terça-feira, 22 de abril de 2008

A Tariqa ou a Via.

"Voe para sua morada natal"

Como a alma não poderia ter seu impulso, quando a gloriosa Presença, um apelo afetuoso, doce como o mel, chega até ela e lhe diz: "Eleva-te" ? Como o peixe não poderia saltar imediatamente da terra seca na àgua, quando o barulho das vagas chega a sua orelha do Oceano de ondas fresca? Como o falcão não poderia voar, esquecendo a caça, em direção do pulso do Rei, assim que ele escuta o tamborim, batido pela vara, lhe dar o sinal do retorno ? Como o soufi não poderia começar a dançar, girando em torno dele mesmo como o àtomo, no sol da eternidade, afim que ele o liberte desse mundo perecìvel ? Voe, voe, pàssaro, para tua morada natal, pois você escapou da gaiola e tuas asas se desenvolveram. Afasta-te da àgua amarga, apressa-te para ir na Fonte de vida.....

- Rûmi, Divân-È-Shans-E Tabriz, L'Èloge du Vin, Trad. Èmile Dermenghem, Véga, 1931.



Senhor, Você é a vida. Apenas Você existe e mais ninguém. O que dizer apòs Teu nome ? Você é Um, voilà tudo. Você inspira o temor aos povos da terra. Eu, sò tenho medo das noites de minha alma, pois de Ti sempre sò veio para mim o puro amor. Ô meu Rei bem amado, veja, eu estou no caminho. Você nos disse: "Crianças, Eu não vois deixo, Eu estou perto de vocês, fiquem perto de Mim." [....] O apaixonado não se preucupa de seu destino. Ascéte ou devasso, pouco importa. Ele renuncia a tudo nessa terra. Se teu coração não ama sua vida, jogue fora sua vida e va sem ela. E se advem um dia que Deus te impõe de esquecer sua fé e de renunciar a sua vida, sacrifique corajosamente os dois. Deixe sua fé, deixe sua vida. "Heresia !", dirà o ignorante - Responda para ele: "O amor me governa e nada nesse mundo é mais importante do que ele" [....] Sem dùvida alguns dirão que esse desejo ardente do Amor maior é um orgulho culpado e que é loucura de pensar que nòs podemos chegar vivo onde ninguém jamais foi. Para mim, é melhor oferecer minha vida a esse desejo, mesmo orgulhoso, do que deixar apodrecer meu coração nas preucupações de boutiqueiro. Eu vi tudo, eu ouvi tudo. Nada pôde desviar meu olho desse caminho que eu quero percorrer.

- 'Attâr, La Conférence des Oiseaux, Trad. Marijeh Nouri. Ortega et Henri Gougaud, Le Seuil, 2002.



Se você pergunta, ô meu irmão, quais são os indìcios da Via, eu te responderei claramente e sem ambiguïdade. È que você olhe o verdadeiro e rompa com o falso; que você vire a face em direção do mundo vivo; que você pose os pés sobre as dignidades; que você elimine de seu pensamento toda ambição de glòria e de reputação; que você dobre a cintura a Seu serviço; que você purifique a alma dos males e a reforce pela razão; que você passe da casa daqueles que falam com abundância para a casa daqueles que guardam o silêncio; que você viaje das obras de Deus até seus Atributos e de seus Atributos até Seu conhecimento. Nesse momento, você passarà para o mundo dos mistérios para chegar ao pé da pobreza; e quando você serà o amigo da pobreza, tua alma obscura se tornarà um coração arrependido. Em seguida, Deus retirarà a pobreza de seu coração, e quando a pobreza sair dele, Deus estarà nele.

- Sanâ'l, Hadîqat Al-Haqîqa, Trad. Jabre, In Eva de Vitray-Meyerovitch, Anthologie Du Soufisme, Actes Sud, 1995.


O sheikh Junayd tinha um discìpulo que ele preferia a todos os outro, o que incitou o ciùme deles. Conhecendo os corações, o sheikh percebeu isso. "Ele vos é superior em cortesia e em inteligência, ele disse. Vamos então fazer uma experiência, afim que vocês também o compreendam." Junayd ordenou então para trazer vinte pàssaros e disse a seus discìpulos: "Que cada um de vocês pegue um pàssaro, que ele o leve para um lugar onde ninguém o veja, que ele o mate, e depois que ele o traga." Todos os discìpulos se foram, mataram os pàssaros e os trouxeram - todos, menos esse discìpulo favorito; ele trouxe seu pàssaro vivo. "Porquê você não matou o pàssaro?", perguntou Junayd. " Porque o mestre disse que deveria ser feito em um lugar onde ninguém pudesse nos ver, respondeu o discìpulo. Em todos os lugares onde eu fui, Deus via." "Vocês veem agora o grau de sua compreensão ? disse Junayd. Comparem-o com o grau dos outros." Os discìpulos pediram perdão a Deus.

- 'Attâr, Idem -


A Via

O que nos dizem então esses textos fascinantes de "gigantes" da cultura muçulmana como os Persans Djalâl-ord-din Rûmi ou Farid-ord-din 'Attâr ? Trata-se simplesmente de bela poesia oriental, de emocionante literatura amorosa, de anedotas saborosas....ou de esoterismo ? Com toda evidência, esses autores são antes de tudo "soufis" e a mensagem é primeiro espiritual. Aos olhos deles com efeito, a alma humana, apaixonada por Deus sem o saber, começa correndo o mundo para acalmar seus desejos. Antes de compreender enfim- diante sua insatisfação- qual é o ùnico objeto de seus esforços e de suas dores: reencontrar o ùnico "Rei bem amado", a divina "Fonte de vida" original. Então ressoa "o sinal do retorno" e se abre a "Via" - em àrabe Tariqa- do soufi: a procura iniciàtica da união intima com o "Senhor". Tornando-se "pobre" de tudo, esse "mendigo de Deus" sò aspira a se reunir custe o que custe - com o supremo "Bem amado". "Viajando de Suas obras até Seus atributos e de Seus atributos até Seu conhecimento", como diz Sanâ'i (XI século), um dos fundadores da poesia mìstica iraniana, o soufi, "peregrino do absoluto", sò tem uma ambição: se consumir em Deus.


Da letra ao espìrito

Conhecido no Ocidente com o nome de soufismo, o esoterismo islamique (tasawwuf em àrabe) foi desde sua aparição uma matéria de polêmica com os interpretes mais preucupados do islam. Se o soufi coloca geralmente um ponto de honra para respeitar a Sharia, à savoir os dogmas e os deveres de todo muçulmano, sua evolução espiritual pode conduzi-lo a relativizar, até mesmo contestar, uma posição ou interpretação "fechada" dessa Lei. Mas, no contexto do soufismo ortodoxo, uma tal reconsideração não é jamais uma simples negação da regra islamique mas de preferência sua interiorização pessoal. Uma verdadeira passagem da letra ao espìrito bem descrita pelo primeiro texto de 'Attâr com um tom surpreendentemente moderno....
Pesada, a Sharia mantem com efeito o crente separado de Deus, da mesma maneira que o cìrculo é separado de seu centro, enquanto que a "Via" aparece ao iniciado como o raio que permite de reunir esse Axe: a Haqiqâ, a ùltima realidade divina.



Mestres e discìpulos

Significando literalmente em àrabe "caminho", a Tariqa designa a "Via" escolhida por aquele que foge a ilusão para provar e depois abraçar essa Realidade suprema. Uma procura muito longa e difìcil -haja visto a variedade de obstàculos, dos impasses e das armadilhas- e ela implica a ajuda de um "mestre espiritual". Chamado Sheikh, Murshid ou Pir segundo as lìnguas, ele conhece a Tariqa por tê-la percorrido ele mesmo. Ele é então o ùnico a poder exercer a função de "passeur" entre o fini e o infinito, entre a criatura e o Criador. Ele transmite a "graça" (baraka) veiculada pela "corrente iniciàtica" (Silsila) que o liga com seus predecessores ao Profeta e a Deus. Apenas a abertura do discìpulo (mûrid) a essa "influência espiritual" de origem divina permite com efeito sua progressão e sua maturidade espiritual.
Como ilustra a anedota narrada aqui por 'Attâr, o mestre deve ter um conhecimento preciso do estado interior do discìpulo, afim de melhor adaptar sua formação as necessidades dele. È a razão pela qual o termo de Tariqa designa igualmente, por extensão, as diferentes confrarias espirituais onde se exerce essa "passagem de testemunha". Muito numerosas através o tempo e o espaço, de tamanhos e caracteristicas diversas, essas instituições iniciàticas ( a mais conhecida é a dos derviches tourneurs) continuam atualmente o caminho delas, não somente na terra do islam mas também por algumas terras do Ocidente. Regrupadas em torno do santo fundador delas e de seus herdeiros contemporâneos, elas são o rosto concreto e atual do soufismo

.- Réza Moghaddassi e Èric Vinson.

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