terça-feira, 29 de abril de 2008

Os Munduruku

(Formigas Gigantes)

Conta a história do Brasil que os Munduruku formavam um povo muito poderoso e guerreiro. Sua fama de caçadores de cabeça corria por todo o estado do Pará e do Mato Grosso.
O ruído que faziam com os pés quando saíam em grupo para espedições de caça e pesca, ou para a guerra, conferiu-lhes o apelido de "formigas grandes"( tradução da palavra "munduruku"), que fazia tremer os inimigos, que saíam em desabalada carreira para fugir.
Eram tambem conhecidos como "caras-pretas", pois tinham o costume de tatuar as faces de preto. Sua valentia era tamanha que participaram de várias revoltas populares no Estado do Pará e chegaram mesmo a ter cidades inteiras sob seu domínio.
É claro que as autoridades não gostavam disso e mandavam tropas militares para impedir os avanços dos Munduruku. Netas batalhas os "Caras-Pretas" quase sempre saíam vitoriosos, pois conheciam melhor a região. Assim, os donos do poder continuaram a enviar tropas cada ves mais numerosas, e numa dessas batalhas os Munduruku finalmente acabaram vencidos.
Depois disso foram "pacificados"pelos "brancos" e se renderam aos encantos do mundo não indígena. Corria o século XVll quando esses índios foram vistos pela primeira vez...



NÃO SOMOS DONOS DA TEIA DA VIDA

Meu avô costumava dizer que tudo está interligado entre si e que nada escapa da trama da vida. Ele costumava me levar para uma abertura da floresta e deitava-se sob o céu e apontava para os pássaros em pleno vôo e nos dizia que eles escreviam uma mensagem para nós. “Nenhum pássaro voa em vão. Eles trazem sempre uma mensagem do lugar onde todos nos encontraremos”, dizia ele num tom de simplicidade, a simplicidade dos sábios. Outras vezes nos colocava em contato com as estrelas e nos contava a origem delas, suas histórias. Fazia isso apontando para elas como um maestro que comanda uma orquestra.
Confesso que não entendia direito o que ele queria nos dizer, mas o acompanhava para todos os lugares só para ouvir a poesia presente em sua maneira simples de nos falar da vida.
Numa certa ocasião ele disse que cada coisa criada está em sintonia com o criador e que cada ser da natureza, inclusive o homem, precisa compreender que seu lugar na natureza não é ser o senhor, mas um parceiro, alguém que tem a missão de manter o mundo equilibrado, em perfeita harmonia para que o mundo nunca despenque de seu lugar.
“Enquanto houver um único pajé sacudindo seu maracá, haverá sempre a certeza de que o mundo estará salvo da destruição”. Assim nos falava nosso velho avô como se fôssemos – eu e meus irmãos, primos e amigos – capazes de entender a força de suas palavras.Só bem mais tarde, homem adulto, conhecedor de muitas outras culturas, pude começar a compreender a enormidade daquele conhecimento saído da boca de um velho que nunca tinha sequer visitado a cidade ao longo de seus mais de 80 anos.
Percebi, então, que meu avô era um homem com uma visão muito ampla da realidade e que nós éramos privilegiados por termos convivido com ele.
Estas lembranças sempre me vêm à mente quando penso na diversidade, na diferença étnica e social. Penso nisso e me deparo com a compreensão de mundo dos povos tradicionais. É uma concepção onde tudo está em harmonia com tudo; tudo está em tudo e cada um é responsável por esta harmonia. É uma concepção que não exclui nada e não dá toda importância a um único elemento, pois todos são passageiros de uma mesma realidade, são, portanto iguais. No entanto, não se pode pensar que esta igualdade signifique uniformidade. Todos estes elementos são diferentes entre si, têm uma personalidade própria, uma identidade própria.
Através de minhas leituras e viagens fui compreendendo, aos poucos, aquilo que o meu avô dizia sobre a sabedoria que existe em cada um e todos os seres do planeta. Descobri que não precisa ser xamã ou pajé para chacoalhar o maracá, basta colocar-se na atitude harmônica com o todo, como se estivéssemos seguindo o fluxo do rio, que não tem pressa...mas sabe aonde quer chegar. Foi assim que descobri os sábios orientais; os monges cristãos; as freiras de Madre Teresa; os muçulmanos; os evangélicos sérios; os pajés da Sibéria, dos Estados Unidos, os Ainu do Japão, os Pigmeus; os educadores e mestres...descobri que todas estas pessoas, em qualquer parte do mundo, praticando suas ações buscando o equilíbrio do universo, estão batendo seu maracá. Entendi, então, a lógica da teia. Entendi que cada um dos elementos vivos segura uma ponta do fio da vida e o que fere, machuca a Terra, machuca também a todos nós, os filhos da Terra. Foi aí que entendi que a diversidade dos povos, das etnias, das raças, dos pensamentos é imprescindível para colorir a Teia, do mesmo modo que é preciso o sol e a água para dar forma ao arco-íris.

Por Daniel Munduruku


http://www.danielmunduruku.com.br/

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