanos estratégicos, em sua imensa maioria, comerciantes, empresários e letrados. A América inglesa recebeu também um contigente respeitável de tais quadros que desfalcaram a elite francesa.

III O Exílio Londrino e a Vida Acadêmica

O pai do nosso Desaguliers, o pastor Jean foge para Guernsey por causa da Revogação, levando consigo o pequeno Jean Théophile, com dois anos, escondido dentro de um tonel. Nove anos depois se estabeleceram em Londres. Convém aqui especular sobre como tais fatos trágicos, vividos pelos huguenotes e pela família Desaguliers em particular, marcaram a mente do nosso personagem, influenciando-o na busca da paz e da fraternidade e na sede por conhecimento científico e tecnológico que o perseguiram durante toda sua vida. Nunca confundiu esoterismo com superstição, como é tão comum no Brasil.

Instalado em Londres, Jean Desaguliers pai integrou-se rapidamente ao clero anglicano e tornou-se pastor numa igreja na Swallow Street (rua da Andorinha), templo favorito dos imigrados franceses. Criou, concomitantemente, uma escola em Islington, freqüentada pelos filhos de outros refugiados, dentre eles vários nobres. Seria aí, que o jovem Jean Théophile, educado pelo seu pai até os 16 anos, matriculou-se e recebeu um estudo de elite que o tornou apto a ingressar na mais prestigiosa universidade inglesa: o Christ Church de Oxford. Ali estudou com o Dr. John Keill, professor de astronomia já célebre pelas suas teorias de filosofia experimental, premissas das ciências modernas, e autor de duas obras: uma Introductio ad veram physicam seu lectiones physicae habitae in schola naturalis philosophiae Academia Oxoniensis (Uma Introdução à Filosofia Natural ou Conferências Filosóficas lidas na Universidade de Oxford) e uma Introductio ad veram astronomiam seu lectiones astronomicae habitae in schola astronomiae Academia Oxoniensis (Uma Introdução à verdadeira astronomia ou Conferências de Astronomia lidas na Escola de Astronomia da Universidade de Oxford).

Jean T. Desaguliers bacharelou-se em 1709 e recebeu o diaconado do bispo de Londres em 7 de junho de 1710. Neste mesmo ano, diplomou-se, tendo, em seguida, obtido um mestrado em filosofia e letras em 1712, sucedendo ao Dr. Keill na cadeira de filosofia experimental no Hert Hall de Oxford. Neste meio tempo, em Shadwell, casou-se com Joanna, a filha de William Pudsley e um ano mais tarde mudou-se para Westminster onde se tornou o primeiro mestre de conferências em ciências. Vem desta época a sua amizade com Sir Isaac Newton (1642-1727) que se tornou o padrinho de um de seus dois filhos. Em 16 de março de 1718 obtém o título de Doutor em Direito Civil por Oxford, tendo, antes, recebido as ordens sacerdotais em 8 de dezembro de 1717 do bispo de Ely, sendo presenteado, pelo Lorde Chanceler, com a cúria de Bridgeham no Norfolk, que dirigiu até março de 1726 quando a trocou para viver em Little Warley no Essex.

No século XVIII, não era usual para um clérigo operar em dois lugares simultâneamente. Assim, em 28 de agosto de 1719, tornou-se capelão do duque de Chandos que lhe ofereceu a paróquia de Whitchurch no Middlesex. Nesse ínterim, conservou sua residência em Londres onde deu aulas até a sua morte em 1744.

Paralelamente às suas pesquisas em física, traduziu para o inglês uma obra de Nicolas Gauger intitulada Mécanique du feu que trata da concepção e da construção das chaminés. Tal obra teve como título em inglês: Treatise on the Construction of Chimneys, publicada em 1716. Tornou-se também um especialista em ventilação, chegando mesmo a superintender a construção de um sistema de ventilação na Casa dos Comuns. Neste mesmo ano publica seus estudos de física experimental sob o título de Lectures of Experimental Philosophy (Lições de Filosofia Experimental) reeditadas posteriormente em 1719. Vêm, desta época, seus estudos sobre a máquina a vapor: aplicou a válvula de segurança, inventada pelo huguenote Dennis Papin, que tinha estudado em Paris com o holandês Christiann Huygens, à máquina inventada pelo mecânico inglês Thomas Savery que utilizava a tensão do vapor d’água como força motriz para bombear água nas minas de carvão. Tal máquina foi melhorada por James Watt tornando-se a primeira máquina a vapor, fator propulsor da Revolução Industrial. Releva-se aqui que Desaguliers não só participou ativamente da corrente científica do seu tempo mas também comungou da idéia de que a tecnologia deveria servir à humanidade, libertando-a do trabalho braçal escravizante.

Sua crescente reputação de sábio facultou-lhe o ingresso em diversas sociedades científicas. Em 29 de julho de 1714, ingressou como Membro, na Royal Society de Londres, fundada em 1660, chegando mesmo a se tornar Demonstrador e Curador da referida Sociedade. Participou também da Gentlemen’s Society em Spalding no Lincolnshire em 1724, uma sociedade literária e de antiquários. Era ainda Membro Correspondente da Academia Francesa de Ciências. Desaguliers consagrou-se, então com Newton, do qual se tornou assistente, a diversas pesquisas no terreno da física experimental, notadamente aquela que consistiu em se deixar cair do topo da Catedral de São Paulo, globos de vidro a uma altura de 105,72 m, fato que lhe permitiu escrever um artigo intitulado: “An Account of some experiments made in the 27th. Day of April, 1719, to find how much the resistence of the air retards falling bodies (Relatório sobre diversas experiências tentadas no dia 27 de abril de 1719 com o propósito de avaliar em que medida a resistência do ar retarda a queda dos corpos), publicado nos Philosophical Transactions da Royal Society. Desaguliers ajudou ainda Isaac Newton, na redação dos Corrigenda e dos Addenda, acrescida por ele ao Livro I de seus Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios matemáticos de filosofia natural) já editados em 1687.

De 1730 a 1732, viajou freqüentemente aos Países-Baixos, dando inúmeras conferências pagas a 30 shillings por cabeça, um preço alto para a época. Retornando à Inglaterra entre 1733-1734, uma controvérsia o opõe a Jacques Cassini, considerado o inventor da cartografia topográfica e diretor do Observatório de Paris, sobre o maior problema científico do século XVIII: a determinação da longitude. Como se sabe, a determinação da latitude nunca foi problema desde priscas eras, mas a longitude só foi resolvida no século XVIII por um relojoeiro, contra todos os pareceres dos cartógrafos e astrônomos da época, conforme bem elucidado no opúsculo sobre a matéria de Dava Sobel. O Brasil possui esta dimensão continental pela incapacidade dos nossos antepassados coloniais em determinar com precisão a longitude, fossem eles espanhóis ou portugueses. Cassini sustentava que a determinação do meridiano de Paris poderia ser encontrada, traçando-se uma perpendicular indo de Saint-Malo a Estrasburgo. Tudo isto estava no contexto da polêmica opositora entre os membros da Real Sociedade, conjuntamente aos integrantes do Observatório de Greenwich, fundado em 1675, contra os membros da Academia Real de Ciências de Paris, criada em 1666 e os do Observatório de Paris, fundado em 1667, sobre o melhor meio de determinar-se o exato comprimento e a localização dos arcos do meridiano, dados vitais para a navegação da época.

Desaguliers publicou em seguida, diversas obras: em 1734, A Course of Experimental Philosophy (Curso de Filosofia Experimental) em dois volumes e, em 1735, uma edição dos Elements of Catoptrics and Dioptrics (Elementos de Catóptrica e Dióptrica) de David Gregory. Por último, traduz do latim para o inglês, os Mathematical Elements of Natural Philosophy (Elementos Matemáticos de Filosofia Natural) de Gravesandes. Em 1742, recebeu a Medalha de Ouro Copley da Real Sociedade em reconhecimento pelos seus diversos experimentos científicos e tecnológicos, e sua Dissertation of Electricity, publicada no mesmo ano, ganhou o prêmio da Academia de Bordéus. Seu profundo conhecimento científico, apoiado numa intensa mente pragmática, tornou-o, também, um inventor e um consultor de engenharia em diversos projetos. Tanto assim, que deu consultoria em questões de engenharia na reconstrução da ponte de Westminster nos anos que se seguiram a 1738.

Em todos os debates, Desaguliers mostrou-se provido de um grande talento para a vulgarização científica, falando das coisas mais complexas em termos simples e compreensíveis, tanto para os especialistas como para os leigos.

Desaguliers tornou-se mais conhecido pela sua contribuição à evolução da ciência do que por suas obras religiosas como ministro do culto. Sua obra religiosa reduziu-se à publicação de um sermão sobre o arrependimento. Se sua obra religiosa era o ponto fraco de sua vida intelectual, o mesmo não se pode dizer de sua produção, tanto universitária onde mereceu, como vimos, o respeito e a amizade dos homens de ciências e dos grandes de seu tempo, como maçônica, onde se distinguiu de maneira ainda mais marcante.

IV A Vida Maçônica

A data de Iniciação de Desaguliers não pode ser precisada[1], mas deve-se situar antes da primeira assembléia da Grande Loja da Inglaterra em 24 de junho de 1717. Como é notório, este dia inicia o período obediencial, sendo um marco relevante na história da maçonaria universal. Pode-se afirmar, contudo, que Desaguliers foi, conjuntamente a Anderson, membro da Loja Nº 2 que se reunia na Taverna Horn. Existem registros de que teria sido também Venerável da French Lodge do Templo de Salomão em Hemmings Row. Aparece também como Venerável da Lodge of Antiquity, então Loja Nº 1, em 1723. Em 1731, na Lista das Lojas, aparece tanto como membro da Loja Bear & Harrow (atualmente Loja São Jorge & Corner Stone nº 5) quanto como integrante da Loja University nº 74 que abateu colunas em 1736.

Desaguliers apresentou sua candidatura ao grão-mestrado em 1717, mas somente foi eleito para este posto em 24 de junho de 1719 numa loja reunida na Taberna do Ganso e da Grelha, conforme foi descrito por Anderson na segunda edição (1738) de suas Constituições[2]. É o terceiro grão-mestre da ordem e o último plebeu a ocupar tal posição. Após a administração de Desaguliers, a função de Grão-Mestre torna-se apanágio de membros da família real inglesa ou da nobreza, apresentando-se, desde então, como essencialmente honorífica. Vale aqui recordar a cronologia da sucessão do grão-mestrado: i) Anthony Sayer (1717-1718), ii) George Payne (1718-1719), iii) o nosso Desaguliers (1719-1720), iv) a reeleição de George Payne (1720-1721), v) o primeiro nobre: John, duque de Montangu (1721-1722) e vi) Philip, duque de Wharton, um nobre lascivo cuja biografia os nossos Irmãos ingleses comentam pouco. Quando aqui chegarem informações acerca da sua notória participação no Hells Fire Club, escandalizar-se-ão 98% dos maçons brasileiros. Os ingleses morrem de vergonha da atuação do duque de Wharton e escondem com unhas e dentes as informações sobre o Hells Fire Club. Como o referido duque de Wharton era um doidivanas, seria tarefa do grão-mestre adjunto dirigir os trabalhos da ordem e o nosso Desaguliers, ainda bem, foi nomeado três vezes para tal posto: em 1722, pelo femeeiro Wharton; em 1724, pelo conde de Dalkeith; e em 1725, por Lorde Paisley.

Os maçons ingleses daquele tempo eram como os brasileiros de hoje: demonstravam pouco apreço para com os documentos e arquivos da ordem. Deve-se a Desaguliers a conservação, depois de 1723, da maior parte dos documentos históricos da obediência, notadamente as atas das reuniões dos primórdios da ordem. Ainda como campeão da ordem, da regularidade e do protocolo, introduziu inúmeras regras concernentes aos seguintes aspectos: traje maçônico, alfaias, jóias, festas na ordem, hierarquia dos brindes nos banquetes e outros costumes que vieram a fazer parte integrante da nova maçonaria especulativa que estava em gestação. Sob sua administração, numerosos antigos discípulos, que tinham negligenciado seus deveres maçônicos, retomaram seus trabalhos em loja e muitos nobres são iniciados. Importante é salientar que, no período em que Desaguliers exerceu o grão-mestrado, seja como titular ou adjunto, vários irmãos eram também membros da Real Sociedade, ou seja eram homens de escol não só pela sua posição social como também pela intelectual.

Desaguliers sentiu na própria pele o significado da intolerância, pautou, pois, a sua atuação na ordem então nascente para direcioná-la no sentido da tolerância e da fraternidade universais. Criou assim a caixa de auxílio mútuo maçônico e os fundos de beneficência da Grande Loja da Inglaterra. A idéia de tolerância, cuja primeira definição sistematizada se encontra no Tratado Teológico-político (1670) de Spinoza, funda a noção de igualdade entre indivíduos no seio de uma sociedade pluralista sobre o plano religioso. Foi, mais tarde, estendida por John Locke que, nas suas Cartas sobre a Tolerância e sobretudo no Segundo Tratado sobre o Governo, propõe o sistema parlamentar representativo de governo como meio de barrar o arbítrio do poder do Príncipe, outorgando direitos aos indivíduos, legitimando assim a consecução dos interesses individuais. Antes de Locke na Inglaterra, quando um grupo político-dinástico vencia outro, matava, exilava, confiscava os bens dos adversários, numa selvageria digna de uma cubata africana. A elite inglesa tomou consciência de que tal procedimento político gerava insegurança, transformando o mundo político numa arena hobbesiana (a luta de todos contra todos) extremamente instável e perigosa. Locke então propõe carrear todo o conflito político para um caldeirão, chamado parlamento, onde os que detivessem a maioria, formariam o governo e os minoritários cuidariam da oposição. Com o correr do tempo, o governo sofreria a erosão natural do poder, cabendo a vez à oposição formar o novo governo. Ao invés da morte e do confisco dos bens, haveria a queda do gabinete, favorecendo assim a rotação de elites no poder. Mecanismo institucional muito mais civilizado e inteligente do que resolver o conflito político na base da peixeira na barriga do oponente.

Após 1723, Desaguliers ajuda Anderson a redigir as famosas Constituições que se tornaram o farol básico da maçonaria simbólica. Anderson faz uma síntese dos antigos deveres misturando-os com outros tirados das diversas tradições, especialmente os documentos góticos, queimando o resto, fato que escandalizou as velhas lojas-mães de Londres, York e Westminster. As Constituições de Anderson de 1723 é o divisor de águas entre os maçons operativos e especulativos. No mesmo ano, sobre a inspiração de Desaguliers, a Bíblia, qualificada daí por diante, de Livro da Lei, substitui as Antigas Obrigações sobre as quais os juramentos eram prestados. É ainda atribuído a Desaguliers, a redação do livro Charges of a Free-Mason (Obrigações de um Maçom) e que tem permanecido substancialmente o mesmo desde a edição de 1723.

No ofício de grão-mestre adjunto, Desaguliers contribui ativamente para a redação dos primeiros rituais. Introduziu nestes a idéia de que os maçons operativos faziam do trabalho: como um ato nobre, um dom de Deus, e não, como se pensava até então, como uma maldição, um castigo devido à expulsão do paraíso, como está no Gêneses (4:17-19). Por falar em Deus, a expressão GADU, apesar de ter sido introduzida por Anderson, tem também o dedo de Desaguliers, pois o referido conceito – GADU – facilita a introdução do deísmo na maçonaria nascente, substituindo o teísmo católico, tão bem professado pelos maçons operativos, reforçando assim o anglicanismo que era um pouco mais aberto à tolerância do que a religião de Roma. Convém ainda salientar que o deísmo é mais professado entre os cientistas crentes do que o teísmo, o Deus de Leibniz, de Spinoza, de Einstein, dos cientistas enfim, não é o mesmo Deus de Abraão, Isaac e Jacó. E Desaguliers como cientista...

A partir de 1670, muitos rabinos de origem polonesa estabeleceram-se em Londres e Desaguliers manteve contato com eles ou com seus sucessores para que se juntassem à então maçonaria nascente. No dizer de Robert Ambelain[3], foi devido a esses rabinos que Desaguliers hauriu a história de um novo personagem maçônico: o mito de Hiram. Inspirados pela cabala prática, ou seja, pela magia, a história de um novo personagem - Hiram – arquiteto do templo de Salomão adentra ao ritual maçônico do terceiro grau[4]. Hiram acossado por três maus companheiros que desejavam roubar seus segredos, é morto, enterrado, encontrado e depois ressuscitado. A interpretação simbólica desta morte em loja, aplicada ao sentido moral e espiritual, enquanto o candidato toma o lugar de Hiram, faz definitivamente a ordem sair do domínio operativo e ingressar compulsoriamente no domínio especulativo. Este ritual, oposto ao ensino bíblico e à interdição de tocar os cadáveres, extremamente surpreendente para os maçons do século XVIII, encontra de fato sua justificação pela envergadura do espírito de Desaguliers, que desejava assim legar à maçonaria uma dimensão que ultrapassasse um cristianismo tacanho e etnocêntrico da sua época. É preciso ver aqui um símbolo: as profundas mudanças que Desaguliers aporta ao relato da cabala dão a este ritual uma profundidade que supera a tristeza e o macabro. Desde então, para os maçons, a morte não é mais um fim terrível, mas somente uma passagem, e a iniciação, que é de fato este ritual de passagem, termina necessariamente por uma regenerescência do indivíduo. Por este ritual, Desaguliers oferece aos maçons que se iniciam, uma mensagem de esperança: pela força do trabalho e da virtude, o maçom ganha sua própria purificação.

Desaguliers sempre foi um viajor contumaz. Convidado a ir à Escócia como homem de ciências e engenheiro, aproveita a ocasião para explicar o novo ritual simbólico aos membros da Loja St. Mary’s Chapel. Faz uma demonstração prática iniciando o lorde prefeito de Edimburgo e todos os membros do seu conselho. A maçonaria escocesa, então operativa, ansiava por tornar-se verdadeiramente especulativa nesta ocasião. De volta à Inglaterra em 1726, inicia a Lorde Kingsdale na loja que se reunia no Swan & Rummer, na presença do Grão-Mestre, conde de Inchquin. Em 1731, viajando pelos Países Baixos, preside, como Venerável Mestre de uma Loja de Ocasião, nos salões do embaixador inglês na Haia - Lorde Philip Chesterfield – uma sessão no curso da qual inicia Francisco, duque de Lorena, futuro duque de Toscana, imperador do Santo Império Germânico e esposo de Maria Teresa, imperatriz da Áustria. Pode-se afirmar que o nosso personagem introduziu a maçonaria nos Países Baixos. Voltando, em seguida à Inglaterra, é julgado o mais apto a iniciar o príncipe de Gales - Frederik Lewis[5] - tendo sido o primeiro de uma longa linhagem de príncipes da Casa Real de Hanover que se tornaram maçons - e o faz, no curso de uma sessão organizada no Palácio de Kew em 1732. Ainda sobre sua estreita relação com a realeza, foi nomeado Capelão para o mesmo príncipe de Gales, dava conferências para a família do rei George II e era um dos favoritos da rainha Carolina. Entre 1734 e 36, voltamos a encontrá-lo em Paris, onde pronunciou diversas conferências científicas, sempre ao lado de lorde Chesterfield. Inicia, na loja De Bussy, a Luiz Phélipeaux, conde de Saint-Florentin e duque de Lavrillière. Ajuda a fundar, ainda em Paris em 1735, a famosa loja Louis d’Argent. Em 1738 foi nomeado capelão do Regimento de Dragões Bowles.

Desaguliers, como muito outros homens, tinha uma dupla personalidade. Reservado e austero em público, ele se transformava no interior das reuniões maçônicas. No interior de uma loja, quando as portas ficavam bem guardadas, liberava seu espírito, tornava-se gozador, cantarolava com vivacidade os hinos maçônicos e, até mesmo, apreciava uma alegre libação que muitas vezes, acentuava a sua famosa gota, forçando-o a andar de bengala. Dizia-se mesmo que despendia bastante dinheiro nas suas mini-farras com os irmãos, o que provavelmente era verdadeiro, pois viajava muito, como vimos acima, e suas numerosas atividades deviam render-lhe somas apreciáveis.

As atas da Grande Loja demonstram cabalmente que até quase o final de sua vida participou ativamente das suas deliberações. Sua última presença em loja ocorreu em 8 de fevereiro de 1742. Faleceu em 29 de fevereiro de 1744, com 61 anos e está enterrado na Capela Real do célebre Hotel Savoy de Londres. Seu filho primogênito, Alexander, tornou-se, como ele, ministro do culto. Thomas, seu segundo filho, seguiu a carreira militar, chegando ao posto de coronel, além de ser escudeiro do rei George III da Inglaterra. Atualmente contam-se como seus descendentes os troncos dos Cartwrights e dos Shuttleworths.

Feller, autor de uma Biografia Universal, declara que os últimos dias de Desaguliers foram passados na tristeza e na miséria; teria perdido a razão e se fantasiava, algumas vezes, de arlequim e palhaço. Cawthorn, num poema intitulado The Vanity of Human Enjoyments (Vaidade das Humanas Alegrias), afirma que Desaguliers estava quase indigente no momento de seu passamento

Albert Mackey sustenta, pelo contrário, que estas descrições apócrifas da morte de Desaguliers são francamente exageradas. Nichols, autor das Literary Anecdotes (Anedotas Literárias), que conhecia Desaguliers pessoalmente, traça-lhe um retrato mais lisonjeiro, declarando, no volume nono de sua obra, que ele morreu no Bedford Coffee House e foi enterrado no Savoy.

V - Conclusão

Não importam tanto estes fatos finais. O que está gravado no mármore da história é que Jean Théophile Desaguliers, doutor em direito, cientista, tecnólogo, ministro do culto e membro da Sociedade Real, a par de seus conhecimentos, de sua situação social, de sua forte personalidade e de suas contribuições ao espírito e às estruturas da maçonaria, enriqueceu tanto esta instituição que carreou para ela um número crescente de pessoas de estatura intelectual e social semelhantes às suas. Apesar de sofrer de forte miopia foi um dos mais argutos maçons de sua época. Sob sua liderança intelectual, a então nascente Grande Loja da Inglaterra se espalhou para todo o mundo, tornando a maçonaria uma das maiores instituições universais e, no acertado dizer de Mackey, fez de Desaguliers o Pai da Maçonaria Especulativa Moderna.

Por: Ven.·.Ir.·. William Almeida de Carvalho 33º


VI - Bibliografia

- ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 30 vols., University of Chicago, USA, 1982.

- Jean Théophile Desaguliers, trabalho da Loja Jean-Théophile-Desaguliers nº 138, filiada à Grande Loja do Quebec, Canadá.

- MACKEY, Albert G., Encyclopedia of Freemasonry, vols. I e II, Kessinger Reprints, Kessinger Publishing, LLC, Kila, MT, USA, s/d.

- NEWTON, Edward, Brethren Who Made Masonic History, The Prestonian Lecture for 1965, in The Collected Prestonian Lectures, vol. II, 1961-1974, Lewis Masonic, London, 1983, pg. 46.

- SINGH, Simon, O Último Teorema de Fermat (A História do Enigma que Confundiu as Maiores Mentes do Mundo Durante 358 Anos), ed. Record, Rio de Janeiro, 1998.

- SOBEL, Dava, Longitude – A Verdadeira História de um Gênio Solitário que Resolveu o Maior Problema Científico do Século XVIII, Ediouro, Rio de Janeiro, 1996.

- STOKES, John, Life of John Theophilus Desaguliers, in Ars Quatuor Coronatorum, vol. 38, Anais da Quatuor Coronati Lodge Nº 2076, London, 1925, p. 285.

[1] Alguns autores afirmam que teria sido iniciado em 1712, mas inexistem provas documentais.

[2] ASSEMBLY and Feast at the Said Place, 24 June 1719, Brother Payne having gather’d the Votes, after dinner proclaim’d aloud our Reverend Brother John Theophilus Desaguliers, LLD, FRS, Grand Master of Masons, and being duly invested, install’d, congratulated and homaged, forthwith reviv’d the old regular and peculiar Toasts or Healths of the Free Masons. Now several old Brothers, that had neglected the Craft, visited the Lodges; some Noblemen were made Brothers, and more new Lodges were constituted. In Lamoine, Georges, Les Constitutions d’Anderson, GLNF, Grande Loge de la Province d'Occitanie, ed. SNES, Toulouse, 1995, pg. 188.

[3] Ambelain, Roberto, La Franc-Maçonnerie Oubliée 1352-1688-1720, Ed. Robert Laffond, Paris, 1985, pp. 119-120.

[4] Desnecessário assinalar que na primeira edição das Constituições de Anderson em 1723 não se fazia menção ao grau de mestre, somente na segunda edição de 1738 é que se menciona explicitamente o terceiro grau.

[5] Pai de George III, rei da Inglaterra.

DRAGÕES: FATOS & LENDAS

Os dragões são animais fabulosos, geralmente representados como uma enorme serpente alada que expele fogo pelas ventas (narinas). Seu tipo biológico situa-se entre o réptil e o sáurio (dinossauros): cabeça ornada com uma grande crista, poderosos cifres, presas enormes, couro grosso e nodoso cobrindo todo o corpo até a cauda, não raro provida de esporas, possivelmente de tecido ósseo ou cartilaginoso. Dotado de poderes extraordinários, o hálito dos Dragões é considerado venenoso e seu sangue, quando derramado em batalha ou na hora da morte, é igualmente fatal para aquele que for atingido por respingos dos líquido.

Répteis por natureza, os dragões encontram conforto em lugares frios, escuros e úmidos; por isso, cavernas são as moradas ideais para dragões, além da penumbra e do frescor, são locais de fácil defesa e apropriados para guardar tesouros e reservas de alimento. As colinas próximas a grupamentos humanos ou rebanhos de mamíferos foram os lugares preferidos na hora de escolher a toca. Há dragões que habitam em águas: mares, lagos, rios mas, preferencialmente, pântanos, como os dragões Knuckers", ingleses. (www.kairell.donagh.nom.br - 2005)

No Ocidente, os primeiros relatos sobre dragões aparecem em escrituras Judaicas (da Bíblia) e gregas. Na Europa, as lendas sobre os monstros antropófagos e cuspidores de fogo ou "de respiração pestilenta", ganharam espaço na imaginação popular. As histórias falam de cidades e vilarejos ameaçados e raptos de donzelas cruelmente assassinadas, degoladas ou empaladas, salvo quando algum virtuoso cavaleiro intervém na situação devidamente guarnecido de uma espada mágica. O mais famoso herói a resgatar uma cidade e sua donzela é aprisionada São Jorge, cuja vitória é interpretada como uma vitória do Cristianismo sobre as forças do Mal.

No Leste Europeu, os Dragões estão ligados a tradições de Sociedades Secretas Ocultistas, que supostamente adoravam divindades descendentes dos antigos Nagas indianos cuja representação, a figura de um Dragão, significa a Sabedoria, seja usada para o bem ou para o mal. O famoso Vlad Tepes, ou onde Drácula, foi um membro da Sociedade Secreta dos Dragões em sua região e seu apelido "Drácula", significa, precisamente, Dragão. Nesta tradição há uma clara associação entre Dragões e Sabedoria, uma relação histórica com raízes plantadas na mais remota antiguidade.

Os Dragões aparecem nas tradições mitológicas de quase todos os povos do mundo. No Oriente, os Dragões não são necessariamente perversos. Na China, são figuras de grande destaque. Festas folclóricas são dedicadas a eles. Os dragões simbolizam o próprio povo chinês que se auto-proclamam "Long De Chuan Ren" (Filhos do Dragão). Para os chineses, o dragão é uma criatura mítica e divina relacionada à abundância, prosperidade e boa fortuna. Templos e pagodes são construídos em honra aos Dragões e para eles são queimados incensos e dirigidas orações.

Eles são os governantes dos rios, da chuva, lagos e mares. Habitam nas águas, voam nos céus e percorrem as entranhas da Terra e dos Oceanos; aos seus movimentos subterrâneos são atribuídos fenômenos tectônicos como tremores de terra, terremotos e maremotos. Os dragões chineses são classificados em nove categorias: o 1. Dragão com Chifres (Lung), 2. Dragão Celestial, que mantém e protege as moradas dos Deuses; 3. Dragão Espiritual, gerador de chuva; 4. Dragão dos Tesouros Escondidos, Guardião das Riquezas; 5. Dragão Serpente, habitante das águas; 6. Dragão Amarelo, também aquático,que teria presenteado o legendário imperador Fu Shi com os elementos da escrita. Os quatro últimos são os Dragões-Rei, regentes dos quatro mares dos quatro pontos cardeais.

"Junto com o Unicórnio, a Fênix e a Tartaruga, era considerado um dos quatro primeiros animais que ajudaram na criação do mundo. O dragão não tinha rivais em sabedoria e em poder para conceder bênção. O imperador da China era suposto ser descendente de um dragão e ter dragões à seu serviço. Estudantes chineses cuidadosamente categorizaram dragões por diversos critérios como na classificação por Tarefas Cósmicas:

Dragões Celestiais: Estes dragões protegiam os céus, suportavam os lares das divindades e os defendiam da decadência. Somente estes dragões tinham cinco garras e somente a insígnia Imperial era permitida a descrevê-los.

Dragões Espirituais: Estes controlavam o clima do qual a vida era dependente. Eles tinham que ser apaziguados pois se fossem tomados por raiva ou simples negligência, desastres iriam se seguir.

Dragões Terrestres: Estes lordes dos rios controlavam seus fluxos. Cada rio tinha seu próprio dragão que governava de um palácio bem abaixo das águas. Dragões Subterrâneos: Estes dragões eram guardiães dos preciosos metais e jóias enterrados na terra. Cada um possuía uma grande pérola que podia multiplicar qualquer coisa que tocasse.

Também foram classificados pela cor:

Azul: Augúrio do Verão

Vermelho e Negro: Dragões destas cores eram bestas ferozes cujas lutas causavam tempestades e outros desastres naturais.

Amarelo: Estes eram os mais afortunados e favoráveis dos dragões. Não podiam ser domados, capturados ou mesmo mortos. Apenas apareciam em tempos apropriados e somente se houvesse uma perfeição à ser encontrada.

Os Dragões chineses podiam tomar a forma humana ou de uma fera se desejassem e tinham uma bizarra coleção de fobias. Temiam o ferro, mas para criaturas que eram vistas como mestres de tais elementos e quase divinos, também temiam outras estranhas coisas como centopéias ou fios de seda tingidos em cinco cores. O Japão também tinha seus dragões. Chamados de Tatsu, eles eram bastante relacionados com os Dragões Chineses. Assim como eles, também tinham diferentes sub-tipos, entretanto geralmente tinham somente três garras e eram mais parecidos com cobras." (www.kairell.donagh.nom.br - 2005)

Na mitologia chinesa, muito mais antiga que a dos judeus, também há um Gênesis, relato da Criação, e um Éden. O Paraíso chinês, chamado Jardim da Sabedoria, era habitado pelos "Dragões da Sabedoria" (Iniciados, Magos). Localizava-se no Planalto de Pamir, entre os picos mais elevados da cordilheira dos Himalaias. Ali, no ponto culminante da Ásia Central, o Lago dos Dragões alimentava quatro grandes rios: Oxus, Induas, Ganges e Silo; por isso, o Lago é chamado de "Dragão de Quatro Bocas".

Pesquisadores de diferentes áreas, geólogos, arqueólogos ou teósofos, que defendem a hipótese de uma origem mais recuada para a espécie humana, admitem que pode ter ocorrido um período de transição no qual seres humanos conviveram com sáurios ou grandes répteis. A teósofa H. P. Blavatsky assinala em sua Doutrina Secreta (2003), citando o naturalista Curvier: "Se existe algo que possa justificar a existência de hidras e de outros monstros cujas figuras foram tantas vezes reproduzidas pelos historiadores da Idade Média, este algo é incontestavelmente o plesiossauro." Revolution du Globe. vol V - p 247

O Plesiossauro é um réptil marinho semelhante a um lagarto. Tinha grandes proporções, alguns chegando a 9 metros de comprimento; era dotado de poderosas nadadeiras. Blavatsky escreveu no final do século XIX, época em que houve um intenso movimento na área da pesquisa arqueológica e paleontológica. Muitos fósseis eram descobertos por pesquisadores independentes. Na Alemanha, foi descoberto um sáurio voador, o pterodátilo, com 78 pés de comprimento, asas membranosas com envergadura em torno de meio metro, vigorosas presas e corpo de réptil. Na Filadélfia, o Dr. Cope estudou o fóssil de um monossauro e concluiu que era uma serpente alada, da espécie do pterodátilo, cujas vértebras indicam mais aproximação com ofídios (cobras) do que com lacertídeos (lagartos) (BLAVATSKY, 2003 - p 223). Em 1886, o geólogo Charles Gould escreveu em seu antológico Mythical Monsters:

Muitos dos chamados animais míticos, que através dos séculos e em todas as nações serviram de tema para ficções e fábulas, entram legitimamente no campo da História Natural simples e positiva e podem ser considerados não como produto de uma imaginação exuberante, mas como criaturas que realmente existiram e das quais ...só chegaram até nós descrições imperfeitas e inexatas, provavelmente muito refrangidas pelas névoas do tempo; tradições de seres que, em outra era, coexistiram com o homem, alguns deles estranhos e horrendos ...é menos difícil admitir todas essas maravilhosas histórias de deuses e semideuses, de gigantes e anões, de dragões e monstros de toda espécie como transformações do que acreditar que sejam invenções. ...Se são invenções, devemos crer que selvagens incultos fossem dotados de um poder de imaginação e criação poética muito superior ao dos povos civilizados de nossos dias." In BLAVATSKY, 2003 - p 235

Em 1912, um aeronauta alemão acidentou-se na Ilha de de Komodo, Indonésia. Resgatado, relatou que tinha visto uma criatura monstruosa semelhante aos mitológicos dragões. Averiguações e filmagens revelaram a veracidade do fato: era um animal da família dos lacertídeos porém em tamanho gigante. O enorme lagarto, conhecido como dragão de Komodo, alcança 10 pés de comprimento, contando sua longa e vigorosa cauda, alimenta-se de carne putrefata e, eventualmente, pode atacar e matar pessoas. Há relatos não confirmados da existência de lagartos semelhantes na Nova Guiné.

Apesar destas descobertas e de muitas mais, a arqueologia oficial não admite a existência de seres como dragões em qualquer época, embora nos ladrilhos babilônicos, nos murais pré-colombianos, na mitologia nórdica, nos desenhos japoneses, pagodes e monumentos, na Biblioteca Imperial de Pequim e em muitos outros documentos históricos figurem reproduções perfeitas de plesiossauros e pterodátilos. Na Bíblia, além do Apocalíptico Dragão Leviathan, o profeta Isaías (XXX:6) relata sua visão de uma "serpente voadora", a Saraph Mehophep, palavras que todos os dicionários hebreus traduzem assim: Saraph= veneno inflamado ou ardente; e Mehophep= voador. (BLAVATSKY, 2003 - p 224).

A questão da veracidade ou não da existência remota de animais como os dragões assume maior importância quando relacionada com as dúvidas em torno da idade da raça humana sobre a Terra. Se as histórias e figuras de dragões são mais que fruto da imaginação dos povos, se forem vistos como registros de visões reais, como documentos históricos, por mais remota que seja a época a qual se refiram, isto seria uma prova da enorme antigüidade do homem sobre o planeta reforçando, inclusive, as teorias que falam de civilizações avançadas que desapareceram completamente, vitimadas por catástrofes. Os dragões seriam uma lembrança de tempos anteriores ao Dilúvio Bíblico; anteriores ao surgimento dos primeiros antropóides reconhecidos pela ciência atual, datados em 1 milhão e meio de anos atrás.

O movimento buddhista do Grande Veículo (sânsc. Mahayana) surgiu na Índia por volta do século II. Este movimento é baseado em diversos textos, que teriam sido registrados a partir de discursos (sânsc. sutra) proferidos pelo próprio Buddha Shakyamuni (século VI a.C.) e então preservados no reino dos nagas — dragões aquáticos com corpo de serpente e cabeça humana — até que os discípulos se tornassem aptos a recebê-los.

Uma dessas pessoas aptas a receber os ensinamentos Mahayana teria sido o monge indiano Nagarjuna (século II-III), cujos trabalhos deram origem à escola filosófica do Caminho do Meio (sânsc. Madhyamaka). Nagarjuna não tinha a intenção de criar uma filosofia, mas sim de elucidar os ensinamentos dos Discursos sobre a Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajnaparamita Sutra), um conjunto de textos Mahayana que ele teria recebido diretamente dos nagas. IN DHARMANET

"Os místicos vêem, por intuição, na serpente do Gênesis, um emblema animal e uma elevada essência espiritual; uma fonte cósmica de supra-inteligência, umagrande luz caída, um espírito sideral, aéreo e telúrico ao mesmo tempo, 'cuja influência circunda o globo' (qui circumambulat terram - De Mirville) ... e que somente se manifesta sob o aspecto físico que melhor se coaduna com suas sinuosidades morais e intelectuais, isto é, a forma de um ofídio. ...Em todas as línguas antigas, a palavra dragão tinha o mesmo significado que tem hoje a palavra chinesa long ou - 'o ser que sobressai em inteligência'. Em grego, drakon é Aquele que vê e vigia. " BLAVATSKY, 2003 - p 228

A FACE OCULTA DOS DRAGÕES

A existência dos Dragões, como animais pré-históricos, contemporâneos a uma raça humana arcaica, pode ainda ser contestada mas sua realidade como elemento cultural, seu caráter de poderoso símbolo presente no imaginário popular e nas alegorias religiosas de todo o mundo, isto é um fato inegável. Rico em conteúdos semióticos, o Dragão, ora representa o bem, ora representa o mal.

Uma visão geral do histórico dos Dragões mostra um ser paradoxal, que encarna, ao mesmo tempo, o bem e o mal. É o monstro que aterroriza os mortais, é a besta do Apocalipse, o aliado da Magia Negra, o raptor de donzelas medievais; mas também é um símbolo de sabedoria, força física, poder, proteção e boa fortuna. Este caráter, aparentemente multifacetado dos dragões é o resultado de milênios de sincretismos entre culturas de todo o mundo. O aspecto maligno do dragão é notavelmente acentuado no Ocidente, onde foi associado à figura do Diabo por conta de suas "aparições", quase sempre alegorias mal interpretadas, nas escrituras cristãs como no Apocalipse, onde é chamado Leviathan; nos evangelhos apócrifos: em Bartolomeu, surge submisso e, diante de Cristo e dos apóstolos, confessa suas maldades. Outras referências ao dragão diabólico são os embate com o Arcanjo Miguel e com São Jorge. No evangelho apócrifo de Bartolomeu, o "inimigo dos homens" é descrito assim:

Belial subiu aprisionado por 6 064 anjos e atado com correntes de fogo. O dragão tinha de altura mil e seiscentos côvados e de largura, quarenta. Seu rosto era como uma centelha e seus olhos, tenebrosos. Do seu nariz saía uma fumaça mal-cheirosa e sua boca era como a face de um precipício....Bartolomeu, pois, se foi e pisou-lhe a cerviz, que trazia oculta até as orelhas, dizendo-lhe: — Dizei-me quem és tu e qual é teu nome....Respondeu Belial: — A princípio me chamava Satanail, que quer dizer mensageiro de Deus, Mas, desde que não reconheci a imagem de Deus, meu nome foi mudado para Satanás, que quer dizer anjo guardião do tártaro. In www.sobrenatural.org - 2005

Todavia, a simbologia tradicional se mantém. Os dragões jamais perderam seus atributos positivos e somente pela via das deturpações podem ser identificados com o mal. Ao contrário, o folclore envolvendo Dragões em guarda de tesouros é uma adaptação popular para os Dragões Guardiães do Éden, Guardiães da Árvore da Vida e da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Mesmo entre os judeus, são os Querubins designados pelo Criador para defender o Paraíso. Estes anjos, são descritos no Livro de Enoch com uma aparência zoomórfica, dotados de múltiplas asas, espadas flamejantes e face zoomórfica, entre o homem e o dragão. São, por isso, guardiães da Sabedoria e ainda abrigam outros significados: representam a energia cósmica criadora, a eternidade e o próprio Cosmos, que repousa enrodilhado sobre si mesmo, círculo de serenidade, e quando desperta em turbilhões, desdobrando suas espirais no infinito, manifestando-se em todas as coisas que existem no Universo.

A imagem do Dragão associada à sabedoria contém uma mensagem de profundo alcance. A imagem diz que a Sabedoria não se relaciona com qualquer tipo de fraqueza. Não há conflito entre força, poder e felicidade, boa fortuna, compaixão e bom senso. O signo original, concebido em épocas insuspeitadas da história humana, referia-se à Regeneração Psíquica e à Imortalidade. Hermes considerava a serpente o mais espiritual de todos os seres. "Jesus admitiu a Serpente como sinônimo de Sabedoria, e um de seus ensinamentos, disse: Sede sábios como a serpente." Todos os povos simbolizaram o "Espírito de Deus" sob a forma de uma serpente de fogo que repousa sobre as águas primordiais até o dia do despertar, quando se expande por meio do verbo tomando a forma do leminiscato, a serpente que morde a própria cauda, representação do Universo, da Eternidade, do Infinito e da forma esférica dos corpos celestes. BLAVATSKY, 2001 - p 131

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BIBLIOGRAFIA

BLAVATSKY, Helena Petrovna. Edéns, serpentes e dragões. In A doutrina secreta - vol. III, Antropogênese. _________________________________ O resplandecente dragão da sabedoria. _________________________________ O cisne, símbolo do raio divino. In A doutrina secreta - vol. I, Cosmogênese. São Paulo: Pensamento, 2001.
BARSA Enciclopédia. São Paulo: Britânica/Melhoramentos, 1961.
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ELFWOOD Ilustrações. Artes Plásticas em Realismo Fantástico.
KAIRELL In Kairell Donagh - Dragon.
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The chinese dragon. In York - UK.