terça-feira, 1 de abril de 2008

Nós ainda podemos ser humanistas?

O que sai enfraquecido do século XX, supondo que ele tenha jamais existido é um humanismo que seria evidente. Mas o problema do humanismo não desapareceu por isso. Muito pelo contràrio. Ele atravessou o século inteiro, em particular a França, e é reconsiderado atualmente, talvez mais do que nunca. Mas o que nòs compreendemos por " humanismo " e porquê é tão importante de considera-lo novamente ? Um humanismo "fàcil", ou ideal, supõe três coisas inseparàveis: um conhecimento do homem, se possìvel como uma natureza estàvel; um valor do homem, se possìvel ùltimo, sem nada acima dele; a capacidade, enfim, para cada homem, de ter acesso do interior, a esses dois primeiros elementos, segundo o princìpio " nada que seja humano é estrangeiro para mim ".
Ora, nòs podemos ter a impressão de ter passado atualmente, ao extremo contràrio, de três certezas, a três inquietudes. Uma "essência" do homem ? Como defini-la, nesse momento em que, mais do que nunca, nòs o relacionamos ao animal, ao ser vivo, onde ele parece se transformar pela técnica ? Um "valor" do homem ? Mas como defende-lo, apòs os crimes do século xx, e aqueles que recomeçam ? Não é essa dùvida que o alimenta, ou a procura de valores " transcendentes ", ou a desconfiança da ausência de todo valor ? Uma " experiência " do homem por cada homem ? Mas, muito longe dessa abertura infinita, pelo sentimento, a razão, a cultura, essa época não é a do individualismo ? em suma, parece que o momento é grave, e o problema decidido.
Portanto, essa constatação tão negativa talvez também seja tão simples quanto o ideal de um humanismo "fàcil". O que nòs gostarìamos de ressaltar aqui, é que as coisas não são tão simples assim e que poderia subsistir um problema do homem, através todas essas considerações que o reconsideram. È preciso então mostrar que isso nunca foi tão simples, e fazer um breve desvio através a història.
Mostrar que, mesmo nos momentos de aparente " afirmação " humanista, as coisas eram mais tensas do que nòs pensamos; e, ao contràrio, que nos momentos de crìtica radical, o problema continuou.
O que precede vale em particular, para a filosofia do século XX na França. Esta começa com uma afirmação brilhante, a da liberdade de um " eu vivo ", fundada na sua "durabilidade " individual, afirmada por Henri Bergson desde seu primeiro livro, L'Essai sur les données immédiates de la conscience ( 1889 ), e logo apoiada no " élan vital " ( L'Èvolution crétrice, 1907). Mas o " eu " que Bergson defende não é o eu do " homem " em geral.
È o eu de cada um de nòs, quando ele ultrapassa os limites de nossa filiação à espécie, que se traduz no nosso conhecimento pelo espaço. Nòs somos desdobrados, e esse eu "profundo" deve ser reconquistado. Bergson não hesita a definir a filosofia como " um esforço para ultrapassar a condição humana".
No livro Les Deux Sources de la morale et de la religion (1932), ele vai mais longe. Certo, a moral aberta ou a religião "mìstica" ultrapassam o homem (justamente porque elas se dirigem a todos os homens), mas elas encontram na frente delas uma moral e religiões fechadas, aquelas que sò valem para alguns homens contra os outros. Entre os dois, a razão humana é central, mas dilacerada. Em suma, não é um humanismo no sentido simples. O " eu " ultrapassa o homem, que està longe, de seu lado, de ser um valor absoluto ! E portanto ele é mais exigente: todo homem pode compreender o que existe nele de fechado, e acessar ao que existe de aberto em todos.


A consciência e a liberdade

Jean-Paul Sartre farà a essa filosofia, durante a segunda guerra mundial, uma objeção muito simples, que o conduzirà ao " humanismo " talvez o mais radical do século: para conhecer o que " ultrapassa " o homem, ou o que o puxa para tràs ( do lado da espécie, da vida ), mais ainda é preciso partir do homem ! Tudo não tem origem em nosso conhecimento, e mesmo em nossa consciência, tudo não nos é " dado " primeiro a nòs mesmos como homens, conscientes e livres ?Nòs compreendemos porque Sartre quis, não somente introduzir de novo o que começou a filosofia de Descartes ( o " eu penso " ou cogito, como verdade primeira), mas para isso se apoiar na filosofia que ele foi estudar na Alemanha nos anos 1930, a fenomenologia de Husserl. Este defende justamente a idéia que nòs não podemos considerar nada como existindo em si, que tudo é " fenômeno " para uma consciência.Mas o tour de force de Sartre, no livro L'Être et le Néant ( 1943, sous-titré Essai d'ontologie phénoménologique), é de ter considerado que essa " consciência " não era uma propriedade abstrata, mas na realidade o ser do homem como tal.
Mas ainda, ela lhe assegura uma liberdade paradoxal, a de não ser nada, mas de dever " se fazer ", puro "objeto" no mundo. Assim seu humanismo é tão paradoxal quanto radical: o homem não é nada, mas nada não ultrapassa ou funda o homem, cada homem.



Conhecimento objetivo/ experiência "subjetiva"

De onde virão as tensões, então, que farão que, nisso também, não é tão simples ? Nòs podemos evocar duas, relacionadas a dois contemporâneos, Maurice Merleau-Ponty e Albert Camus. O homem, como mostra o primeiro não està sozinho: ele deve se apoiar no mundo. E também, ressalta Camus em particular, a liberdade não é tão absoluta que ela não deva se dar um critério, moral e polìtico. Isto serà a fonte dos debates mais vivos, nos anos 1950.
Merleau-Ponty ou Camus compartilham portanto com Sartre a mesma maneira de considerar o problema do homem, entre consciência ou a liberdade, e o mundo ou a història. Mesmo sendo posições opostas, elas participam do mesmo interesse, e do mesmo "momento". Não serà a mesma coisa, no começo dos anos 1960, quando novos modelos cientìficos consideram o problema das ciências do homem, de um conhecimento objetivo, e não mais de uma experiência " subjetiva ". Serà o momento de uma crìtica radical, não somente do homem, mas do "humanismo", ela também, todavia, mais complicada do que nòs acreditamos.
Assim, Claude Lévi-Strauss introduz uma reforma na ciência do homem, na antropologia, se apoiando no modelo da linguìstica para pensar os sensos, a significação ( Anthropologie structurale, 1958, La Pensée sauvage, 1962). Mostrando que as culturas humanas repousam elas também em uma construção objetiva do senso, como relação entre diferentes elementos no seio de uma estrutura objetiva, ele mostra que a antropologia considera não somente certos fatos "humanos" mas o conjunto da experiência humana. O que nòs consideramos como o mais subjetivo torna-se também tão objetivo quanto todo objeto cientìfico, se bem que de uma nova maneira ! Assim, não tem mais lugar para o homem no seio de uma consciência ou de uma liberdade, e nòs compreendemos o paradoxo que ele enuncia assim : " As ciências do homem não tem por objetivo de conhecer o homem, mas de dissolvê-lo".Michel Foucault irà até o fim desse paradoxo no livro Les Mots et les Choses ( 1966, sous-titré Une archéologie des sciences humaines), mostrando que, saindo a procura do homem, as ciências não encontraram a unidade entre um "objeto" e um "sujeito" que nòs chamamava-mos "homem", mas outra coisa bem diferente, a linguagem. Como a ciência moderna com Deus, elas testemunharam então de um outro evento paradoxal: " a morte do Homem ".
Crìtica radical, então, que faz desse momento o momento do "antihumanismo" (muitas vezes definido pelo adjetivo " teòrico"). Simples ? Não, mais uma vez. Lévi-Strauss, em um artigo célebre sobre " os dois humanismos " mostra que o conhecimento objetivo das culturas não abole o humanismo, mas o transforma: não mais como defesa de uma liberdade abstrata, mas de culturas concretas, ameaçadas no exato momento em que nòs as estudamos. Ademais, a reconsideração do equilibrio entre o homem objetivo e " subjetivo ", por Foucault, não abole o problema da relação entre o saber e a experiência, que ele estuda. Esse elo que a noção do homem supôs, e escondia, trata-se de critica-lo, mais também de encontra-lo novamente.



As tensões internas ao homem

Os anos de 1980 e 1990 nos levam então a uma " afirmação" simples do humanismo? Não é então a afirmação renovada dos " direitos do homem ", o retorno a uma fenomenologia do " eu " ? mais uma vez não é tão simples.
Muito longe com efeito de um " retorno " a seja o que for, as duas doutrinas que se impõem então, como a de Emmanuel Levinas e de Paul Ricoeur, consideram a medida da crìtica feita ao " humanismo " e sò o encontram apòs tê-lo atravessado: serà " o humanismo do outro homem" de Lévinas, fundado não sobre uma essência mais sobre uma diferença absoluta, a de Outrem, a do "rosto", a do "Você não matarà". Ele destitui o " eu " diante a exigência ética. Serà a mesma coisa para Ricoeur, no seu livro com um tìtulo revelador: Soi-même comme un autre ( 1990). Existe certamente um acesso a " si mesmo ", nossos atos ou então uma fonte em "nòs mesmos", nossa història é bem a nossa història e pode nos ser imputada, para o melhor e para o pior. Mas não serà mais direto, e isso passarà pela dùvida, pela narração, pela història. Cogito, que Ricoeur diz " quebrado ", humanismo, talvez, mas dilacerado, e assumido como tal.
Eis então nossa condição. As tensões internas ao homem não podem mais ficar implìcitas. Elas aparecem abertamente, nos conduzindo não a renuncia-las, mas a considera-las. Mas se elas explodem, também é sob a pressão de novos problemas e em primeiro lugar o problema da " espécie " humana. Não serà " tudo ou nada " no sentido abstrato. Além de uma essência absoluta que afastaria o homem dos outros seres vivos, mas também de uma redução simples, que abole sua singularidade, é conveniente de compreender a relação , e a ruptura, que singularizam o ser vivo humano. Isso vai passar pelo cérebro, pela linguagem, pela sociedade, mas também por comportamentos bem precisos.
È um problema da moral, em seguida. Também não é " tudo ou nada ", como se o homem devesse inventar um valor absoluto, ou se perder para sempre, entre valores inacessìveis, trancendentais, e valores perdidos. Existe uma experiência moral na pròpria vida humana, uma polaridade entre sua continuação e sua destruição, da vida orgânica até a vida relacionàvel, cultural e ética.
O problema da experiência humana, enfim. Ela não é mais direta, segundo o princìpio da cultura clàssica ( " Nada do que é humano nos é estrangeiro "). Existe também, doravante, um humanismo indireto que diria: " Nada do que é desumano nos é estrangeiro ". Mas esses dois humanismos supõem essa cultura do humano, em nòs mesmos e entre nòs, tensa, dilacerada, mas necessària.
"Pensar o homem" não é um luxo do passado, mas uma tarefa que nos espera.


- Frédéric Worms, professor de filosofia em Lille III e na Escola normal superior, especialista de filosofia francesa contemporânea, em particular de Bergson, de quem ele dirigiu a primeira edição crìtica. ( PUF, 2007 ).

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