terça-feira, 29 de abril de 2008

Històrias - XIPAT?

Tawé levantou levemente a cabeça e fixou o olhar para o outro lado do rio Tapajós. Pássaros levantavam vôo no exato momento em que uma canoa passava na praia. Dentro dela ia um casal bem novinho, recém-casado. O rapaz remava o barco com muita destreza e a moça o olhava com um ar de sonho realizado. Tawé acenou sem muita vontade. Estava triste, preocupado. Não queria conversar com ninguém, saber da vida das pessoas ou o que estava acontecendo com elas.

Tudo tinha perdido o sentido para ele e não conseguia mais entender as mudanças que estava se processando em sua vida
Ele ia sempre a este lugar quando tinha dificuldades de entender a cultura de seu povo. Seu avô lhe dizia que tudo podia ser resolvido bastando colocar-se contra o vento e ouvir as palavras desse espírito-irmão. Segundo o velho, nada ficava sem resposta quando se soubesse fazer as perguntas certas. Mas quais perguntas podiam ser certas? Se tudo já estava decidido, o que mais querer saber?
Se haviam pessoas que decidiam por ele, o que mais ele podia fazer? Absorto nestes pensamento Tawé não percebeu Ianiurebê aproximar-se. A jovem acocorou-se ao seu lado, mas não dirigiu-lhe nenhuma palavra. Apenas catou alguns coquinhos que estavam ali por perto e passou a lançá-los no rio. As sementes batiam duas ou três vezes na água formando círculos. Ela ria tentando chamar a atenção do amigo de infância que continuava sem se dar conta dos gracejos que a menina fazia.
Num momento de lucidez do amigo, Ianiurebê tomou-o pelas mãos e fê-lo caminhar até a pequena praia mais abaixo do local onde estavam. No primeiro momento Tawé recuou em pegar na mão dela, mas em seguida deixou-se ser conduzido e seguiu os passos da pequena amiga que, agora, ele via que estava crescendo. Ianiurebê chamou sua atenção para a areia da praia e começou a riscar o chão. Fez primeiro um círculo pequeno; em seguida um maior e, depois, outro ainda maior. Pegou uma pedra circular e lançou-a nas águas que absorveram-na em silêncio. Tawé ficou imaginando o que aqueles círculos queriam dizer, mas não teve coragem de perguntar. Deixou que Ianiurebê tomasse a iniciativa.
- Você está tão triste que não consegue distinguir o que os círculos querem dizer, mas eu vou lhe contar. O círculo menor é o que você sabe, é o seu conhecimento...bem pequeno. O círculo do centro é o que sabe nossa gente, nossos velhos...um conhecimento maior que o seu e o meu; o círculo maior é o que você ou eu, ou nossa gente não sabe...é o mistério que alimenta a nossa vida...são as respostas que nossas perguntas ainda não encontraram.Dito isso a menina-moça olhou com carinho para o amigo e saiu correndo para a aldeia deixando Tawé sozinho com suas reflexões.
Ele acocorou-se perto do círculo e ficou pensando nas palavras da amiga, procurando entender aquele sinal.

Totalmente envolvido com seus pensamentos não percebeu que uma canoa passou ali perto criando uma pequena onda que chegou à praia e apagou o desenho, mas deixando uma imagem em sua cabeça. - Deixe disso, Tawé. Nada do que você está pensando é tão importante. Você precisa entender que cada pessoa tem um caminho para seguir e é dos passos que cada um dá que nossa gente vai vivendo.

Mas padrinho, eu sou ainda tão pequeno, tão novo...por que eu tenho que fazer isso? Se eu não me sair muito bem? O que as pessoas vão dizer de mim?
- O que quer que elas digam haverá em você a vitória de ter tentado. Mas não se preocupe com isso agora. Quando chegar a hora você saberá fazer a coisa certa. Assim como as árvores crescem no tempo adequado, você também crescerá.
- Mas eu não quero crescer. Quero continuar a brincar com os meus colegas; quero nadar no rio, correr no mato, jogar flecha. As pessoas quando crescem parece que não fazem mais nada disso!!!!
- Cada estação tem seu tempo, Tawé. Não dá para pedir ao verão que ele se torne inverno ou ao inverno que vire verão. Com as pessoas também é assim. Não se pode querer que uma criança vire adulto ou um adulto vire uma criança. Sua hora como criança está passando. Você está virando uma árvore madura....e não adianta você se esforçar para fazer o contrário. Assim como a árvore cresce sem nossa ajuda, você crescerá e virará um homem para o seu bem e de nossa gente.
Tawé recordou com certa tristeza a conversa que teve com seu padrinho. Sabia que estava virando um homem e isso lhe deixava confuso. Como poder ser um adulto sem abandonar a alegria da criança?
Enquanto pensava, notou que se aproximava seu melhor amigo, Cumaru. Vinha correndo numa alegria só. Cumaru tinha a mesma idade sua e não estava encontrando toda esta dificuldade em crescer. Parece que ele já tinha as respostas prontas em sua mente e em seu coração.
Cumaru chegou em frente do amigo e apenas disse: - Xipat? Vamos no mato brincar de procurar as meninas? Neste instante, Tawé percebeu que pode haver uma grande alegria e aventura no crescimento. Que as árvores grandes dão as frutas mais deliciosas que as árvores pequenas.


1- Xipat é uma expressão em Munduruku que quer dizer: tudo bem?

Daniel Munduruku

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