sábado, 19 de janeiro de 2008

Democracia, razão pública e dever de civilidade

"Existem formas numerosas de razão pública"

A idéia de razão pùblica especifica no nìvel fundamental os valores morais e polìticos essenciais que devem determinar a relação de um governo democràtico constitucional com seus cidadãos assim como as relações mùtuas destes cidadãos. Em poucas palavras, ela é relativa à maneira pela qual a relação polìtica deve ser concebida. Aqueles que rejeitam a democracia constitucional e seu critério de reciprocidade recusarão evidentemente a idéia mesmo de razão pùblica. Para eles, a relação polìtica pode ser aquela do amigo ou do inimigo dos membros de uma comunidade religiosa ou secular. [....] Ela pode também ser uma luta impiedosa para convertir o mundo à verdade completa.
O liberalismo polìtico não é relativo à opinião dos que pensam dessa maneira. O ardor para realizar a verdade completa em polìtica é imcompatìvel com uma idéia da razão pùblica que depende da cidadania democràtica.
[.....]
Quais são os ideais e princìpios que devem guiar o exercìcio do poder polìtico ùltimo igualmente dividido entre os cidadãos para que cada um possa razoavelmente justificar suas decisões polìticas a cada um dos membros ?
Nossa resposta é a seguinte: os cidadãos são razoàveis quando, considerando-se mutualmente como livres e iguais no seio de um sistema de coperação social atravéis as gerações. Eles estão prontos a oferecer mutualmente os termos equitàveis de coperação em função do que eles consideram como a concepção mais razoàvel da justiça polìtica, e quando eles estão de acordo para respeitar esses termos nos atos deles, mesmo ao preço de seus interesses pròprios em certas situações, na medida em que os outros cidadãos aceitam igualmente esses termos.
O critério de reciprocidade exige que, quando esses termos são propostos como os mais razoàveis de uma coperação equitàvel, aqueles que os propõem devem também considerar que é pelo menos razoàvel para os outros de aceita-los na qualidade de cidadãos livres e iguais, e não como agentes manipulados ou dominados, ou obrigados sob o efeito de uma posição polìtica ou social de inferioridade.Os cidadãos serão, de maneira clara, divididos sobre a questão de saber qual é a concepção da justiça polìtica mais razoàvel, mas eles estarão de acordo sobre o fato que todas essas concepções são razoàveis, mesmo se algumas o são de maneira quase incompleta.
Assim, quando, sobre [....] uma questão de justiça fundamental, todos os responsàveis governamentais competentes adotam a idéia de razão pùblica e agem segundo ela, e quando todos os cidadãos razoàveis se concebem de maneira ideal como legisladores adotando a razão pùblica, então o ato legal que exprime a opinião da maioria constitue um ato de direito legìtimo. È possìvel que um cidadão não considere esse ato como o mais apropriado, mas ele é politicamente (moralmente) engajado com relação a ele na qualidade de cidadão, e deve aceita-lo por essa razão. Cada um cosidera que todos os outros se exprimiram e votaram pelo menos razoavelmente, e que todos eles então adotaram a razão pùblica e honraram o dever deles de civilidade. [....]O conteùdo da razão pùblica é dado dessa maneira por uma familia de concepções polìticas da justiça, e não por uma ùnica concepção. Existem numerosos liberalismos, e então numerosas formas de razão pùblica. [....] A concepção da justiça como eqüidade, seja quais forem seus méritos, é apenas uma delas. O limite dessas formas é constituìdo pelos critérios de reciprocidade, aplicado entre os cidadãos livres e iguais considerados como razoàveis e racionais.
Três aspectos caracterizam essas concepções: primeiro, uma lista de direitos, liberdades e possibilidades (como aqueles que são familiares nos regimes constitucionais ); em segundo, a atribuição de uma prioridade particular a esses direitos, liberdades e possibilidades, em particular com relação às reivindicações de bem comum e dos valores perfeccionistas; e em terceiro, medidas que garantam a todos os cidadãos meios "polyvalents " (diversos) para fazer uma utilização efetiva dessas liberdades.

- John Rawls - Paix et Démocratie, Trad. B. Guillarme, La Découverte, 2006


Comentário

A teoria da justiça de John Rawls tem por consequencia uma visão ideal da polìtica, de qual os princìpios são os princìpios da razão pùblica, aquela que deve guiar a argumentação e a ação dos cidadãos. Como mostra o texto acima, extrato de Paix et Démocratie, Rawls parte do princìpio liberal da legitimidade polìtica, jà afirmado por John Locke e Emmanuel Kant, segundo o qual nòs podemos ser autônomos com relação ao poder polìtico se nòs podemos aceitar atravéis nosso julgamento razoàvel os ideais e os princìpios que guiam a ação desse poder. Mas como, em uma democracia, o poder polìtico é o atributo dos cidadãos livres e iguais constituìdos em corpo coletivo, cada um é o autor ( como o destinatàrio ) da justificação do exercìcio da coerção pùblica. Cada cidadão tem então um dever de civilidade: ele deve poder explicar como os princìpios e as polìticas que ele procura realizar podem ser justificados por ideais aceitàveis pelos outros.
Quais são então os valores que um cidadão razoàvel pode julgar aceitàveis por todos os outros ? A dificuldade consiste a levar em conta o fato do pluralismo razoàvel, das doutrinas morais, razoàveis no sentido em que aqueles que os afirmam recusam de realiza-los pela força.


O pluralismo razoável

Rawls, distingue o que ele chama as doutrinas gerais e "englobantes" das concepções polìticas. Uma doutrina, diz Rawls, é geral quando ela se aplica a uma ampla variedade de sujeitos e "englobante" quando ela ensina concepções do que faz o valor da vida humana, dos ideais da virtude pessoal. Este é o caso das religiões. No contràrio, uma concepção polìtica é formulada por um objeto especìfico: a estrutura de base da sociedade; ela não depende de uma doutrina englobante particular, e isso é possìvel pois ela é elaborada na base de idéias implìcitas na cultura pùblica de uma sociedade democràtica. Ser razoàvel consiste aqui a considerar a cultura pùblica como o capital comum de princìpios fundamentais reconhecidos por todos, e a aceitar de não utilizar sua pròpria doutrina englobante para justificar suas posições.


Religião e polìtica

Um cidadão que honra seu dever de civilidade com relação aos outros é capaz de justificar todas as suas proposições e seus votos sobre as questões fundamentais, não sobre a base de sua doutrina moral englobante, mas sobre a base de uma concepção rigorosamente polìtica da justiça, aceitàvel por todos.Essa idéia permite de dar uma interpretação do princìpio de neutralidade dos cidadãos e do Estado democràticos, continuamente citado nas controvérsias contemporâneas sobre as reivindicações derivadas das comunidades morais e religiosas.
O Estado democràtico e sua ação não podem ser fundados sobre uma doutrina englobante especìfica, mesmo se ele forma a maioria. Isso por causa do respeito do statut de cada cidadão que deve poder fazer sua justificação da ação do Estado sobre as questões fundamentais. Ao contràrio, não é necessàrio que as ações tenham como resultado de ajudar todas as concepções do bem a um grau igual. Uma doutrina religiosa que sò pode sobreviver com a condição de ser institucionalizada no Estado cessarà de existir em uma sociedade polìtica democràtica bem ordenada, da mesma maneira que as concepções razoàveis não poderão prosperar em uma democracia liberal se elas não encontram adeptos suficientes para pratica-las.

- Bertrand Guillarme, autor de John Rawls: La Justice comme équité ( La Découverte, 2003 )


Rawls, John (1921 - 2002)

Esse universitàrio americano oriundo de uma rica familia do Maryland, formado em Princeton, ensina em Oxford, Cornell e no Massachusetts Institute of Technology (MIT) antes de se fixar durante quarenta anos em Harvard. Là, ele vai revolucionar a teoria do direito e do Estado publicando em 1971 a Théorie de la justice, onde ele define de uma nova maneira as noções de eqüidade a partir da idéia de contrato social, dessa vez aplicada à justiça ela mesma ( os homens antes de toda relação social se entendem de maneira contratual sobre uma certa idéia da justiça). Esse livro, que convida assim a um verdadeiro pluralismo democràtico, coloca seu autor na esquerda da vida polìtica americana. Vìtima de vàrias crises cardìacas, ele tem dificuldades para terminar The Law of People, onde ele expõe sua visão da justiça internacional.

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