segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Moral de mestre, moral de escravo

"Não existe de maneira alguma fatos morais"

Nòs sabemos o que eu exijo do filòsofo : de se colocar muito além do bem e do mal, de colocar sob ele a ilusão do julgamento moral. Essa exigência é o resultado de um exame que eu foumulei pela primeira vez: eu cheguei a conclusão que "não existe de maneira alguma fatos morais". O julgamento moral tem em comum com o julgamento religioso de acreditar em realidades que não são realidades. A moral é apenas uma interpretação de certos fenômenos, mais uma falsa interpretação.

- Le Crépuscule des Idoles, & 1, Trad. H. Albert ( 1899). Nietzsche.

Qual é exatamente, do ponto de vista etimològico, o sentido das designações da palavra "bom" nas diversas lìnguas ? Foi então que eu descobri que elas derivam todas de uma "mesma transformação de idéias", - que em todo lugar a idéia de "distinção", de "nobreza", no sentido de categoria social, é a idéia mãe de onde nasce e se desenvolve necessariamente a idéia de "bom" no sentido "distintivo quanto à alma", e a de "nobre", no sentido de "tendo uma alma de essência superior", "privilegiado quanto à alma". E esse desenvolvimento é sempre paralelo ao desenvolvimento de "vulgar", "plebeu", "baixo", na noção de "mau".

- Généalogie de la Morale, Première Dissertation, 84, Trad. H.Albert ( 1900) Nietzsche


A revolta dos escravos na moral começa quando o ressentimento ele mesmo torna-se criador e gera valores: o ressentimento desses seres, de quem a verdadeira reação, a da ação, é proibida e que sò encontram compensação em uma vingança imaginària.
Enquanto que toda moral aristocràtica nasce de uma triunfante afirmação dela mesma, a moral do escravo opõe desde o começo um "não" ao que não faz parte dela mesma, ao que é "diferente" dela,ao que é seu "não-eu": e esse não é seu ato criador. Ce renversement du coup d'oeil appréciateur" - inspirado do mundo exterior em vez de se estabelecer sobre ele mesmo - pertence "en propre" ao ressentimento: a moral dos escravos tem sempre e antes de toda necessidade, para nascer, de um mundo oposto e exterior : é preciso para isso, para falar fisiològicamente, de estimulantes exteriores para agir; sua ação é essencialmente uma reação.
O contràrio aparece, quando a apreciação dos valores é a apreciação dos mestres: ela age e cresce espontaneamente, ela sò procura seu antìpodo para se afirmar em si-mesma com mais ainda alegria e reconhecimento [....]

- Généalogie de la Morale, Première Dissertation, & 10, Trad. H.Albert ( 1900)Nietzsche

- Tudo isso està em contradição profunda com "a felicidade" tal como a imaginam os impotentes, os oprimidos, [....] neles a felicidade aparece na forma de entorpecente, entorpecimento, repouso, paz, de "sabba", de relachamento para o espìrito e o corpo, bref sob sua forma "passiva". Enquanto o homem vive cheio de confiança e de franqueza com relação a ele mesmo [....], o homem do ressentimento não é nem franco, nem ingênuo, nem leal com relação a ele mesmo. Sua alma "louche", seu espìrito gosta dos recantos, dos "faux-fuyants" e das portas esquivas, tudo o que se esquiva o fascina, é nisso que ele encontra seu mundo, sua segurança, seu "délassement"; ele se escuta guardando o silêncio, a não esquecer, a esperar, a se rebaixar provisòriamente, a se humilhar. Uma tal raça composta de homens do "ressentimento" acabarà necessariamente sendo mais "prudente" do que qualquer outra raça aristocràtica, dessa maneira ela vai honrar a prudência com uma outra medida: ela farà disso uma condição da existência de primeira ordem. [....]

- Idem -


Não poder levar a sério durante muito tempo seus inimigos, suas infelicidades e até mesmo seus delitos - é o sinal caracterìstico das naturezas fortes, que se encontram na plenitude de seu desenvolvimento e que possuem uma "surabondance" de força plàstica, regenerativa e curativa. [....].
Ao contràrio, se nòs nos representamos o "inimigo" da mesma maneira que o concebe o homem do ressentimento - nòs constatamos que nisso reside sua proeza, sua criação pròpria : ele concebeu " o inimigo malevolente", o "maligno" na qualidade de conceito fundamental e é a esse conceito que ele imagina uma "antithèse" " o bom", que não é outro que - ele mesmo....

.- Idem -



Moral de mestre, moral de escravo


O livro La Généalogie de la morale, publicado em 1887, é um panfleto sobre " a origem de nossos preconceitos morais", seu objetivo final é de julgar o "valor" da moral. A palavra "généalogie" é nova na filosofia e Nietzsche a utiliza para ressaltar que o bem e o mal, não são valores em si, mais produtos de interpretações antigas que nòs herdamos.
Para apoiar seu argumento ele propõe uma etimologia da palavra "bom" segundo qual, de uma lìngua a outra, nòs encontrarìamos uma constante: o "bom", é o nobre, a alma superior, a aristocracia que domina o vulgar, o comum, o "mau", quer dizer o povo. Esse primeiro sinal de referência colocado, uma questão se impõe: porquê nossos "preconceitos morais" dizem mais ou menos o contràrio ? Porquê o "povo" seria o representante do "bem" ? È para responder a essa questão que Nietzsche fala da "revolta dos escravos", que se desenvolve em torno de um eixo preciso : o "ressentimento".
Esse sentimento define a disposição fundamental do escravo com relação a seu mestre. Enquanto a moral dos mestres reside na concepção positiva da superioridade deles e da felicidade que aparece, a moral dos escravos é uma reação de òdio perante o "adversàrio". Na qualidade de reação, essa moral precisa então de seu Outro para se constituir como o bem perante o "inimigo mau". Mas como é o inimigo, o mestre, que desfruta da vida e distingue naturalmente o que "lhe" é bom e mal, o escravo deve compensar: como a realidade não "lhe" traz nada de "bom", ele cria, atravéis o ressentimento, o que "é" mal ( em si) e coloca nos antìpodos o que "é" "bem" ( em si ). A moral se desprende dessa maneira da vida e se revolta mesmo contra ela: o que "nos" parece bom, nosso prazer, é necessariamente mal. A felicidade não é desse mundo, pois ela é o monopòlio dos mestres.

Contra a vida


A moral dos escravos teria nascido no judaìsmo. A lei dos judeus é para Nietzsche voltada contra a vida: ela santifica a obediência, a humildade, o arrependimento; ela luta contra os instintos em nome de valores que não são desse mundo. Graças ao apòstolo Paulo, o cristianismo conseguirà internacionalizar esse fundo judàico em vista de uma revolta de massa: são os doentes, os fracos, os oprimidos, nos diz Jesus, que são "bem aventurados". Foi dessa maneira que o cristianismo venceu Roma, incarnação pura, para o autor, dos valores aristocràticos. O socialismo constitue a ùltima grande figura da revolta dos escravos onde o instinto "grégaire" se engaja em uma nova luta contra os poderosos desse mundo.
A interpretação da moral que propõe A Généalogie, talvez a obra mais importante de Nietzsche, tem uma força de convicção surpreendente. De tal maneira que um Daniel Halévy ( 1872 - 1962 ), autor judeu e socialista que contribuiu muito na difusão do pensamento de Nietzsche na França, reinvindicava essa força de convicção. E si as teses sobre as origens judaïques da moral dos "mestres", puderam ser facilmente recuperadas pelos nazistas ( apesar do "anti-semitismo" visceral de Nietzsche ) , é também do lado dos intelectuais de esquerda que nòs procuramos, durante os anos 1960 e influenciados pela interpretação do pensamento de Nietzsche proposta por Gilles Deleuze, a propor os valores emancipadores que não são oriundos de uma moral simplesmente "ré-active" com relação a classe dominante.

F.G

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