1. Em primeiro lugar, o que nòs chamamos julgamento polìtico ? Certo, como o lembra Vincent Descombes, o julgamento polìtico, como todo julgamento pràtico, visa não o "verdadeiro", mas o "bem", ele não é da forma " eu penso A porque B", mas "eu quero X porque Y ". As questões consideram o domìnio de X e Y, que pertence ao prakton mas não causa este, e a especificidade desse porque.
È preciso distinguir o julgamento no interior de um regime e o julgamento polìtico que considera o regime como tal. Nòs somos em 1788: a linguagem comum vai qualificar de polìtico um julgamento como "Necker deve fazer X para salvar a Monarquia" da mesma maneira que um outro tipo de julgamento " a Monarquia deve ser abolida e substituìda pela Repùblica". Nòs consentiremos que, considerando absolutamente, o primeiro não se faz uma questão filosòfica. Ele enuncia, mesmo se é explicitamente um "axioma" ( a Monarquia deve ser salva), a partir disso ele pode se desenvolver, de maneira racional com relação aos meios (zweckrationell), as consequências, o que pode ser horrivelmente complicado na realidade, mas como tal, não é relativo aos princìpios ( a não ser que outras clàusulas intervenham, por exemplo: ".....através todos os meios").
A ambiguidade consideràvel, pode ser retirada se nòs aceitamos de distinguir entre o polìtico - o que é relativo à dimensão do poder na sociedade, seu exercìcio e o acesso a ele - , e a polìtica, que é relativa à instituição in toto da sociedade, incluindo evidentemente a dimensão do poder. O polìtico não reconsidera os fins e os princìpios, e nòs o encontramos necessariamente em toda sociedade; a polìtica, como atividade considerando a questão do melhor regime ou da boa sociedade, é uma criação essencialmente gréco-européenne.
2. Esse esclarecimento me parece indispensàvel para responder à questão colocada por Vincent Descombes: tudo é polìtica ? Claro que não, se polìtica quer dizer tendo relação ao poder. Mas claro que sim, por definição nòs podemos dizer, se nòs consideramos a polìtica no sentido definido acima. Ainda é preciso evitar os mal entendidos. Nòs gostarìamos é claro, pelo menos a maioria, de colocar limites a toda atividade instituante ( légiférante) explìcita; mas isto mesmo é uma posição e uma decisão polìticas. A idéia que tudo não deve ser polìtico (ou submetido à lei "divina", etc.) é uma criação social-històrica muito recente (mais ou menos equivalente à criação da democracia). Mas esses limites dependem, também, de uma decisão polìtica. È preciso uma decisão polìtica - instituante - para declarar e assegurar que o que se desenvolve no "oikos" ou no "agora" escapa às decisões e ao poder do "ecclesia", nos limites traçados por essa decisão ela mesma.
Que se trate nesse caso de uma decisão polìtica ( instituante ) mostra o fato que a decisão contrària não somente pode ser tomada ( como no caso do totalitarismo comunista ou nazista), mas foi efetivamente tomada por quase todas as sociedades quase sempre na història. Tal foi, nòs o sabemos, o caso de todas as sociedades "religiosas" (primitivas como històricas) que sempre regularam com injunções e princìpios "divinos" uma parte enorme das atividades particulares (no oikos) como as particulares-pùblicas ( no "agora" ), como sempre querem fazer as sociedades islâmicas puras e duras. Que umas e outras não tenham podido (ou, compreendendo essa impossibilidade, não quiseram), fazer a 100% depende de outros fatores e particularmente da impossibilidade de controlar totalmente os homens e as circuntâncias - se bem que a interiorização completa da instituição tenha sempre conduzido a tocar quase esse limite.
3. O caso do "bom nazista" não me parece ser um bom exemplo - e, longe que ele seja "construìdo para ser difìcil", ele contem vàrios elementos ad hominem: o horror compartilhado do nazismo, e, sobretudo, sua derrota. Ele é ao mesmo tempo "politicamente correto" e historicamente oportunista. O que seria se nòs perguntassemos: o que hà de bom, em um sentido qualquer ( instrumental ou ùltimo), no fato que o reitor " da universidade de Téhéran seja um bom islamista ou, jà que pensamos assim, o reitor da universidade de Salamanque no século XVI um bom cristão ?" Então, que você coma ou que você beba ou que você faça qualquer coisa, faça tudo pela glòria de Deus " ( Cor. I, 10, 31). Ora nòs sabemos que a interpretação do que exige a glòria de Deus variou demasiadamente segundo as épocas, e seria arriscado de pretender que as interpretações mais extrêmas eram incompatìveis com a sobrevivência ou mesmo a expansão das sociedades que a alimentam. Além disso, existiu poucas expansões massivas e ràpidas na història como a do Islam a partir de século VII.
4. Qual pode ser o porquê.....do julgamento polìtico, como nòs podemos justificar que nòs queremos tal tipo de sociedade e não um outro tipo ? Nòs supomos que ninguém aceitarà como justificativa vàlida um enunciado como "....porque està escrito no Lévitique 20,13 que...." ou a invocação A Polìtica tirada da Escritura Santa. Isso jà nos separa da imensa maioria dos humanos através as idades, para quem esse tipo de justificativa era não somente legìtimo mas o ùnico concebìvel. Nòs nos situamos em um campo social-històrico, o campo do logon didonai, prestar contas e prestar razão. Mas prestar razão como ?
Vincent Descombes tem razão de denunciar o que eu havia chamado a confusão entre a història universal e um seminàrio de filosofia em Francfort, e de rejeitar o que ele chama a filosofia fondationnaire. O que nòs devemos querer, em polìtica não pode ser o resultado de um raciocìnio discursivamente deduzido de um fundamento indiscutìvel. Um tal fundamento não existe nem em filosofia "pura" ( e claro que nem o princìpio de contradição nem as condições da "comunicação" não saberiam cumprir essa função). Da mesma maneira é inaceitàvel um simples décisionnisme, pois ele sò faz repetir o que é: os nazistas são nazistas porque eles decidiram de ser nazistas, os cristão também, e os partidàrios do FSI também. Cada um "sempre jà" decidiu de ser alguma coisa (mesmo um cidadão cìnico, apàtico ou covarde) e se nòs permanecemos nessa simples apresentação tautologique dos fatos nenhum julgamento polìtico tem uma razão de ser.
Mas porquê é preciso existir um julgamento polìtico, porquê nòs devemos ter tais julgamentos ? Porquê não cultivar seu jardim, ou deixar fazer "aqueles que sabem" ? Nòs não podemos escapar aqui a duas decisões ou considerações inaugurales, que nòs podemos defender por todas as formas de argumentos mais ou menos racionais mas não logicamente obrigatòrios. Existe a decisão de fazer, e não aceitar ou suportar.
E existe a decisão de fazer isso ao invés daquilo, a escolha por tal tipo de regime de preferência a um outro tipo de regime. Assim essas duas decisões que toda argumentação tentando justifica-las pressupõe a criação social-històrica de um espaço e de um tempo onde a polìtica, no sentido definido desse texto, como objetivo e querer explìcitos relativos à instituição da sociedade e aceitando de prestar contas e razão delas mesmas, jà é colocada, onde então a Revelação, a palavra dos antepassados, etc., cessaram de ser consideradas como motivos de fazer ou não fazer, de fazer isso de preferência a fazer aquilo.
Como aval dessa posição, mas unicamente como aval, discussão, augumentação, raciocìnio são possìveis e requeridos. Ainda é preciso ver que, se nòs saìmos do domìnio do instrumental, do racional quanto aos meios (onde o hipotético-discursivo conserva sua validade), esses raciocìnios serão, como eu disse, razoàveis, e não obrigatòrios. Eles serão, na maior parte do tempo, enthymématiques: ex consequentibus vel ex repugnantibus, diria Quintilien. Eu posso defender minhas posições polìticas diante alguém que aceite que certas consequências sejam superlativamente desejàveis, e outras horrivelmente detestàveis. Mas quem, possuindo esses espìritos, empreenderia de demonstrar a excelência da democracia a um adepto da filosofia de Nietzsche ?
Corneluis Castoriadis.
- Philosophie du jugement politique - Débats avec Vincent Descombes - Du jugement politique - pg. 81 - 85 - Points Essais.
È preciso distinguir o julgamento no interior de um regime e o julgamento polìtico que considera o regime como tal. Nòs somos em 1788: a linguagem comum vai qualificar de polìtico um julgamento como "Necker deve fazer X para salvar a Monarquia" da mesma maneira que um outro tipo de julgamento " a Monarquia deve ser abolida e substituìda pela Repùblica". Nòs consentiremos que, considerando absolutamente, o primeiro não se faz uma questão filosòfica. Ele enuncia, mesmo se é explicitamente um "axioma" ( a Monarquia deve ser salva), a partir disso ele pode se desenvolver, de maneira racional com relação aos meios (zweckrationell), as consequências, o que pode ser horrivelmente complicado na realidade, mas como tal, não é relativo aos princìpios ( a não ser que outras clàusulas intervenham, por exemplo: ".....através todos os meios").
A ambiguidade consideràvel, pode ser retirada se nòs aceitamos de distinguir entre o polìtico - o que é relativo à dimensão do poder na sociedade, seu exercìcio e o acesso a ele - , e a polìtica, que é relativa à instituição in toto da sociedade, incluindo evidentemente a dimensão do poder. O polìtico não reconsidera os fins e os princìpios, e nòs o encontramos necessariamente em toda sociedade; a polìtica, como atividade considerando a questão do melhor regime ou da boa sociedade, é uma criação essencialmente gréco-européenne.
2. Esse esclarecimento me parece indispensàvel para responder à questão colocada por Vincent Descombes: tudo é polìtica ? Claro que não, se polìtica quer dizer tendo relação ao poder. Mas claro que sim, por definição nòs podemos dizer, se nòs consideramos a polìtica no sentido definido acima. Ainda é preciso evitar os mal entendidos. Nòs gostarìamos é claro, pelo menos a maioria, de colocar limites a toda atividade instituante ( légiférante) explìcita; mas isto mesmo é uma posição e uma decisão polìticas. A idéia que tudo não deve ser polìtico (ou submetido à lei "divina", etc.) é uma criação social-històrica muito recente (mais ou menos equivalente à criação da democracia). Mas esses limites dependem, também, de uma decisão polìtica. È preciso uma decisão polìtica - instituante - para declarar e assegurar que o que se desenvolve no "oikos" ou no "agora" escapa às decisões e ao poder do "ecclesia", nos limites traçados por essa decisão ela mesma.
Que se trate nesse caso de uma decisão polìtica ( instituante ) mostra o fato que a decisão contrària não somente pode ser tomada ( como no caso do totalitarismo comunista ou nazista), mas foi efetivamente tomada por quase todas as sociedades quase sempre na història. Tal foi, nòs o sabemos, o caso de todas as sociedades "religiosas" (primitivas como històricas) que sempre regularam com injunções e princìpios "divinos" uma parte enorme das atividades particulares (no oikos) como as particulares-pùblicas ( no "agora" ), como sempre querem fazer as sociedades islâmicas puras e duras. Que umas e outras não tenham podido (ou, compreendendo essa impossibilidade, não quiseram), fazer a 100% depende de outros fatores e particularmente da impossibilidade de controlar totalmente os homens e as circuntâncias - se bem que a interiorização completa da instituição tenha sempre conduzido a tocar quase esse limite.
3. O caso do "bom nazista" não me parece ser um bom exemplo - e, longe que ele seja "construìdo para ser difìcil", ele contem vàrios elementos ad hominem: o horror compartilhado do nazismo, e, sobretudo, sua derrota. Ele é ao mesmo tempo "politicamente correto" e historicamente oportunista. O que seria se nòs perguntassemos: o que hà de bom, em um sentido qualquer ( instrumental ou ùltimo), no fato que o reitor " da universidade de Téhéran seja um bom islamista ou, jà que pensamos assim, o reitor da universidade de Salamanque no século XVI um bom cristão ?" Então, que você coma ou que você beba ou que você faça qualquer coisa, faça tudo pela glòria de Deus " ( Cor. I, 10, 31). Ora nòs sabemos que a interpretação do que exige a glòria de Deus variou demasiadamente segundo as épocas, e seria arriscado de pretender que as interpretações mais extrêmas eram incompatìveis com a sobrevivência ou mesmo a expansão das sociedades que a alimentam. Além disso, existiu poucas expansões massivas e ràpidas na història como a do Islam a partir de século VII.
4. Qual pode ser o porquê.....do julgamento polìtico, como nòs podemos justificar que nòs queremos tal tipo de sociedade e não um outro tipo ? Nòs supomos que ninguém aceitarà como justificativa vàlida um enunciado como "....porque està escrito no Lévitique 20,13 que...." ou a invocação A Polìtica tirada da Escritura Santa. Isso jà nos separa da imensa maioria dos humanos através as idades, para quem esse tipo de justificativa era não somente legìtimo mas o ùnico concebìvel. Nòs nos situamos em um campo social-històrico, o campo do logon didonai, prestar contas e prestar razão. Mas prestar razão como ?
Vincent Descombes tem razão de denunciar o que eu havia chamado a confusão entre a història universal e um seminàrio de filosofia em Francfort, e de rejeitar o que ele chama a filosofia fondationnaire. O que nòs devemos querer, em polìtica não pode ser o resultado de um raciocìnio discursivamente deduzido de um fundamento indiscutìvel. Um tal fundamento não existe nem em filosofia "pura" ( e claro que nem o princìpio de contradição nem as condições da "comunicação" não saberiam cumprir essa função). Da mesma maneira é inaceitàvel um simples décisionnisme, pois ele sò faz repetir o que é: os nazistas são nazistas porque eles decidiram de ser nazistas, os cristão também, e os partidàrios do FSI também. Cada um "sempre jà" decidiu de ser alguma coisa (mesmo um cidadão cìnico, apàtico ou covarde) e se nòs permanecemos nessa simples apresentação tautologique dos fatos nenhum julgamento polìtico tem uma razão de ser.
Mas porquê é preciso existir um julgamento polìtico, porquê nòs devemos ter tais julgamentos ? Porquê não cultivar seu jardim, ou deixar fazer "aqueles que sabem" ? Nòs não podemos escapar aqui a duas decisões ou considerações inaugurales, que nòs podemos defender por todas as formas de argumentos mais ou menos racionais mas não logicamente obrigatòrios. Existe a decisão de fazer, e não aceitar ou suportar.
E existe a decisão de fazer isso ao invés daquilo, a escolha por tal tipo de regime de preferência a um outro tipo de regime. Assim essas duas decisões que toda argumentação tentando justifica-las pressupõe a criação social-històrica de um espaço e de um tempo onde a polìtica, no sentido definido desse texto, como objetivo e querer explìcitos relativos à instituição da sociedade e aceitando de prestar contas e razão delas mesmas, jà é colocada, onde então a Revelação, a palavra dos antepassados, etc., cessaram de ser consideradas como motivos de fazer ou não fazer, de fazer isso de preferência a fazer aquilo.
Como aval dessa posição, mas unicamente como aval, discussão, augumentação, raciocìnio são possìveis e requeridos. Ainda é preciso ver que, se nòs saìmos do domìnio do instrumental, do racional quanto aos meios (onde o hipotético-discursivo conserva sua validade), esses raciocìnios serão, como eu disse, razoàveis, e não obrigatòrios. Eles serão, na maior parte do tempo, enthymématiques: ex consequentibus vel ex repugnantibus, diria Quintilien. Eu posso defender minhas posições polìticas diante alguém que aceite que certas consequências sejam superlativamente desejàveis, e outras horrivelmente detestàveis. Mas quem, possuindo esses espìritos, empreenderia de demonstrar a excelência da democracia a um adepto da filosofia de Nietzsche ?
Corneluis Castoriadis.
- Philosophie du jugement politique - Débats avec Vincent Descombes - Du jugement politique - pg. 81 - 85 - Points Essais.
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