Nada parece poder conter o budismo: aparecido na Índia, essa religião seduz atualmente o Ocidente, após ter conquistado toda a Ásia. Mas longe de ser uma simples técnica de bem-estar, a mensagem do Buda, radical, exige de fazer um retorno sobre si mesmo para se libertar dos desejos.
Uma vivência interior
Há pouco tempo ainda, parecia impensável que uma religião de origem asiática possa se implantar no Ocidente, terra mais disposta a difundir sua cultura religiosa e científica no mundo do que a recolher uma via espiritual de origem longínqua. Mas é preciso considerar a evidência: ao interesse primeiro livresco e intelectual do século XIX pelo pensamento budista se substituiu um verdadeiro entusiasmo pelo ensinamento do Buda e a convicção que o budismo pode realmente trazer alguma coisa nesse mundo desorientado, marcado pelo mercantilismo do homem, a técnica todo-poderosa, a abolição das culturas locais, a ausência de referências éticas e um futuro demasiadamente hipotecado.
Uma mensagem universal e altruísta
Mas a desesperança do mundo ocidentalizado é suficiente para explicar esse fenômeno de penetração do budismo? A simpatia, a curiosidade, verdadeiramente o entusiasmo suscitado por essa via espiritual são a garantia de uma implantação profunda e durável? O budismo pode responder de maneira positiva às nossas esperanças? Bref, "o budismo é feito para o Ocidente?” Questão desastrada, fonte de mal entendido. È preciso lembrar que na origem do budismo, existe a experiência vivenciada do Buda histórico. Nascido mais ou menos no século V antes J. C., o Èveillé pregou sua doutrina libertadora no norte e no centro da Índia. È então no seio da cultura espiritual indiana que nasceu o budismo, mas se ele é o herdeiro dessa cultura, o Buda mostra assim mesmo uma grande originalidade de pensamento que distingue seu ensinamento do bramanismo ambiente.
Como o cristianismo com relação ao judaísmo, a doutrina do Buda estava, com efeito, marcada por um universalismo que fez dele uma via espiritual capaz de se libertar das barreiras culturais e sociais. Partindo da evidência do sofrimento próprio à nossa existência condicionada, o dharma propõe de nos libertar através uma pratica exigente aliando autodisciplina, meditação e conhecimento da realidade. Método de libertação individual e de uma real preocupação altruísta, o budismo não teísta já se apresentava como uma doutrina "à contre-courant" na Índia antiga, e seu discurso era sem dúvida incômodo para os espíritos indianos como ele é atualmente para os Ocidentais.
Um e multiforme
Após ter se dividido em várias escolas de interpretação doutrinal, o budismo indiano provoca diversas correntes que logo se espalharam fora da Índia: uma das correntes mais conservadoras se implantou no Sri Lanka no século III antes de J. C., a corrente inovadora do "Grande Veículo" (Mahayana) não demorou a atingir a China pelo caminho da Seda, antes de passar no Vietnam, na Coréia e enfim no Japão (século VI). Combinado ao veículo dos tantras ou Vajrayana, esse mesmo Mahayana penetrará na Indochina, na Indonésia e enfim no Tibet no século VIII. O budismo já era então muito diversificado quando ele passou do mundo indiano nas culturas estrangeiras. Sua assimilação exigirá às vezes tempo, como na China onde o budismo só se tornará "chinês" após cinco longos séculos de adaptação. Mas em todos os lugares, somos obrigados de constatar que o budismo se modificou em formas adaptadas às diferentes culturas, conservando sua originalidade e sua essência primitiva.
Nós então não podemos falar de um budismo, mas de um budismo multiforme. È, na minha compreensão, a prova da adaptação, mas também da solidez e da unidade fundamental da doutrina budista. Nem fixado por um dogma, nem diluído no curso de sua longa história e de suas peregrinações asiáticas, ele se declina em uma série de variações sobre um tema principal: a emancipação do sofrimento através o acesso ao "Despertar espiritual". Ele então não é mais "feito" para o Ocidente do que ele não era para as culturas asiáticas: ele ultrapassa todos os comportamentos culturais, que ele descreve como sendo várias armadilhas ilusórias. Diferente das religiões monoteístas, ele não procura reger a vida de nossas sociedades, mas ele mostra as falhas delas. Sua psicologia não visa o bem estar imediato e temporário do indivíduo, mas ressalta o mal estar inerente à toda existência marcada pela avidez de um bem estar egoísta.
Nós o compreendemos: o budismo não é nem redutível da procura de um bem estar melhor, nem um bálsamo para as mágoas da vida cotidiana.
Ele não se propõe uma "nova idade" de compromisso onde tudo será melhor sem nada mudar nos nossos hábitos, e a meditação budista não é nem uma técnica de relaxação nem uma droga para escapar da realidade cotidiana. Ele sugere ao contrario de nos interrogarmos no mais profundo de nós mesmos sobre as motivações que nos animam: nós continuamos a nos deixar dominar por nossos desejos mais imediatos, ou então nós procuramos a verdadeira paz do espírito, que só é acessível ao preço de uma grande lucidez sobre nós mesmos e de uma abertura incondicionada com relação à existência?
Armadilhados no ter, nós não "somos" jamais, na prisão mental de um universo de objetos consumáveis: a via espiritual consiste a se extrair dessa prisão e não a melhorar o conforto dela! Então não existe budismo prêt-à-porter, como o "sejam zen" da publicidade. Pois esses produtos, longe de aliviar nosso mal estar fundamental, só faria recobri-lo um pouco mais e prolongar a ilusão que a espiritualidade é apenas uma técnica de bem estar.
Uma experiência de interioridade
Diante a radicalidade da atitude budista, os Ocidentais ainda hesitam entre a vontade de percorrer um caminho espiritual autêntico, e a fascinação do exotismo e do utilitarismo. Àqueles que trocaram sua religião de origem pelo budismo se arriscam de projetar nele suas "esperas" decepcionadas. Outras gostariam de ver nele uma religião puramente racional. Mas é esquecer que o budismo se dirige a homens e mulheres vivos, animados pela fé no Buda, convencidos do fundamento positivo de sua experiência e de sua palavra. A devoção é então muito presente no budismo, assim que a compaixão universal. Essas práticas são vivenciadas como a via do coração que abre o espaço de nossa verdadeira natureza incondicionada.
Nós oramos certes aos Èveillés e aos bodhisattvas para receber ajuda e apoio, mas as divindades budistas, longe de ser simples figuras archétypales do Despertar espiritual - Èveil - são Èveillés que, - "Despertados" - tendo eles mesmos percorrido a via, nos estendem um espelho vivo em direção de nossa própria interioridade. O budismo é dessa maneira portador de uma esperança para um novo encanto do mundo.
Nesse mundo instrumentalizado, que materializa tudo a ponto de considerar a espiritualidade ela mesma como um instrumento de bem estar imediato, nós não fazemos mais a experiência da vivência pessoal para descobrir por si mesmo e se realizar. Nessa era do pensamento prêt-à-porter onde tudo nos é dado pronto para o emprego, o homem vive por procuração, privado da preciosa experiência direta. O poder da mídia suprime o caminho a percorrer, quando precisamente, é a vivência interior que nos coloca em uma relação real com as coisas. Tal é o objetivo verdadeiro do budismo no Ocidente: nos convidar a reconsiderar a existência humana percorrendo o caminho em direção de nós mesmos.
- Philippe Cornu, presidente da Universidade bouddhique européia, encarregado de curso no Inalco, autor do Dicionàrio enciclopédico do budismo (Le Seuil, 2001) et de la Terre du Buda (Le Seuil, 2004).
É dever de todo homem reagir e lutar para fugir às condições adversas que o assaltam. Todos os meios lhe são dados para isto, e esses meios, ainda que deles o homem não tome conhecimento, estão NELE.
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
O Budismo, uma vivência interior.
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