terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Julgamento polìtico - Thomas Pavel

Carta para Vincent Descombes


Princeton, 16 de dezembro 1994.

[.....] Na falta de poder ter uma função plenamente fondationnaire, o realismo se deixa voluntariamente tentar pelo légitimismo, a dialética pelo voluntarisme, o relativismo pela Ausência do Espìrito Cìvico, e a fenomenologia existencial pelos regimes duros. È evidente que, para que o pensador se deixe influenciar por essas tentações, as opções polìticas que elas representam devem gozar de uma realidade històrica massiva. [.....]


[.....] " Em uma situação do tipo A, meus contemporâneos se dedicam a atividade do tipo B, enquanto que os melhores entre os Anciãos escolhem a atividade do tipo C; Eu Quero Agir da Melhor Maneira Possìvel; Eu vivo Hoje e eu Admiro os Anciãos; È conveniente por conseguinte que, colocado na situação A, minha ação participe ao mesmo tempo do tipo B e do tipo C." È aliàs a ausência de um tal "astrolabe" que torna toda conversação com um Nazista Racional Inùtil. Para se auto-compreender e se auto-justificar este sò dispõe de um ùnico horizonte doutrinàrio e de uma ùnica pràtica, os seus. [.....]


[.....] Veyne, que você cita, vê em Foucault o autor de uma moral guerreira que pode se dispensar da universalidade e da verdade na medida em que o guerreiro, " o homem da segunda função " (tripartie indo-européenne), sò conhece um partido, o seu e o partido de seu adversàrio, e [...] tem a energia suficiente para lutar sem dever se dar razões para se assegurar" (p.15). Essa descrição, por outro lado, vale de preferência para os mercenàrios de quais Voltaire zomba em Candide, ou ainda para o moderno Rebelde sem fé nem lei, imortalizado no seu blusão preto por James Dean, que para os guerreiros das sociedades tradicionais, que, eles, sabem muito bem a razão pela qual eles lutam: ou eles se defendem contra o Inimigo da Pàtria, ou eles procuram a glòria da cidade deles, ou enfim a guerra era aos olhos deles a atividade mais nobre. [....]



[.....] Esse contexto compreende as normas explìcitas da instituição, suas tradições tàcitas, a competência dos que Decidem, os Deveres dos Executantes. Para que um guerreiro seja seguido por seus homens quando no campo de batalha ele ergue sua espada gritando " À l'attaque ! ", é preciso que a ordem corresponda pelo menos aproximativamente às normas e às tradições em vigor nas Forças Armadas em questão e que esse guerreiro tenha o grau e a função necessàrios para Exercer o Comandamento na situação que se apresenta. Tão espontânea e leve que ela pareça no fogo da Ação, toda Decisão tem nela o inexpressìvel peso da autoridade, das obrigações, das normas e dos hàbitos que a tornam eficaz. [....]

[....] Pois no momento mesmo que as normas, as tradições, as Competências e os Deveres seriam Escrupulosamente Respeitados, mesmo quando essas Obrigações seriam Interiorizadas de maneira tão Perfeita por Todos os atores que o grito " À l'attaque ! " pareceria sò encarar nada mais que a pura energia irracional do comandante que o grita, é preciso saber que o ataque lançado em virtude dessa decisão corre o risco de ser DERROTADO na brecha por um Inimigo Vigilante e Bem ARMADO. Tomar uma decisão não é suficiente; é preciso também que ela seja Boa.
Curiosamente, a dificuldade notàvel de tomar a boa decisão, ao invés de inspirar uma humildade nas pessoas como Foucault ou Veyne, lhes conduz a exaltar o lado arbitràrio da decisão. Verdadeiro, o mestre das estratégias, Clausewitz, fala da fricção que afeta a execução da ação dos Planos Militares, senão mesmo da neblina da batalha.Mas evidentemente Clausewitz não quer dizer que na medida em que elas são confrontadas ao desconhecido todas as decisões são vàlidas, mas que o melhor plano de ação e as melhores decisões que os colocam em pràtica vão sempre de encontro a um real imprevisìvel, gerador de resistência e de efeitos perversos.

È por isso que uma sociedade de vida, como você ressalta com muita justeza, não é uma sociedade de pensamento. A perda de uma batalha não equivale à perda de um debate. E é sem dùvida a causa do imenso interesse das batalhas que, na profissão guerreira, a verdade - geral e particular - é mais necessària do que todas as outras. O guerreiro deve conhecer as leis da estratégia, as leis da tàtica, a natureza do terreno, a quantidade e a moral de suas forças, e na medida do possìvel a força e as intenções do adversàrio. Ele deve imaginar um plano de ação eficaz, adapta-lo a cada circunstância nova, e modifica-lo Totalmente se o Imprevisìvel, a Resistência e os Efeitos perversos o Tornam Inaplicàvel.

Como na Guerra, a Ação Polìtica tem como Cibla os Homens. Por essa razão, a Polìtica, como a Guerra, agem na Neblina, se enrolam na fricção, encontram Obstàculos Imprevisìveis e gera Efeitos Perversos. O Càlculo Polìtico precisa então de verdades a um Nìvel que é simplesmente Impensàvel no Nìvel dos Debates Intelectuais. Nòs diremos que os grandes Gênios da Ação dominam as situações impondo-lhes sua Vontade ? Toda vontade do mundo é Impotente se ela não se apoia em uma Anàlise EXATA da Situação, ANÀLISE que deve Compreender, "en sus" de informações ditas Objetivas, a Avaliação Correta dos Comportamentos humanos provàveis. A marca do gênio é a Rapidez e a Correção dessa Anàlise, e não a ùnica força de vontade. para se convencer disso, basta comparar a conduta de Napoleão em Austerlitz com a de Staline no momento da Coletivisação da Agricultura soviética. È melhor dizer que a PRUDÊNCIA, a Phronésis Aristotélicienne, é a maior consumidora de verdades do mundo.



Os homens são seres duros para comandar, ao mesmo tempo passivos e rebeldes, sinceros e malandros, previsìveis e decepcionante. A Ação Polìtica, que se propõe de regular o Movimento deles, corre o Risco de Provocar as Piores Decepções, e os Piores Danos, se ela não INCLUIR ANTECIPADAMENTE nos seus CÀLCULOS, tanto no nìvel dos Projetos que no nìvel da Aplicação, a Força das Coisas, que é apenas a Força de Inadequação da Coisa Humana. [.....]


[.....] O Dominio da Polìtica Moderna, em outras palavras, é o COMPORTAMENTO e não a Virtude. [....]
Bien amicalement.

Thomas Pavel.


- Philophie du jugement politique - Débats avec Vincent Descombes - Thomas Pavel - Lettre à Vincent Descombes - pàgina 49

- Essais - Points.


Vincent Descombes


Diretor de estudos na Escola de altos estudos em ciências sociais. Ele publicou Philosophie par gros temps ( Minuit, 1989), Les Institutions du sens ( Minuit, 1996), Le Complément du sujet ( Gallimard, 2004) e Le Raisonnement de l'ours et autres essais de philosophie pratique ( Seuil, 2007).

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