Religião sem dogmas nem hierarquia, o hinduìsmo escapa a todas as nossas definições. Duas tendências, dficilmente conciliàveis, se opõem: A submissão ao dharma, a ordem universal, com Vishnou por divindade tutelar, e a revolta contra essa ordem, sob a égide de Shiva.
Religião dos paradoxos.
O hinduìsmo, uma das mais velhas religiões do mundo - no mìnimo três milenàrios de existência, talvez mesmo quatro ou mais - não se deixa encerrar em nenhuma fòrmula. O termo mesmo foi forjado pelos Ingleses no século XIX para designar o magma confuso de crenças e pràticas. Rebelde a toda definição.
Diferente do budismo, ele não tem fundador humano. Ele não tem nenhum dogma no qual os fiéis teriam que acreditar sob a ameaça de cair na heresia. Ele não dispõe de nenhum magistério encarregado de velar uma desconhecida ortodoxia. Ele não se organiza em uma Igreja, tendo como chefe um personagem como o papa ou o dalaï-lama. Ele é isento de todo proselitismo. Ele repousa, certes, em um corpus de textos revelados - os Vedas - , a primeira vista comparàvel à Bìblia ou ao Alcorão. Mas essa revelação é anônima e sem idade. Eternamente presente, simplesmente transmitida de geração em geração, ela não tem nada de um advento fundador.
Essa religião, enfim, escapa as nossas categorias tradicionais de politeìsmo, monoteìsmo e panteìsmo. Politeìsta, ela é com certeza, basta ver a quantidade ilimitada de figuras divinas, cada uma com sua mitologia, seus templos, seu culto repleto de numerosas variantes locais. Eles falam dos "trinta milhões de deuses". Alguns deles se destacam, como por exemplo: Vishnou, Rama, Krishna, Shiva, Durga ou Parvati, as vezes Hanuman ou Ganesh. Cada um possui seus fiéis que os exaltam acima de tudo, ao ponto de reduzir os outros ao nìvel de simples criaturas, de maneira que nòs somos tentados de falar do "monoteìsmo hindu".
A idéia prevalece enfim, não somente nas elites religiosas mas também na massa do povo, que "todos os deuses sò fazem um", no sentido que cada um deles sò representa uma das faces de um absoluto sem rosto que os transcende e que é chamado o brahman.
O hinduìsmo seria então ao mesmo tempo politeìsta, monoteìsta e panteìsta! O que nos leva a concluir que ele não é verdadeiramente nada disso.
Apesar de tudo, um fil d'Ariane ajuda a se orientar no labirinto das crenças e das pràticas hinduìstas: compreender essa religião como a sìntese, impossìvel mas portanto sempre envolta, de duas lògicas antagonistas. De um lado, uma lògica de inserção da comunidade humana na ordem universal e no ciclo do tempo còsmico. È ele que designa o termo essencial do dharma ( de uma raiz que significa "reforçar", "sustentar"), que se traduz, lei ou dever, segundo os contextos. A organização hierarquica da sociedade em quatro "castes", com a alternância regular das fases de decadência e de restauração, é a mais importante ilustração disso. Aqui, o indivìduo sò tem substância e valor na medida em que, em função da posição que lhe é atribuìda antes do seu nascimento, ele coopera, através o rito e a ação em geral, à manuntenção do dharma. A divindade dessa ordem tutelar é Vishnou, que encarna na sua pessoa a concordância do poder temporal dos kshatriyas e do poder espiritual dos brahmanes. Diante isso, uma lògica individualista de revolta contra essa ordem, percebida como imobilizada e alienante, associada à procura de uma forma de salvação pessoal além do ritualismo e dos contextos sociais.
Ela se manifesta desde a época dos Upanishsd, mais ou menos no ano 600 antes de J.-C., atravéis esses personagens que nòs qualificamos de "renunciantes" (sannyasin). A divindade tutelar é Shiva, deus da ascese rigorosa mas também da orgia e do excesso em geral.
Dialética do fechado e do aberto
O conjunto do hinduìsmo, com suas idéias-forças e suas instituições, se formou no confluente dessas duas tendências. Ele aparece dessa maneira estruturado por uma notàvel dialética do fechado e do aberto, no sentido que o filòsofo Henri Bergson dava a esses termos no seu livro Les Deux Sources de la morale e de la religion. Ora é o fechado que domina: minùcia fastidiosa dos rituais, realização escrupulosa dos deveres ligados à casta que nòs pertencemos, respeito formalista da hierarquia social. Ora domina o aberto: onipresença da noção de maya ("ilusão còsmica"), ampla difusão do ideal de não-violência, prestìgios da meditação e da yoga; presença de uma numerosa população de homens santos ou sadhous, mendigos religiosos entre os quais alguns mestres espirituais são venerados como verdadeiros homens-deuses. Ora, enfim, ritualismo conformista e nostalgia da salvação se encontram no seio de teorias grandiosas como, por exemplo, a do ato (karma) - ritual e "moral" - e da transmigração das almas (samsara). Essa combinação é igualmente visìvel em algumas doutrinas brahmaniques especìficas, como a teoria dos quatro estados de vida (noviciado, vida conjugal, retiro florestal, renunciamento completo) ou a dos quatro "objetivos do homem": kama (prazer), artha (riqueza, poder), dharma (moralidade), moksha (libertação da transmigração). Procede ainda no mesmo espìrito a via preconizada por Krishna na Bhagavad-gita: a da realização desinteressada de cada um do seu shadharma ou "dever de estado". No tantrismo - ele é dividido em uma tendência dita "de mão direita", mais ou menos respeitosa do dharma, e uma tendência "de mão esquerda" - que não se insere nessa dualidade.
Uma religião durável
As pessoas que visitam a India são surpresas por essa vitalidade religiosa. Os templos em atividade são numerosos e novos templos são construìdos. De dia e de noite, é um incessante vai e vem de fiéis vindos honrar seus deuses e implorar seus favores. As festas, as peregrinações reunem multidões impressionantes e provocam exuberantes demonstrações de fervor. Ao mesmo tempo, essa piedade popular, na sua ingenuidade - se nòs pensamos, por exemplo, nas imagens contando as vidas dos santos que são vendidas nas portas dos templos - tem alguma coisa de anacrônico, e nòs podemos de maneira legìtima nos interrogar sobre a sua capacidade para subsistir intacta em uma India, particularmente urbana, cada vez mais influenciada com uma certa violência pela modernidade.
Mas existe um segundo hinduìsmo, depurado, mais intelectual, oriundo dos movimentos reformistas do século XIX, eles mesmos resultando do começo da relação com a cultura européia através a colonização inglesa. Se o primeiro hinduìsmo, demasiadamente ligado às castas e às regiões rurais, é inexportàvel - as tentativas de introduzi-lo no Ocidente, como por exemplo da seita Hare Krishna, terminaram em caricaturas - , o segundo, herdeiro de uma antiga espiritualidade, mas sem dogmas, e sem a tutela de uma Igreja, fascina cada vez mais os Ocidentais e dà sempre a impressão, bem mais do que o budismo, de estar pronto para a conquista pacìfica do mundo.
- Michel Hulin, professor emérito de filosofia indiana e comparada na universidade de Paris-Sorbonne ( Paris-IV ), autor, entre outros, de Shankara et la non dualité ( Bayard, 2001) e de L'Inde des sages (Oxus, 2005).
Religião dos paradoxos.
O hinduìsmo, uma das mais velhas religiões do mundo - no mìnimo três milenàrios de existência, talvez mesmo quatro ou mais - não se deixa encerrar em nenhuma fòrmula. O termo mesmo foi forjado pelos Ingleses no século XIX para designar o magma confuso de crenças e pràticas. Rebelde a toda definição.
Diferente do budismo, ele não tem fundador humano. Ele não tem nenhum dogma no qual os fiéis teriam que acreditar sob a ameaça de cair na heresia. Ele não dispõe de nenhum magistério encarregado de velar uma desconhecida ortodoxia. Ele não se organiza em uma Igreja, tendo como chefe um personagem como o papa ou o dalaï-lama. Ele é isento de todo proselitismo. Ele repousa, certes, em um corpus de textos revelados - os Vedas - , a primeira vista comparàvel à Bìblia ou ao Alcorão. Mas essa revelação é anônima e sem idade. Eternamente presente, simplesmente transmitida de geração em geração, ela não tem nada de um advento fundador.
Essa religião, enfim, escapa as nossas categorias tradicionais de politeìsmo, monoteìsmo e panteìsmo. Politeìsta, ela é com certeza, basta ver a quantidade ilimitada de figuras divinas, cada uma com sua mitologia, seus templos, seu culto repleto de numerosas variantes locais. Eles falam dos "trinta milhões de deuses". Alguns deles se destacam, como por exemplo: Vishnou, Rama, Krishna, Shiva, Durga ou Parvati, as vezes Hanuman ou Ganesh. Cada um possui seus fiéis que os exaltam acima de tudo, ao ponto de reduzir os outros ao nìvel de simples criaturas, de maneira que nòs somos tentados de falar do "monoteìsmo hindu".
A idéia prevalece enfim, não somente nas elites religiosas mas também na massa do povo, que "todos os deuses sò fazem um", no sentido que cada um deles sò representa uma das faces de um absoluto sem rosto que os transcende e que é chamado o brahman.
O hinduìsmo seria então ao mesmo tempo politeìsta, monoteìsta e panteìsta! O que nos leva a concluir que ele não é verdadeiramente nada disso.
Apesar de tudo, um fil d'Ariane ajuda a se orientar no labirinto das crenças e das pràticas hinduìstas: compreender essa religião como a sìntese, impossìvel mas portanto sempre envolta, de duas lògicas antagonistas. De um lado, uma lògica de inserção da comunidade humana na ordem universal e no ciclo do tempo còsmico. È ele que designa o termo essencial do dharma ( de uma raiz que significa "reforçar", "sustentar"), que se traduz, lei ou dever, segundo os contextos. A organização hierarquica da sociedade em quatro "castes", com a alternância regular das fases de decadência e de restauração, é a mais importante ilustração disso. Aqui, o indivìduo sò tem substância e valor na medida em que, em função da posição que lhe é atribuìda antes do seu nascimento, ele coopera, através o rito e a ação em geral, à manuntenção do dharma. A divindade dessa ordem tutelar é Vishnou, que encarna na sua pessoa a concordância do poder temporal dos kshatriyas e do poder espiritual dos brahmanes. Diante isso, uma lògica individualista de revolta contra essa ordem, percebida como imobilizada e alienante, associada à procura de uma forma de salvação pessoal além do ritualismo e dos contextos sociais.
Ela se manifesta desde a época dos Upanishsd, mais ou menos no ano 600 antes de J.-C., atravéis esses personagens que nòs qualificamos de "renunciantes" (sannyasin). A divindade tutelar é Shiva, deus da ascese rigorosa mas também da orgia e do excesso em geral.
Dialética do fechado e do aberto
O conjunto do hinduìsmo, com suas idéias-forças e suas instituições, se formou no confluente dessas duas tendências. Ele aparece dessa maneira estruturado por uma notàvel dialética do fechado e do aberto, no sentido que o filòsofo Henri Bergson dava a esses termos no seu livro Les Deux Sources de la morale e de la religion. Ora é o fechado que domina: minùcia fastidiosa dos rituais, realização escrupulosa dos deveres ligados à casta que nòs pertencemos, respeito formalista da hierarquia social. Ora domina o aberto: onipresença da noção de maya ("ilusão còsmica"), ampla difusão do ideal de não-violência, prestìgios da meditação e da yoga; presença de uma numerosa população de homens santos ou sadhous, mendigos religiosos entre os quais alguns mestres espirituais são venerados como verdadeiros homens-deuses. Ora, enfim, ritualismo conformista e nostalgia da salvação se encontram no seio de teorias grandiosas como, por exemplo, a do ato (karma) - ritual e "moral" - e da transmigração das almas (samsara). Essa combinação é igualmente visìvel em algumas doutrinas brahmaniques especìficas, como a teoria dos quatro estados de vida (noviciado, vida conjugal, retiro florestal, renunciamento completo) ou a dos quatro "objetivos do homem": kama (prazer), artha (riqueza, poder), dharma (moralidade), moksha (libertação da transmigração). Procede ainda no mesmo espìrito a via preconizada por Krishna na Bhagavad-gita: a da realização desinteressada de cada um do seu shadharma ou "dever de estado". No tantrismo - ele é dividido em uma tendência dita "de mão direita", mais ou menos respeitosa do dharma, e uma tendência "de mão esquerda" - que não se insere nessa dualidade.
Uma religião durável
As pessoas que visitam a India são surpresas por essa vitalidade religiosa. Os templos em atividade são numerosos e novos templos são construìdos. De dia e de noite, é um incessante vai e vem de fiéis vindos honrar seus deuses e implorar seus favores. As festas, as peregrinações reunem multidões impressionantes e provocam exuberantes demonstrações de fervor. Ao mesmo tempo, essa piedade popular, na sua ingenuidade - se nòs pensamos, por exemplo, nas imagens contando as vidas dos santos que são vendidas nas portas dos templos - tem alguma coisa de anacrônico, e nòs podemos de maneira legìtima nos interrogar sobre a sua capacidade para subsistir intacta em uma India, particularmente urbana, cada vez mais influenciada com uma certa violência pela modernidade.
Mas existe um segundo hinduìsmo, depurado, mais intelectual, oriundo dos movimentos reformistas do século XIX, eles mesmos resultando do começo da relação com a cultura européia através a colonização inglesa. Se o primeiro hinduìsmo, demasiadamente ligado às castas e às regiões rurais, é inexportàvel - as tentativas de introduzi-lo no Ocidente, como por exemplo da seita Hare Krishna, terminaram em caricaturas - , o segundo, herdeiro de uma antiga espiritualidade, mas sem dogmas, e sem a tutela de uma Igreja, fascina cada vez mais os Ocidentais e dà sempre a impressão, bem mais do que o budismo, de estar pronto para a conquista pacìfica do mundo.
- Michel Hulin, professor emérito de filosofia indiana e comparada na universidade de Paris-Sorbonne ( Paris-IV ), autor, entre outros, de Shankara et la non dualité ( Bayard, 2001) e de L'Inde des sages (Oxus, 2005).
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