domingo, 28 de outubro de 2007

François Guizot ( 1787 - 1874 )


" Se fazendo reconhecer, a superioridade se faz obedecer "

Peguem homens livres, independentes, estrangeiros a toda necessidade anterior de subordinação alguns com relação aos outros, unidos unicamente pelo interesse de um objetivo comum; peguem as crianças nas suas brincadeiras que são o assunto delas. No meio dessas associações voluntàrias e simples, como nasce o poder ? para quem vai ele na sua inclinação natural e pela confissão de todos ? ao mais corajoso, ao mais hàbil, àquele que se faz acreditar o mais capaz de exerce-lo, quer dizer de satisfazer ao interesse comum de realizar o pensamento de todos. Enquanto nenhuma causa exterior e violenta não venha incomodar o curso espontâneo das coisas, é o bravo que comanda, o hàbil que governa. Entre os homens abandonados a eles mesmos e as leis de sua natureza, o poder acompanha e revela a superioridade. Se fazendo reconhecer, ela se faz obedecer.
Esta é a origem do poder; não existe outra. A superioridade sentida e aceita, é o elo primitivo e legìtimo das sociedades humanas; é ao mesmo tempo o fato e o direito, é o verdadeiro, o ùnico contrato social. [....] Porque se a sociedade não é destinada a desaparecer, cedo ou tarde é preciso que ela triunfe, quer dizer que o poder escape às superioridades que se tornaram falsas ou antisociais, para passar às superioridades novas que provarão que elas o merecem, e o exercerão no interesse dos povos por quem elas serão aceitas.
Eis nisso todo o segredo das revoluções, todo o objeto dos governos livres. È, em particular, o ùltimo objetivo como princìpio fundamental do governo representativo. Ele se propõe precisamente de estabelecer, entre a sociedade e o poder, a relação natural e legìtima deles, quer dizer de impedir que o poder permaneça em direito onde ele não existe mais em fato, de o fazer constantemente cair nas mãos das superioridades reais e capazes de exerce-lo segundo sua destinação.
Les chambres, a publicidade dos debates, as eleições, a liberdade da imprensa, o jury, todas as formas desse sistema, todas as instituições que nòs encaramos como suas consequencias necessàrias, têem por objetivo e por resutado de " fouiller" ( 1 ) sem cessar na sociedade, de ressaltar as superioridades de todos os gêneros que ela contem, de leva-las ao poder, a apòs tê-las colocado nele, de obriga-las a merece-lo sob a ameaça de perde-lo, obrigando-as a utilizar esse poder publicamente e por meio de vias acessìveis a todos.
Sistema admiràvel, pois ele é conforme a verdade das coisas, pois ele resolve o problema da aliança do poder com a liberdade; de um lado, sò concedendo o poder à superioridade, por outro lado, impondo a essa superioridade a lei de se provar ela mesma, de se fazer constantemente aceitar.

- Des Moyens de Gouvernement e D'Opposition dans l'Ètat Actuel de la France-
François Guizot ( 1821 )

Nota 1 - Fouiller - [fuje] vtr revistar; vi procurar.

[......] È preciso sacudir o jugo das palavras e ver os fatos da maneira que eles são realmente. A França é ao mesmo tempo muito nova e repleta do passado. Sob o império dos princìpios de unidade e de igualdade que presidem à sua organização, ela encerra condições sociais e situações polìticas profundamente diversas e desiguais. Não existe classificação hieràrquica, mas existem classes diferentes. Não existe aristocracia propriamente dita, mas existe outra coisa que a democracia.

- De la Démocratie en France -François Guizot ( 1849 )



F. Guizot ou o elitismo esclarecido


Ministro na monarquia de Julho, historiador e teòrico " à la source de l'orléanisme", François Guizot ( 1787 - 1874 ) elabora um pensamento dirigido para a ação, um liberalismo demasiadamente singular que vê na potência do Estado a melhor garantia das liberdades. Seu ensaio, Des moyens de gouvernement et d'opposition dans l'état actuel de la France ( 1821 ), possui a força de um manifesto, o Antigo Regime aristocràtico e a democracia naissante se encontram rejeitados em um mesmo movimento.


A "superioridade sentida"


No extrato acima, Guizot se dirige a uma oposição liberal que ele julga sem ambição, excitando-a a desejar o poder. Estabelecendo uma equivalência entre o comportamento dos homens livres e o das crianças, ele concebe um poder essencialmente natural e bom. È preciso ressaltar que ele considera os homens em grupo, e não o indivìduo singular. Para Guizot, existe interpenetração entre o poder e a sociedade, que nascem juntos da " superioridade sentida e aceita". Um certo mistério, uma sorte de religiosidade laïque, envolve esse sentimento de reconhecimento que induz à obediência. O "verdadeiro e ùnico contrato social" não é o fruto do consentimento entre os homens, mas esse elo social que constròi quase de uma maneira màgica essa " superioridade sentida"
A maneira pela qual Guizot descreve a eletricidade, a força viva que anima a sociedade, é particularmente original. O governo funciona como um empreendimento de discernimento, as instituições liberais e representativas tendo por função de extrair da sociedade a razão pùblica que é a ùnica que tem o direito de governar. O verbo "fouiller" exprime com força suficiente o caràter ativo da representação.
A legitimidade do poder, sempre a provar, reside na compreensão que o governo tem do povo governado. Essa recusa de conceder ao poder a soberania do direito é propriamente liberal. Nesse tipo de liberalismo, o conhecimento do social passa assim pelo Estado e seus meios administrativos. Governar consiste a se introduzir em um sistema de necessidades, de interesses e de opiniões. Na obra de Guizot essa concepção dinâmica e viva liga o poder a noção de eficacidade. Ora, a sociedade e os corpos do Estado são intimamente ligados. È então da competência do poder pùblico de determinar quais são os homens mais "capazes" para governar. Guizot insiste no caràter benéfico da desigualdade, fonte de complémentarité e de equilibrio. A igualdade sò poderia dar origem a um estado conflitual.
Ele também permanece convencido dos efeitos positivos do sufràgio censitaire que permite de reprimir o sufràgio ignorante. Ele convida dessa maneira a elite liberal a admirar um sistema que ele sabe " conforme a verdade das coisas". Onde a classe média se distinguiria em virtude de um critério objetivo. Onde a razão seria imposta com a força da evidência.....


Contra a democracia


Afastado do poder apòs a revolução de 1848, triste e indignado, Guizot continua a sonhar, no livro De la Démocratie en France ( 1849 ), dessa "aristocracia verdadeira" que não tem mais legitimidade na sociedade. Se seu pensamento, obstinadamente hòstil à democracia, nos parece estrangeiro, suas intuições sobre a legitimação pelo social, sobre a importância dos grupos de interesse ou sobre a função estruturante do Estado, continuam vivas na França do século XX. Valéry Giscard d'Estaing reinvidicava tudo isso quando ele pretendeu examinar o "paìs real". A intuição da legitimação pelo social se difundirà igualmente no seio da esquerda, principalmente na social-democracia.


- Olivia Leboyer, professora a l'IEP de Paris -

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