quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Sêneca - Da Brevidade da vida

"Mortais, vocês vivem como se vocês devessem sempre viver"

(2) Eu me dirigirei aqui com prazer a algum homem da multidão dos velhos "você chegou, eu vejo, ao termo mais recuado da vida humana; você tem cem anos ou mais sobre a cabeça; então, calcule o emprego de seu tempo; diga-nos quanto tempo um credor tirou de você, uma amante, um acusado, um cliente; quanto tempo você perdeu nas brigas com sua mulher, na correção dos escravos, nos seus trabalhos oficiais na cidade. Acrescente a esta perda de tempo as doenças causadas por nossos excessos; acrescente o tempo perdido na inação, e você verà que você tem muitos anos a menos do que você pensa.

(3) Lembre-se quantas vezes você persistiu em um projeto; quantos dias tiveram o emprego que você destinava a eles; quais foram as avantagens que você teve de você mesmo; quando seu rosto esteve calmo e seu coração intrépido; quais foram os trabalhos ùteis que preencheram uma sequência tão longa de anos; quantos homens saquearam sua vida, sem que você sentisse o preço do que você perdia; quanto tempo te roubaram as màgoas sem objetos, as alegrias insensatas, a àspera ganância, os charmes da conversação: veja então o pouco tempo que ficou do tempo que te pertencia, e você reconhecerà que sua morte é prematura.

(4) Qual é então a causa? Mortais, vocês vivem como se vocês devessem sempre viver. Vocês nunca se lembram da fragilidade de vossa existência; vocês não observam a quantidade de tempo que jà passou; e vocês o perdem como se ele jorrasse de uma fonte inesgotàvel, enquanto que este dia, que vocês dão a terceiros ou a alguma ocupação, talvez seja o ùltimo de vossos dias. Vossos temores são de mortais; e vendo vossos desejos nòs dirìamos que vocês são imortais.

(5) A maioria dos homens dizem: aos cinquenta anos, eu irei me aposentar; aos sessenta anos, eu renunciarei aos empregos. E quem vos garantiu uma vida mais longa? Quem vai permitir que tudo aconteça como vocês planejam? Vocês não têm vergonha de sò reservar para vocês os restos de vossa vida, e de destinar à cultura de vosso espìrito o ùnico tempo que não serve mais para nada? Não seria tarde demais começar a viver quando é preciso sair da vida? Que louco esquecimento de nossa condição mortal, de colocar a cinquenta ou sessenta anos os sàbios empreendimentos, e de querer começar a vida em uma época onde poucas pessoas podem conseguir fazer isso.



IV

(1) Escutem as palavras que dizem os homens mais poderosos, os mais elevados nas dignidades; eles desejam o repouso, eles exaltam sua suavidade, eles o colocam acima de todos os bens que eles possuem eles sò aspiram a descer do cume das grandezas, com a condição que eles possam faze-lo sem perigo; pois mesmo se nada exterior ataca ou abala a fortuna, ela està sujeita a desabar sobre ela mesma.

(2) O divino Augusto, a quem os deuses concederam mais bens do que a nenhum outro mortal, não parou de reclamar para si mesmo o repouso e de desejar ficar livre das obrigações do governo . Em todos os seus discursos ele sempre dizia desejar o repouso. No meio de seus trabalhos ele encontrava para alivia-los uma consolação ilusòria, mais todavia suave, dizendo a ele mesmo: algum dia eu viverei para mim.

(3) Em uma de suas cartas dirigida ao Senado, em que ele assegurava que seu repouso seria digno, e não desmentiria sua glòria, eu observei essas palavras: "Mas esses tais projetos são mais bonitos a realizar do que a especular. Todavia minha impaciência de ver chegar um momento tão apaixonadamente desejado, me traz pelo menos essa avantagem, que como esse momento ainda demora, eu provo desde jà a sua suavidade atravéis o ùnico prazer de falar dele".

(4) Como foi preciso que o repouso tenha parecido para ele precioso, pois este não sendo uma realidade, ele queria sentir o prazer deste na sua imaginação ! Aquele que via tudo submetido unicamente a sua vontade, que tinha nas suas mãos os destinos dos homens e das nações, sonhava com alegria o dia onde ele poderia se despojar de toda sua grandeza.

- Sénèque, De la Briéveté de la Vie, III & 2-5 et IV, & 1-4, Trad. M. Charpentier, Garnier, 1860




Sêneca - Estoicismo


Sêneca, um dos autores mais influentes da Roma imperial, é um filòsofo de inspiração estòica. Fundado por Zénon de Citium e por Cléanthe, consolidado por Chrysippe, o estoicismo afirma que o mundo forma um todo ordenado pela razão. Ele possui uma alma, Deus, que reina no mundo lhe impondo uma fatalidade absoluta. Esse fatalismo todavia não impede a alma humana, reflexo da alma divina, de ser livre.


Necessidade e liberdade

O homem é livre da atitude que ele adota diante a vida. Ele pode viver em harmonia ou não com a razão. Se ele se abandona à procura do poder, da riqueza e dos prazeres, ele torna-se o escravo de seus pròprios desejos.
A verdadeira liberdade reside na capacidade do homem a se refugiar nele mesmo, por essa razão Sêneca concede uma atenção especial ao requerimento enviado ao Senado pelo imperador Augusto ( 63-14 apr.J-C.) que queria se retirar da vida pùblica. Para Sêneca, esse exemplo ilustra de maneira brilhante a verdadeira liberdade; o homem que possuia o mundo sò desejava finalmente uma coisa: poder se encontrar sò consigo mesmo.
Em uma Roma ardente abandonada a todos os excessos, Sêneca se atribue, nos seus ensaios como nas suas Lettres, a função de "diretor espiritual". Contrariamente aos fundadores do estoicismo, ele não escreve tratados sutilmente argumentados. Sêneca quer ao contràrio convencer seu pùblico que o bem e o mal existem e que nòs não podemos confundi-los. O bem soberano reside segundo ele na virtude, que ele define como o livre exercìcio da razão, conforme a ordem da natureza.


Conhece a ti mesmo

Sêneca està convencido disso: o homem virtuoso que regula sua razão na razão da natureza não teme a morte e toma sabiamente consciência da duração da vida. Ao invés de se ocupar com as tarefas comuns, ele se concede tempo para encontrar-se nele mesmo. Tal é o assunto do livro Da Brevidade da vida, verdadeira obra prima do pensamento moral estòico.
Sêneca ataca o problema do tempo do ponto de vista ético. As obrigações cotidianas nos obrigam a deixar para a aposentadoria, verdadeiramente além dela, o momento em que nòs poderemos enfim nos dedicar ao essencial, o conhecimento de si mesmo. Isto é um paradoxo, ressalta Sêneca, esperar o fim da vida para enfim começar a viver ! Essas reflexões parecem antecipar os pensamentos de Pascal sobre a tentação que tem o homem de se divertir para evitar de afrontar sua finitude.
Muitas pessoas acusaram Sêneca de ter vivido em total contradição com seus princìpios. Ele conseguiu construir uma fortuna colossal, foi preceptor do jovem imperador Néron, e acumulou a um ritmo desenfreado as aventuras amorosas. Caindo na desgraça, invejado por seus bens, ele acabarà cortando as veias por ordem de Néron.
Difìcil de acreditar, nesse filòsofo muito engajado na vida pùblica? Sua influência é em todo caso consideràvel. Sêneca se manifestou na maioria das correntes filosòficas. Sua obra representa uma fonte de informação inestimàvel sobre a filosofia das épocas helenìstica e romana. Sua influência na història do pensamento é tão imensa quanto conhecida. Sua vida e seu ensinamento são o assunto predileto da correspondência entre Descartes e Elisabeth, princesa Palatina.
Mais pròximo de nossa época, Foucault se interessou particularmente a Sêneca para mostrar como nòs nos interpretamos consigo mesmo no diàlogo com os outros e como a ascese constitue uma relação a si mesmo privilegiada.


- S.J.A. -

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