terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O totalitarismo no poder - 1 -3. Dominação total.

[.....] Se a propaganda da verdade fracassa tentando convencer o indivìduo médio porque ela é demasiadamente horrìvel, ela é positivamente perigosa para aqueles que sabem segundo seus pròprios fantasmas o que eles são capazes de fazer, e que estão então perfeitamente prontos para acreditar na realidade do que eles viram.
De repente, torna-se evidente que o que a imaginação humana havia desde os milhares de anos rejeitado em um reino fora do poder humano pode se forjar aqui na terra agora: O Inferno e o Purgatòrio, e mesmo a sombra de sua duração eterna, podem ser criadas graças aos métodos mais modernos de destruição e de terapia. A essas pessoas ( e elas são mais numerosas em qualquer grande cidade que nòs não estamos prontos para admitir) o inferno totalitàrio sò prova uma coisa: que o poder do homem é maior do que eles não puderam jamais osar imagina-lo; que o homem pode realisar visões do inferno sem que o céu caia ou que a terra se abra.
Essas analogias repetidas em numerosas narrações dos agonizantes - (Que a vida em um campo de concentração sò teria sido um processo de morte sem fim, é o que ressaltou David Rousset, Les jours de notre mort, 1947, passim) parecem exprimir mais do que uma tentativa desesperada de dizer o que é estrangeiro no domìnio do discurso humano. Nada talvez não distingue mais radicalmente as massas modernas daquelas dos séculos passados do que a perda da fé em um Julgamento ùltimo: os piores perderam o medo, os melhores perderam a esperança. Tão incapazes do que antes de viver sem medo e sem esperança, essas massas são atiradas por todo empreendimento que parece prometer a fabricação pelo homem do Paraìso que elas haviam desejado e do Inferno que elas haviam temido. Da mesma maneira que nos seus aspectos mais populares, a sociedade sem classes de Marx apresenta uma estranha semelhança com a idade messianica, da mesma maneira a realidade dos campos de concentração não parece com nada a não ser com as representações medievais do Inferno.
A ùnica coisa que não pode ser reproduzida, é o que tornou toleràvel para o homem as concepções tradicionais do Inferno: o Julgamento ùltimo, a idéia de um critério absoluto da justiça combinada com a possibilidade infinita da graça. Pois, para os homens, não existe crime nem pecado que tenham uma medida comum com os tormentos eternos do Inferno. Por isso o fracasso moral do senso comum, que procura se informar: qual foi o crime que essas pessoas podem ter cometido para sofrer de maneira tão desumana ? Por isso igualmente a inocência absoluta das vìtimas: nenhum homem jamais mereceu isso. Por isso também o grosseiro acaso que presidia a escolha das vìtimas dos campos de concentração no estado de terror realizado: um tal "castigo" pode ser dado a qualquer pessoa com uma igual justiça e injustiça. [.....]

[.....] Os campos e o assassinato dos adversàrios polìticos fazem apenas parte do esquecimento organizado que não somente envolve o veìculo da opinião pùblica que é a palavra dita e escrita, mas se estende mesmo às familias e aos amigos das vìtimas. Màgoa e LEMBRANCA são proibidos. Na União soviética, uma mulher deverà divorciar imediatamente apòs a prisão de seu marido afim de proteger a vida de seus filhos; se seu marido tem a sorte de voltar, ela lhe recusarà com indignação a porta do lar - ( Ver a narração de Sergei Malakhov em David.J.Dalbin e Boris Nicolaevsky, Forced Labor in Russia, pg. 20 et suiv.) - O mudo ocidental até agora, mesmo nos seus perìodos mais negros, concedem ao inimigo assassinado o direito à LEMBRANCA: era reconhecer como evidente o fato que nòs todos somos homens ( e apenas homens). È apenas porque Achille foi aos funerais de Hector, porque os governos mais despòticos honram o inimigo assassinado, porque os Romanos permitiram aos cristãos de escrever seus martyrologes, porque a Igreja conservava seus heréticos vivos na memòria dos homens, que tudo não foi perdido e não pode jamais ser. Os campos de concentração tornando a pròpria morte anônima ( fazendo que seja impossìvel de saber se um prisioneiro està morto ou vivo) despojando a morte de sua significação: o termo de uma vida realizada. De uma certa maneira eles despojaram o indivìduo de sua pròpria morte, provando que doravante nada lhe pertencia e que ele não pertencia a ninguém. Sua morte sò fazia validar o fato que ele não tinha jamais verdadeiramente existido. [....]

[.....] O terror totalitàrio conheceu seu supremo e estarrecedor triunfo quando ele conseguiu separar a pessoa moral da salvação individualista e tornar absolutamente problemàtica e aquìvoca todas as decisões da Consciência. Quando o homem é confrontado à alternativa de trair e então de matar seus amigos ou de enviar sua mulher e seus filhos, de quem ele é em todos os sentidos responsàvel, à morte; mesmo se o suicìdio significasse o assassinato imediato de sua pròpria familia - o que ele pode decidir ? A alternativa não é mais entre o bem e o mal, mas entre o assassinato e o assassinato. Quem poderia resolver o dilema moral dessa mãe grega, que os nazistas deixaram livre de escolher entre seus três filhos qual deles deveria ser assassinado ? ( Ver Albert Camus, " The Human Crisis", Twice a year, 1947 [ " A Crise do Homem"], NRF, 1996]. - Graças à criação de condições em que a CONSCIÊNCIA não é mais de nenhum socorro, onde fazer o bem torna-se RADICALMENTE IMPOSSÌVEL, a CUMPLICIDADE Conscientemente Organizada de todos os homens nos Crimes de Regimes Totalitàrios se Estende às vìtimas e toma dessa maneira um caràter Verdadeiramente Total. [....]
[....] Uma vez que a pessoa moral foi assassinada, sò subsiste um obstàculo à metamorfose dos homens em CADÀVERES VIVOS: a diferenciação dos indivìduos, a identidade ùnica de cada um. Sob uma forma estéril essa individualidade pode ser Preservada graças a um Estoicismo Firme e é uma Certeza que muitos homens sob a DOMINACÃO TOTALITÀRIA encontraram e encontram ainda cotidianamente Refùgio nesse absoluto Isolamento de uma Personalidade sem Direitos ou Sem CONSCIÊNCIA.
Não existe nenhuma dùvida que esse aspecto da Personalidade Humana, na medida em que precisamente ele é Relativo à NATUREZA e a FORCAS ESCAPANDO ao CONTROLE da VONTADE, é o mais difìcil a DESTRUIR ( DESTRUÌDO, ele é também aquele que se RECONSTITUI mais Facilmente (1)


Nota 1

Bruno Bettelheim ("On Dachau and Buchenwald") mostra como a "preocupação principal dos novos prisioneiros era de conservar intacta a personalidade deles", enquanto que o problema dos velhos prisioneiros era: "Como viver o melhor possìvel no interior do campo ?"

- Hannah Arendt - Le systéme totalitaire - Nouvelle Èdition - Les Origines Du Totalitarisme - Essai - Points.

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