sábado, 2 de fevereiro de 2008

O Espírito radical ( 1 ) - 124


A prioridade do homem

A ordem encerra por ela mesmo uma espécie de religião, e talvez toda a religião. A linguagem aqui nos ensina, através uma riqueza de senso sem igual. Nòs dizemos ordem para dizer comandamento; ordem e desordem, na oposição delas, têm um sentido bem claro; nòs dizemos palavra de ordem - mot d'ordre - , o que designa uma sorte de pensamento que nega o pensamento; as ordens religiosas encerram o cìrculo, reunindo todos esses sentidos em uma ùnica procissão ou um cortejo, que não tem outro fim do que ele mesmo. A ordem se termina em si e vale por si. O que é um regimento que desfila ? È uma ordem que se afirma primeiro nela mesmo. Nada comanda melhor do que o tambor; e o que é o tambor, senão o que engrossa o barulho dos pés ? Mas qual é o pé que comanda ? Todos os pés regulam cada um; e cada um todos. Marchar em ordem é a razão de marchar em ordem. È um prazer e é mesmo uma necessidade; o semelhante imita o semelhante, pelo simples fato que ele o vê fazer. O homem que vê o pàssaro ou o cavalo tenta por essa razão imitar o vôo do pàssaro ou o galope do cavalo. Ele não consegue. Mas se é um homem que ele vê, ele o segue.

Ademais a imitação é uma maneira de aprender e de se salvar. Na guerra, assim que um homem mergulhava, todos mergulhavam, eu quero dizer se jogavam no chão, esse movimento maravilhosamente instantâneo, e que nòs aprendemos tão ràpido. Mas a profunda razão de imitar e o prazer de imitar derivam da semelhança. As festas e as cerimônias são jogos de imitação que tem o objetivo de dar prazer. È preciso consentir que esse prazer não envelhece. È explorar o semelhante, experimenta-lo, reconhece-lo e se reconhecer. Esse tipo de pensamento é a parte profunda de todos os nossos pensamentos. Quando eu penso um objeto, eu me proponho dois fins: pensar conforme o objeto, e pensar como meu semelhante. A geometria mostra isso; pois ela define o cubo, a esfera, e coisas desse gênero, mas ao mesmo tempo ela define o homem pensando.

Então não é pouca coisa de saudar e ser saudado, sorrir a quem sorri, de seguir quem marcha e de repetir exatamente o que ouvimos. Existe uma parte de dança e de canto em todas as ações em comum, e não é a que importa menos. A ordem é então causa e efeito. Nòs damos uma atenção que é uma adesão; é pouco dizer que nòs a aprovamos; nòs somos seu mestre e seu servidor. Assim a ordem não é imposta, nem desejada; ela é inferior ao impor e ao querer; ela pertence à vida como respirar.

Eu seguia esses pensamentos, que trazem tão bem todos os nossos pensamentos, como eu observava o vôo dos pàssaros. Eles faziam apenas um ser, se bem que cada um deles se movesse em um cìrculo de fantasia. Eles se afastavam, se relaxavam pelos lados, depois se reuniam, como seguros por fios elàsticos. O conjunto ondulava como um tecido ao vento. Nenhuma aparência de chefe; era o todo que governava as partes, ou de preferência cada um dos pàssaros se encontrava governando e governado, cada um imitando o vizinho, e o mìnimo afastamento de um inclinando um pouco todos os outros. Onde existia apenas uma coisa, que um deles voando comunicava seu pròprio movimento aos outros pelos olhos e pelas orelhas, o que resultava no que nòs chamamos tão bem uma emoção, quer dizer, pela semelhança, justamente o mesmo movimento; toda mudança resultava na mesma coisa.

A palavra de ordem vinha de todos e os levava todos. È assim que em uma dança nòs não devemos pensar que os movimentos sejam regulados por algum barulho exterior; isso, é a aparência. Na realidade, é o pròprio barulho da dança que regula a dança; e a mùsica de dança mais antiga foi o barulho dos pés, onde as diferenças são continuamente apagadas. È assim que em todos os lugares onde semelhantes são reunidos, a ordem nasce e renasce. Rei invisìvel e presente; no sentido exato, Deus.

- 18 Janvier 1930 -

- Alain - Propos sur les pouvoirs -

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