sábado, 18 de agosto de 2007

Revolução e liberdade.

"A liberdade é a mais alta destinação do espírito humano"

A liberdade universal não pode então produzir nem uma obra positiva nem uma operação positiva; [.....] ela é apenas a fúria da destruição. [.....] A única obra e operação da liberdade universal é então a morte, uma morte [.....] que não ealiza nada, pois o que é negado, é o ponto vazio de conteúdo, o ponto de Sí mesmo absolutamente livre. É dessa maneira a morte mais fria e a mais plana, sem outro significado que o de cortar uma cabeça de repolho ou engolir um gole de água.
É na "platitude" dessa sílaba sem expressão [a "morte"] que reside a sabedoria do governo, o entendimento da vontade universal, sua realização. O governo é ele mesmo nada mais que o ponto que se fixa ou a individualidade da vontade universal. O governo, uma decisão e uma execução que procede de um mesmo ponto, quer e executa ao mesmo tempo uma ordem e uma ação determinadas. Ele exclui então de um lado os outros indivíduos de sua operação, e por outro lado ele se constitui ele mesmo como tal que ele seja uma vontade determinada, e por essa razão oposto a vontade universal. O governo não pode então se apresentar de outra maneira do que como uma facção. O que nós chamamos governo, é apenas a facção vitoriosa, e justamente no fato de ser uma facção se encontra imediatamente a necessidade de seu declínio; e o fato que ela esteja no governo a torna inversamente facção e culpada. Se a vontade universal se limita a ação efetiva do governo como ao crime que ele comete contra ela, então o governo, ao contrário, não tem nada de determinado ou de exterior por onde o erro da vontade oposta a ele se manifestaria, pois na frente dele, como a vontade universal efetiva, só existe a pura vontade ineficiente, a intenção. Ser suspeito se substitui a ser culpado, ou em significação e no efeito; e a reação externa contra essa efetividade que reside no interior simples da intenção consiste na destruição brutal desse "Si próprio" no elemento do ser de quem nós não podemos tirar nada mais do que seu próprio ser.

- A Fenomenologia do Espírito, Tome II, VI ("O Espírito") - Hegel - Trad. F. Hyppolite, Aubier - Montaigne, 1941 -


Estética

A faculdade mais elevada que o homem possa encerrar nele mesmo, nós chamamos com uma única palavra, a liberdade. A liberdade é a mais alta destinação do espírito humano. Ela consiste no fato que o sujeito não encontra nada de estrangeiro, nada que o limite no que está na frente dele, mas onde ele se encontra em si mesmo. Está claro então que a necessidade e a infelicidade desaparecem. O sujeito está em harmonia com o mundo e se satisfaz nele. Aqui expira toda oposição, toda contradição. Mas essa liberdade é inseparável da razão em geral, da moralidade na ação e da verdade no pensamento. Na vida real, o homem tenta primeiro destruir a oposição que está nele através da satisfação de suas necessidades físicas. Mas tudo nesses prazeres é relativo, limitado, terminado. Ele então procura em outro lugar, no domínio do espírito, a encontrar a felicidade e a liberdade através a ciência e a ação. Pela ciência, com efeito, ele se liberta da natureza, apropria-se dela e a submete a seu pensamento. Ele torna-se livre através a atividade prática realizando na sociedade civil a razão e a lei com as quais sua vontade se identifica, longe de ser escravizado por elas. Contudo, se bem que, no mundo do direito, a liberdade seja reconhecida e respeitada, seu lado relativo, exclusivo e limitado é evidente em tudo; em tudo ela encontra limites. O homem então, encerrado por todas as partes no término e aspirando a se libertar, ele dirige seus olhares em direção de uma esfera superior mais pura e mais verdadeira, onde todas as oposições do término desaparecem, onde a liberdade, se desenvolvendo sem obstáculos e sem limites, atinge seu objetivo supremo. [.....] Se elevar pelo pensamento puro a inteligência dessa unidade, tal é o objetivo da filosofia.

- Estética (Póstumo, 1835), tome I, - Hegel - Trad. C. Béhard, Germer - Baillère, 1875 -


Revolução e liberdade

Quando começa a Revolução francesa em 1789, Hegel tem 18 anos. No seminário de teologia em Tübirigen onde ele estuda, as noticias do outro lado da Alemanha circulam secretamente. La Marseillaise é traduzida em segredo; Hegel participará na plantação das árvores da Liberdade. Os intelectuais da época esperam que esse vento de liberdade patriótico soprasse em breve na Alemanha, que está nessa época dividida em múltiplas "principautés" dominadas por governos muitas vezes autoritários. Mas os anos passam e na França, o sangue não pára de escorrer. Porque?


Interpretação do Terror

No livro A Fenomenologia do Espírito, publicado em 1807 no momento em que Napoleão que Hegel admira entra na Iéna, a cidade onde Hegel ensina e também onde ele propõe uma interpretação original desses acontecimentos. O problema se situa segundo ele na maneira pela qual a liberdade é reivindicada. De um lado, a vontade geral reclama a liberdade e a igualdade para todos. De outro lado, os revolucionários são levados a falar em nome da vontade geral. Um conflito se instaura por essa razão entre a consciência singular e a consciência universal. Quando eles procuram encarnar a vontade geral, os revolucionários se tornam de fato os partidários de uma facção política. Ora quem diz facção política diz fração da vontade geral, e toda facção torna-se suspeita diante a facção governante. Esse mecanismo dá origem em 1793 à política de salvação pública e ao reino do Terror. Uma simples desconfiança de divergência é suficiente para uma condenação a morte. Hegel tenta então decifrar o célebre slogan revolucionário "a liberdade ou a morte", ele associa a morte a vontade de suprimir todo "particularismo", esses particularismos políticos e sociais que eram um dos fundamentos do Antigo Regime. Se a liberdade absoluta dos revolucionários conduz a morte, é porque ela é a negação pura do particularismo. A morte, escreve Hegel, é o "vazio". Nesse vazio, nada pode subsistir. A liberdade é proclamada, mais ela torna-se destruição.
A Revolução francesa se desenvolve nesse contexto. Os revolucionários não conseguem concretizar a liberdade absoluta. As instituições não conseguem assegurar a liberdade de todos. Para Hegel, a lição é clara: a verdadeira liberdade de um Estado supõe um sistema racional do direito e uma separação dos poderes, concretizados por instituições duráveis, independentes dos indivíduos que são encarregados delas.
A liberdade consiste, nesse contexto, a reconhecer a racionalidade das leis e das instituições, das quais o cidadão se submete e aproveita delas. Será a responsabilidade dos pós-revolucionários de realizar esse objetivo.


O Tornar-se do Espírito

A filosofia de Hegel é dessa maneira animada pela convicção, que ele compartilha com sua geração, que o espírito é universal e livre. A liberdade é a "destinação" do homem (ver o segundo texto de Hegel, Estética). Para Hegel, se o homem é livre por essência, ele deve também tornar-se livre nos fatos. Esse trabalho do espírito se inscreve no tempo da história, e a Revolução Francesa marca uma das etapas essenciais, mesmo se ela se acompanha de uma "fúria da destruição". Por essa análise, Hegel consegue conceituar a derrapagem da Revolução em direção ao Terror. Análise muito atual e que pode levar a se questionar, após o historiador François Furet (1927-1997), se essa derrapagem não seria de ordem estrutural e conceitual, inerente então a toda revolução, sejam quais forem os atores e as reivindicações......

- F.G -

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