sábado, 26 de abril de 2008

Ancestralidade - Mãe Beata de Iemanjà

Olurum Disse:

Todos Vocês são Meus Filhos e Todos Serão Irmãos

Ancestralidade é muito importante. Nós temos o princípio e temos o fim. Mas para mim a ancestralidade não é o fim, é o começo de tudo na visão Yorubá. A ancestralidade é que nos leva a nossa Mãe e ao nosso Pai únicos.

É o respeito à ancestralidade que me fez chegar até aqui. Até onde eu já consegui saber chegar. Isso eu devo a minha fé e ao diálogo, pois só assim nós alcançaremos o amor e daremos a nós mesmos a compreensão de nos unirmos com o outro através do diálogo.

É como irmãos, sem olharmos as diferenças de religião, que devemos tentar harmonizar os seres do Aiê, que é o mundo na visão Yorubá. Através da palavra, que não é nada mais do que o diálogo, é que vemos quanto nós somos importantes para a paz universal.

Só nos entendendo e nos juntando com amor e compreensão é que nós chegaremos aonde nós queremos, com o nosso coração e com a palavra de amor, do amor sagrado, que é lindo. E isto eu estou dizendo, pois eu tenho certeza que nós chegaremos lá.


Quando Olorum, que é o Deus onipotente, nos colocou aqui no Aiê, ele não fez separação. Ele disse: todos são meus filhos e todos serão irmãos. Quando nós somos filhos da mesma Mãe e do mesmo Pai, não pode haver diferença. O Deus onipotente, o criador grande, criador do Universo, nos disse isso, que é nada mais, nada menos, que o diálogo que ele fez para a gente, com a sua palavra sábia e sagrada.

Quando eu chego a falar que todos são meus irmãos é porque eu tenho orgulho mesmo de dizer que todos são meus irmãos. Eu não olho o negro, o branco, o rico e o pobre. Eu só sei que nós estamos aqui para a paz, para o amor, para nos entender, para nos unir. Isto é tudo.

A união faz a força. Quando a gente quer, a gente consegue. E nós vamos conseguir. Chegará o dia no Universo que nós vamos ter menos guerra, ou nenhuma guerra, menos fome, menos crianças de rua. E isso só nós é que vamos conseguir. Para isto, o Pai nos deu esta força e este direito, para nós conseguirmos através do diálogo, de reuniões, encontros, de apertos de mão, de trazer para si o outro. Para que nós possamos dialogar e nos confraternizarmos em festas, em reuniões e, em todos os momentos, passar a paz um para o outro.

Convido a todos para ouvirem, não só a mim, mas às outras tradições, aos meus irmãos de outras tradições. Como vocês sabem, as religiões afro no Brasil foram muito massacradas, o negro foi muito massacrado e hoje em dia, graças a Olorum nós estamos sendo reconhecidos.

Nós estamos chegando onde nós queremos, que é o amor, a compreensão, sermos entendidos como seres humanos. Termos a nossa casa e não uma senzala. Não comer no cocho como nós comíamos, mas ter uma mesa digna, ter um prato.

Um grande homem que passou muito isto aqui no Aiê foi o Betinho, através do diálogo, fazendo muita gente ver como é importante existir menos fome no mundo e no Universo. Eu devo muito àquele homem. Como devo também a minha religião, a meu amor, a minha compreensão, a minha sede de harmonia e de paz. Como devo ao grupo a que eu passei a pertencer, o Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro, e do qual já faço parte há dez anos, desde aquele momento no Aterro do Flamengo, na Vigília Inter-religiosa que o ISER organizou no encerramento da ECO-92. Aquilo foi maravilhoso, me pôs como cidadã. Eu, uma negra que ouviu de seus ascendentes também coisas muito tristes: eu ouvi minha avó dizer que meus ascendentes chegaram ao Brasil acorrentados no porão de um navio e que minha tia-avó faleceu dentro de um navio e foi jogada ao mar.

Hoje eu sou uma mulher negra de 72 anos, participo de conferências, viajo para outros países, dialogo com irmãos de outras religiões, de outras tradições, tradições maravilhosas que têm seus problemas, como as religiões afro têm, e que hoje em dia estão mais amenizados. Isso para mim é supergratificante.

Eu quero lembrar a todos vocês, em nome de Olurum, em nome de Odudua, que foi o grande criador do Aiê, em nome de Obatalá, o dono da paz, do amor, da compreensão, que hoje em dia nós vemos os pássaros voarem, vemos as flores brotarem do chão, tudo isso, e que se nós quisermos nós seremos como o grande Obatalá.

Vamos fazer o amor florir, a paz florir, a união florir; as religiões e os homens se compreenderem; os filhos darem mais amor para os seus pais; os pais compreenderem e ouvirem mais os seus filhos. E tudo isto se consegue através do diálogo, que é muito importante para a família. Esta realidade sagrada que é a família.

Eu sou feliz, eu tenho uma família universal, que é o povo, são meus irmãos do Aiê. O encontro das civilizações precisa ser como o encontro das religiões é para mim, que me faz sentir como uma criança, como uma adolescente. Eu estou fazendo tudo para que esse dia chegue logo. O encontro entre as civilizações é a oportunidade de conhecermos pessoas de outras culturas, de outros países, para dialogarmos, para nos entender, para cantar.

Cada civilização mostra para o seu irmão as questões da sua história. Só assim nós seremos felizes, e assim nós estaremos agradando ao Deus onipotente, aquele que nos fez perfeitos. Nós é que tentamos ser imperfeitos. Nós devemos voltar à perfeição, o que se faz através do amor, do diálogo, do querer, de se amar.

O mundo é este. Ele foi feito para a paz e para o amor. Junte um grupo na sua comunidade, da sua tradição, da sua cultura para dialogar, para entenderem melhor o jeito de cada um de vocês. Aprendam uns com os outros. Junte-se a nós nesta missão: levar o respeito, o amor e a paz universal ao coração dos homens e banir de vez o preconceito e a intolerância que tanto nos distanciam de um mundo mais justo e melhor para vivermos! Isso é maravilhoso.


Mãe Beata de Iemanjá

Ialorixá do Candomblé, escritora, é Membro da Organização de Mulheres Negras do Rio de Janeiro-CRIOLA, Membro da Comissão Executiva do Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro, Presidente do Instituto de Desenvolvimento Cultural do Ilê Omi Oju Arô e Membro do ATOIRÊ-Desenvolvimento da Saúde nas Comunidades de Terreiro.

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