quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Fidelidade e renovação.

Èis a narração que [ o Talmud] fez na pàgina 216 do tratado de Chabath: " O que significa Hanoukka ? Os doutores ensinam: o vingt-cinquième dia do mês de Kislev [novembro-decembro] começam nos dias de Hanoukka. Oito dias em que nòs não celebramos nenhuma cerimônia de luto, em que nòs não praticamos os jejuns. Quando os Gregos haviam penetrado no Templo, eles tornaram impuros todos os òleos que nele se encontravam. Quando a casa dos Hasmoneens teve a superioridade, nòs encontramos um ùnico pequeno frasco de òleo puro, tendo o sceau do grand-prêtre. O òleo sò poderia ter sido suficiente para manter a luz (permanente no Templo) durante um dia. Mas um milagre se produziu: o òleo do frasco foi suficiente durante oito dias. No ano seguinte, foi instituìda a celebração desses dias através os cantos de louvores e de graças."
Hanoukka é então para nòs a maravilha de uma luz mais rica do que as energias que alimentam, a maravilha do "mais" oriundo do "menos", a maravilha da ultrapassagem. A resistência hasmonéenne também é essa luz desprendida de suas fontes materiais. Mas o texto talmudique restitue a uma guerra nacional - a uma guerra que defende uma cultura - o horizonte permanente do prodìgio. Trata-se do prodìgio cotidiano do espìrito, que precede a cultura. È uma chama que se incendeia de seu pròprio ardor: o gênio que inventa o incrìvel se bem que tudo esteja dito; o amor que inflama sem que o ser amado seja perfeito; a vontade que empreende apesar dos obstàculos que a paralisam; a esperança que ilumina uma vida na ausência das razões de esperar; a paciência que suporta o que pode mata-la. Trata-se dos recursos infinitos do espìrito que ultrapassa, criador, a prudência das técnicas; sem càlculos, sem passado, ele se estende alegre no espaço, se engajando pelas causas de outrem, gràtuìto e pròdigo.Mas o texto que eu acabo de citar corrige por uma outra sabedoria essa sabedoria audaciosa. Criação, liberdade, renovação permanente. Essa essência revolucionària do espìrito diz todo seu mistério ?
Ele sopra onde ele quer. Mas todo vento que sopra assim jà é espìrito, por esse simples desprezo das fronteiras ? Transgredir, jà é ultrapassar ? Nossas luzes não podem queimar de uma maneira simplesmente gratuita. Antes do milagre da luz generosa - e como condição desse milagre - um outro milagre aconteceu. Milagre obscuro que nòs esquecemos. Nòs o esquecemos no brilho das luzes que crescem e triunfam. Mas se, no Templo destruìdo e profanado pelos infiés, nòs não tivessemos achado um frasco de òleo puro celado pelo grand-prêtre e que, ignorado de todos, mas inalterado, subsista durante os anos em que o castiçal ficava vazio, não teria havido o milagre de Hanoukka. Era preciso que se conserve em algum lugar um òleo transparente e intacto.
Oh ! existência noturna dobrada sobre ela mesma nos limites estreitos de um frasco esquecido, oh ! existência subtraìda a todo contacto duvidoso com o exterior, existência letàrgica atravessando a durabilidade, liquido dormindo na margem da vida como uma doutrina conservada em alguma Yechivah perdida, existência clandestina, isolada, no seu refùgio subterrâneo, do tempo e dos acontecimentos, existência eterna, mensagem codificada dirigida por um clérigo a um clérigo, pureza irrisòria em um mundo abandonado às misturas ! oh ! maravilha da tradição, condição e promessa de um pensamento sem obrigações, que não quer ficar um eco, uma agitação da época.
Oh ! luz generosa que inunda o universo, você bebe nossa vida subterrânea, nossa vida eterna e igual a ela mesma. Você celebra essas horas admiràveis, obscuras e secretas.

- Emmanuel Levinas, Difficile Liberdade ( pages 321- 322) Le livre de poche, Coll. "Biblio- Essai", 1997.



Emmanuel Levinas - Fidelidade e renovação.

Emmanuel Levinas conjugou durante sua vida duas fidelidades: a fidelidade à tradição judia e a fidelidade à disciplina na qual ele foi formado na França e onde ele se tornou um dos grandes nomes, a filosofia. Melhor, ele permanece na història como uma pessoa excepcional tendo estabelecido uma ponte entre a sabedoria tradicional judia, de qual ele aprendeu os esplendores e o método ao lado do mestre excepcional Chochani, e a inteligência transparente e sistemàtica da filosofia.

A emoção ética

Na filosofia, o centro da mensagem de Levinas consiste em colocar no primeiro plano a "relação ética". Nòs temos tendência, no Ocidente em acreditar que as palavras "saber", "ser", "verdade" e "liberdade" são suficientes para indicar senso e horizonte para a humanidade. Levinas nos ensina portanto que, se nòs nos apegamos a elas, o absurdo nos ameaça: nòs arriscamos sempre de simplesmente fazer um sketch irrisòrio no seio da comédia global. Para salvar o senso encontrando o que suporta e justifica as luzes da razão e da verdade elas mesmas, é preciso voltar à experiência mais propriamente humana: a emoção ética diante outrem, rosto que comparece para mim, e, no seu fim e na sua fragilidade pròpria, reclama meu socorro, minha responsabilidade. A partir dessa emoção, tudo tem sentido, em particular ou par excellence a aventura intelectual, social e polìtica do Ocidente.
Nosso texto cita o Talmud contando a història comemorada na festa judia de Hanoukka, festa das luzes. Da història milagrosa desse frasco de òleo que queimou 8 vezes mais tempo do que ele não deveria. Levinas tira disso dois ensinamentos.


O outro

De um lado, ele apresenta o excedente deixado no frasco, sem que ninguém esperasse, como sìmbolo da capacidade de ultrapassagem que é a do espìrito, além dos obstàculos, das condições do contexto. Esse espìrito da criatividade e da liberdade parece aquele que celebram no Ocidente e suas "luzes". Entretanto, esse espìrito inventando o novo enquanto tudo parece fixo e repetitivo, Levinas o liga a elementos éticos: ele é "amor que se inflama sem que o ser amado seja perfeito" e ele se engaja "pelas causas de outrem". O segundo ensinamento aprofunda o primeiro, no sentido em que, para que o espìrito possa "ultrapassar", é preciso primeiro que uma humilde fidelidade tenha preservado seu senso e sua possibilidade: que um frasco de òleo ao menos tenha se conservado puro durante a dominação grega.
Tudo repousa, nessa història, sobre o fato que os Judeus continuaram a se sentir em dìvida com relação à tradição judia. Um tal sentimento, para Levinas, se relaciona à atitude fundamental no centro de sua filosofia: o medo de fazer mal a outrem, e o engajamento concreto no socorro. Para que minha dìvida seja vivenciada autenticamente também, eu devo entrar no pensamento que tudo não começa para mim e não està em vista de mim. Levinas acaba seu comentàrio fazendo o elogio de uma certa forma de vida e sociedade: dobrada e obscura, talvez, mais centralizada na preucupação moral do outro homem e a meditação dos textos intepestìvel, em margem do barulho e da sedução do que domina. È de uma tal vida que pode unicamente jorrar, a cada vez, a absoluta inovação: vida secreta da fidelidade que jà é o sentido da condição humana, como tal. È claramente a continuidade mesmo da experiência judia e do judaìsmo - o que faz dela o "sal da terra" - que Levinas celebra, en l'ocurrence.

- Jean-Michel Salanskis.


Levinas, Emmanuel ( 1905 - 1995 )

Filòsofo francês de origem lituanienne, de quem a obra prolìfica é herdeira da fenomenologia de Husserl e do pensamento de Heidegger, que ele contribuiu a fazer conhecer na França ( En découvrant l'existence avec Husserl et Heidegger, 1949). Naturalizado francês em 1924, ele ganhou sua vida como professor de filosofia. Formado no Talmud por Chouchani, ele redigiu Les lectures talmudiques, que contribuiram à renovação do pensamento teològico judeu na França. Dando um novo brilho na exègése bìblica, ele se relacionou com a tradição germânica encarnada por Franz Rosenzweig e Martin Buber. Ele é considerado atualmente como um dos maiores filòsofos contemporâneos.

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