segunda-feira, 16 de abril de 2007

Legitimidade e autoridade

"A legitimidade da autoridade depende de seu objeto e da sua fonte"

É preciso distinguir cuidadosamente um do outro os dois princípios de Rousseau. É preciso reconhecer o primeiro. Toda autoridade que não emana da vontade geral é incontestavelmente ilegítima. É preciso rejeitar o segundo. A autoridade que emana da vontade geral não é legítima apenas por isso, qualquer que possa ser sua extensão e sejam quais forem os objetos sobre os quais ela se exerce. O primeiro desses princípios é a verdade mais salutar, o segundo é o mais perigoso dos erros. Um é a base de toda liberdade, o outro a justificação de todo despotismo.
Em uma sociedade na qual os membros geram direitos iguais, é uma certeza que nenhum desses membros isoladamente pode fazer leis obrigatórias para todos; mas é falso que a sociedade inteira possui essa faculdade sem restrição. A universalidade dos cidadãos é o soberano, quer dizer que nenhum indivíduo, nenhuma fração, nenhuma associação parcial pode se arrogar à soberania sem que esta lhe tenha sido delegada. Mais isso não significa que a universalidade dos cidadãos ou daqueles que são investidos do exercício da soberania, possam dispor através essa soberania da existência dos indivíduos. Existe, ao contrário, uma parte da existência humana que, por necessidade, fica individual e independente e que é, do seu direito, fora de toda competência social.
A soberania só existe de uma maneira limitada e relativa. No ponto onde começa a independência da existência individual, cessa a jurisdição dessa soberania. Se a sociedade ultrapassa essa linha, ela torna-se culpada de tirania da mesma maneira que o déspota, que só tem por título o gládio exterminador. A legitimidade da autoridade depende de seu objeto da mesma maneira que ela depende de sua fonte. Quando essa autoridade se estende sobre os objetos fora de sua esfera, ela torna-se ilegítima. A sociedade não pode exceder sua competência sem ser usurpadora, a maioria sem ser facciosa.
O assentimento da maioria não é suficiente em todas as circunstâncias para dar a seus atos o caráter de lei. Existem atos que nada pode revestir desse caráter. Quando uma autoridade qualquer levanta uma mão atentadora sobre a parte da existência individual que não é de sua competência, pouco importa de qual fonte essa autoridade se diz emanar, pouco importa que ela se chame indivíduo ou nação. Ela seria a nação inteira, menos o cidadão que ela humilha, que ela não seria mais legítima. Se nós olhamos essas máximas como perigosas, então seria bom refletir que o sistema contrário autoriza igualmente os horrores de Robespierre e a opressão de Calígula.

- Principes de politique applicables à tous les gouvernements (1806)

- Princípios de política aplicáveis a todos os governos - Texto estabelecido por Etienne Hofmann, d'après les manuscrits de Lausanne et de Paris, Droz 1980 - Benjamin Constant.


SOBERANIA LIMITADA


Benjamin Constant e a soberania limitada

O fato mais importante da existência de Benjamim Constant (1767- 1830) reside em sua estadia na Suíça no seio do grupo de Coppet, com Mme. de Staël, filha de Necker, o ex-ministro de Louis XVI. Ele fica de 1795 até 1810, época de transição na elaboração de seu liberalismo político. A grande questão que preocupará Constant, desde essa época, e que ele procura resolver durante toda sua obra, é a seguinte: como instituir a soberania do povo ou da nação protegendo ao mesmo tempo o cidadão contra o risco de ver seus direitos individuais ameaçados por seus representantes? Extrato dos "Princípios de política aplicáveis à todos os governos" (1806), o texto apresentado aqui expõe uma das respostas avançadas por Constant, à fim de resolver esse enigma: a teoria da soberania limitada, que ocupa um lugar central na sua obra.


Vontade geral e indivíduo

Para Benjamin Constant, que se opõe aqui a Rousseau, a idéia da soberania do povo não corresponde a idéia de uma onipotência popular, quer dizer de um direito ilimitado que poderia se exercer de encontro a liberdade individual - "tanto é verdade que não é em desconsiderando os direitos do povo, que nós aumentamos a força real e legítima do governo e que é impossível inventar uma organização estável, afastando-se dos princípios sobre os quais repousa a liberdade", escreve ele nos seus "Princípios de política (livro XV, cap. 5). O reconhecimento de Constant do princípio de soberania do povo proíbe de ver nele o defensor de um liberalismo que seria incompatível com o ideal democrático do governo livre. No entanto, garantir a cada um a função de sua liberdade no seio da esfera privada supõe que nós devemos assentar limites ao exercício da soberania.
Assim, se toda reflexão sobre o poder deve levar em consideração a questão do fundamento da legitimidade da autoridade política (e isso a fim de responder a questão: de que maneira o representante exerce os direitos de soberania?), é preciso igualmente considerar a maneira pela qual a autoridade é exercida. Na realidade é indispensável de traçar uma linha de partilha entre um governo moderado e um poder absoluto que não hesitaria a pôr em perigo a liberdade e os direitos do indivíduo. Constant faz assim "direito" ao mesmo tempo a exigência democrática do consentimento popular - como fonte do poder e fundamento da legitimidade política, mas igualmente a exigência liberal da limitação da autoridade governamental pelo reconhecimento e a garantia dos direitos individuais.


Contra-poderes

Sua reflexão sobre a articulação da democracia com o liberalismo representa uma contribuição de primeiro plano para o pensamento político liberal. Constant procurou dar uma solução a um problema muito importante: como superar o conflito que pode opor os ideais democráticos e liberais, e harmonizá-los? É essa questão que nós encontramos no coração do pensamento político europeu: Na França, com Alexis de Tocqueville, na Inglaterra com John Stuart Mill, mas também na Itália, no século XIX, com autores como Giuseppe Mazzini ou, nos dias de hoje, com Norberto Bobbio.
Esse problema de articulação entre liberalismo e democracia é ainda atual na França: apesar dos avanços reais como o aumento da potência do Conselho constitucional ou a aceleração do processo de descentralização, o Estado francês tem dificuldades na realidade a aceitar a existência de contra-poderes verdadeiros. As relações de dominação entre o poder executivo e a justiça são um exemplo.

- Thierry Chopin, autor de Benjamin Constant: O liberalismo inquieto - (Michalon, 2002).

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