"Os princípios da justiça são o resultado de um acordo equitável"
Meu objetivo é de apresentar uma concepção da justiça que generaliza e coloca a um nível mais elevado de abstração a teoria bem conhecida do contrato social como nós a encontramos, entre outros, em Locke, Rousseau e Kant. Para isso, nós não devemos pensar que o contrato original seja concebido para nos engajar a entrar em uma sociedade particular de governo. A idéia que nos guiará é de preferência que os princípios da justiça válidos para a estrutura de base da sociedade são o objeto do acordo original. São os princípios mesmos que as pessoas livres e racionais, desejosas de favorizar seus próprios interesses, e colocadas na posição inicial de igualdade, aceitariam e que, segundo elas, definiriam os termos fundamentais da associação delas.
Esses princípios devem servir de regra para todos os acordos ulteriores; eles especificam as formas da cooperação social nas quais nós podemos nos engajar e as formas de governo que podem ser estabelecidas. Essa maneira de considerar os princípios da justiça que eu chamarei a teoria da justiça como eqüidade. Por conseguinte, nós devemos imaginar que aqueles que se engajam na cooperação social escolhem juntos, por um único ato coletivo, os princípios que devem fixar os direitos e os deveres de base e determinar a repartição das vantagens sociais. Os homens devem decidir antecipadamente segundo quais serão as regras que eles vão arbitrar suas reivindicações mútuas e qual deve ser a "charte" fundadora da sociedade. Da mesma maneira que cada pessoa deve decidir por uma reflexão racional o que constitui seu bem, quer dizer o sistema de fins que é racional para ela procurar, da mesma maneira um grupo de pessoas deve decidir, de uma vez por todas o que, em seu seio, deve ser considerado como justo e injusto. A escolha que os seres racionais fariam, nessa situação hipotética de liberdade igual, determina os princípios da justiça - supondo no momento que o problema colocado pela escolha da mesma tenha uma solução.
Na teoria da justiça como eqüidade, a posição original de igualdade corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social. Essa posição original não é concebida, é claro, como sendo uma situação histórica real, e menos ainda como uma forma primitiva da cultura. È preciso compreendê-la como sendo uma situação puramente hipotética, definida de maneira a conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre os aspectos essenciais dessa situação, existe o fato que ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua posição de classe ou seu status social, da mesma maneira que ninguém conhece o destino que lhe está reservado na repartição das capacidades e dos dons naturais, por exemplo, a inteligência, a força, etc. Eu irei mesmo até a dizer que os parceiros ignoram suas próprias concepções do bem ou suas tendências psicológicas particulares. Os princípios de justiça são escolhidos atrás de um véu de ignorância. Isso garante que ninguém é privilegiado ou desprivilegiado na escolha dos princípios pelo acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Como todos têm uma situação comparável e que ninguém pode formular princípios favorizando sua situação particular, os princípios de justiça são o resultado de um acordo ou de uma negociação equitáveis.
Pois, considerando as circunstâncias da posição original, quer dizer a simetria das relações entre os parceiros, essa situação inicial é equitável com relação aos sujeitos morais, quer dizer seres racionais tendo seus próprios sistemas de fins e capazes, segundo a minha opinião, de um senso da justiça. A posição original é, nós poderíamos dizer, o statu quo inicial adequado, e por essa razão os acordos pelos quais nós chegamos a essa situação inicial são equitáveis. Tudo isso nos explica a exatidão da expressão "justiça como eqüidade": ela transmite a idéia que os princípios da justiça são oriundos de um acordo concluído em uma situação ela mesma equitável.
- John Rawls - Théorie de la Justice ( 1971 ), Trad. C.Andard, Le Seuil, 1987 -
A justiça como eqüidade
Para o pensador americano John Rawls (1921 - 2002), o liberalismo só é legítimo como garantia das liberdades civis e políticas com a condição de estabelecer uma visão mais ampla da democracia. Na sua obra principal, a Teoria da justiça, publicada nos Estados Unidos em 1971, ele ambiciona dessa maneira de pensar a questão da justiça, considerando, a partir do mesmo ponto de vista democrático, a distribuição dos direitos-liberdades e dos direitos sobre os bens materiais.
Ideal democrático
Ele empreende assim de responder ao paradoxo da consciência democrática ordinária que concebe as exigências de liberdade e de igualdade como antagonistas. Ele elabora para isso um ponto de vista filosófico que possa constituir "a base moral que convém da melhor maneira a uma sociedade democrática" para pensar todas as questões de justiça. Como mostra o extrato acima, sua idéia é de figurar um ideal democrático de relações sociais, quer dizer o reconhecimento para cada indivíduo que o outro é dotado de um statut de cidadão igual ao seu.Esse ideal é figurado em um modelo, que Rawls chama a "posição original de igualdade", onde pessoas fictivas, racionais e egoístas, colocadas atrás de um véu de ignorância que as impede de conhecer suas características particulares, escolhem os princípios de justiça da sociedade delas.
Segundo Rawls, essa formulação em termos de escolha racional e não moral torna a seleção mais precisa e mais fácil.
È na capacidade deles a desenvolver uma concepção do bem que os cidadãos se reconhecem como iguais. As pessoas da posição original procuram distribuir os instrumentos que permitem a cada um de realizar uma concepção do bem: esses meios são variados e incluem o rendimento, a riqueza, as liberdades...
Liberalismo igualitário
A partir disso, o sistema de Rawls repousa sobre dois princípios. "Primeiro princípio: cada pessoa tem direito a um conjunto perfeitamente adequado de liberdades de base iguais compatível com o mesmo conjunto de liberdade para os outros. Segundo princípio, as desigualdades econômicas e sociais satisfazem duas condições: primeiro, elas se relacionam a cargos ou funções abertas a todos com as condições de igualdade equitável das chances; em seguida, elas devem existir para o maior benefício dos membros menos privilegiados da sociedade. "Os dois princípios são ordenados de maneira rigorosa: o primeiro possui uma prioridade absoluta sobre o segundo, e a primeira parte do segundo princípio (igualdade equitável das chances) tem a prioridade sobre a segunda"
A esquerda americana
Para Rawls, a combinação desses dois princípios forma um liberalismo igualitário. A dimensão liberal vem da garantia das liberdades civis e políticas. A dimensão igualitária resulta da limitação das desigualdades: as desigualdades materiais não devem ser de tal maneira que elas prejudiquem a igualdade das chances; elas não devem ter como resultado efeitos de dominação (cláusula sobre as liberdades políticas que garantem a utilização delas equitável); elas não devem permitir a algumas pessoas de tratar os outros como inferiores (inclusão das "bases sociais do respeito de si mesmo" nos bens distribuídos pelo princípio de diferença).Liberalismo igualitário de Rawls o coloca claramente na esquerda da movimentação política liberal, pois seus princípios de justiça, além de sua radicalidade redistribuidora, são compatíveis com um regime de propriedade privada mas também de propriedade coletiva dos meios de produção - o que Rawls chama o socialismo democrático.
- Bertrand Guillarme, autor de John Rawls: La justice comme équité (La Découverte - 2003)
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