segunda-feira, 30 de julho de 2007

DESIGUALDADE SOCIAL E ENVELHECIMENTO: DESAFIO PARA O NOVO MILÊNIO.


INTRODUÇÃO

DESIGUALDADE SOCIAL: FENÔMENO NATURAL

CONDIÇÃO DA MULHER

RAÇAS

CASTAS

ESCRAVIDÃO

ZONA RURAL E FAVELAS

SOCIEDADES ANIMAIS

HIERARQUIA

DESEMPREGO

ENVELHECIMENTO

FENÔMENO SOCIAL

PREOCUPAÇÃO RECENTE

CARACTERÍSTICAS PESSOAIS

DESVANTAGENS DOS IDOSOS

PERSPECTIVAS DEMOGRÁFICAS

PREVIDÊNCIA SOCIAL

DOIS LIVROS E DOIS ARTIGOS

DESAFIO MILENAR

MILENAR OU ETERNO?

CONDIÇÃO HUMANA

PERSPECTIVA OU ASPIRAÇÃO?

QUALIDADE DE VIDA

CONCLUSÃO

DESAFIO AO LADO DE OUTROS

MÍNIMO VITAL SATISFATÓRIO



Introdução


Dada a natural complexidade do nosso tema, parece adequado procurar definir com suficiente precisão seu conteúdo semântico. Ou seja, que se deve entender aqui por desigualdade social? E por envelhecimento? Quanto a desafio e novo milênio naturalmente não há dúvida.
Desigualdade social costuma ser sobretudo o negativo reflexo de condições econômicas acentuadamente diferentes. Salvo engano, é nesse indesejável sentido que devemos enfocá-la, sem prejuízo da atenção devida a fatores também básicos como saúde e educação, além de outros menos relevantes.
Assim, numa sociedade cujos membros desfrutem todos de razoáveis condições econômicas, saúde satisfatória e aceitáveis índices educacionais, dificilmente ocorrerão níveis preocupantes de desigualdade social. Uma organização política racional raramente deixa de contribuir nesse sentido.
A religião costuma ser outro fator significativo, com governos teocráticos acarretando discriminação contra quem pertença a credo diverso, ainda que apenas informalmente.
É considerável também o número de países, em geral subdesenvolvidos, onde a questão étnica conduz a diferenças sociais radicais e não raro desumanas. Conflitos raciais parecem ter ocorrido ao longo de toda a história da humanidade, porém recentemente têm sido mais freqüentes e, sobretudo, mais violentos e trágicos.
Não podemos esquecer que ainda existem países de razoável ritmo de desenvolvimento, como a Índia, onde subsiste o odioso sistema de castas, frontalmente incompatível com a igualdade social e estranho até mesmo em termos de condição humana.
Repetindo, tudo isso tem de ser considerado quando se cogita de desigualdade social, especialmente como um desafio específico para o novo milênio.
No tocante a envelhecimento, a primeira observação é que o termo também está sendo usado aqui no seu significado global, de conjunto da população. O envelhecimento individual não é menos importante, é talvez até mais complexo e, naturalmente, faz parte do todo. Entretanto, não é dele que se trata nesta oportunidade.
A esse respeito vale lembrar a curiosa ponderação de alguns demógrafos: é claro que sempre houve velhos, mas só ultimamente o seu crescente número despertou atenção para o fenômeno social do envelhecimento. Dito de outra maneira, assim como antes a gerontologia cuidava das pessoas idosas, hoje a demografia e a sociologia se ocupam do número cada vez maior delas, da progressiva e preocupante participação da velhice na composição demográfica da população.
Tendo procurado interpretar o real significado terminológico do que considero as duas preliminares do nosso tema, passo ao cerne dele, ou seja, o que elas representam como desafio para o novo milênio.


Desigualdade social: Fenômeno natural

Já temos idéia do significado de desigualdade social para o nosso presente objetivo: em última análise, reflexo ou efeito de condições econômicas muito diversas. Entretanto, ainda a propósito do sentido da expressão, parece conveniente lembrar que a rigor a desigualdade social não deixa de ser um fenômeno natural.
A razão de ser desta ponderação está no fato de que a desigualdade talvez não esteja menos ligada à natureza, à condição humana, animal e portanto natural. Quando os seres humanos passaram a reunir- se em coletividade, simultaneamente nasceu a desigualdade entre eles.
Era cedo para se falar em sociedade, mas decerto foi ainda nas hordas primitivas que nasceu a desigualdade, de início apenas entre indivíduos, porém logo evoluindo para a formação de grupos distintos uns dos outros. Quando o conjunto dos grupos iniciais evoluiu para sociedades formais, embora rudimentares, a desigualdade entre eles passou a caracterizar-se mais formalmente.
A evolução da ordem social progrediu e com ela as diferenças entre grupos cujo somatório passou a constituir o complexo fenômeno da desigualdade social, cada vez mais acentuada e chocante. Daí a necessidade, antes enunciada, de não a interpretarmos como propriamente social apenas.


Condição da mulher

É auspicioso poder começar o desenvolvimento do tema com o que pode ser considerado o fato mais importante de toda a história da evolução da sociedade: a condição social da mulher, cada vez mais coerente com a natureza humana e com a ordem natural das coisas.
Hoje homens e mulheres têm situação praticamente igual na sociedade, porém nem sempre foi assim. Ao contrário, foram necessários milênios, mediante conquistas graduais e avanços sucessivos, para chegar onde estamos, quando falta muito pouco, se é que falta algo, para novas conquistas e avanços.
Metade da humanidade, o sexo feminino, venceu as barreiras que a separavam da outra metade, os homens, em matéria de condição social. As diferenças ainda existentes a rigor são apenas conseqüência das características de cada sexo.
Repetindo, já não existe, do ponto de vista social, distinção entre homem e mulher. Nesse sentido, não ocorre desigualdade social, nem entre idosos nem em qualquer idade, e isso simplifica substancialmente o desafio para o novo milênio ou qualquer outro.
Mais específica porém de menor monta é a situação dos idosos de vários países orientais, principalmente o Japão, onde em geral lhes dispensam atenção especial e tratamento respeitoso. Isso também afasta por completo a idéia de desigualdade social em sentido negativo e até, pelo contrário, envolve tratamento privilegiado. Porém essa desigualdade às avessas já foi mais generalizada e hoje, bastante atenuada, parece estar desaparecendo.


Raças


Por outro lado, uma das mais odiosas causas de desigualdade social, pela sua natureza, seu porte e, conseqüentemente, seus malefícios, parece ser o preconceito racial. Seus perversos efeitos são bem conhecidos, inclusive no nosso País, embora tenhamos a ilusão nem sempre sincera de que o problema nos é estranho.
Sem falar em outros de menor monta, o caso mais flagrante nesse particular são os Estados Unidos, que não conseguem estender a significativa parcela dos seus milhões de habitantes a democracia que tanto propalam, arvorando-se em exemplo para o mundo.
Uma vez que para desenvolvimento do tema deste trabalho devemos entender desigualdade social com relação à humanidade como um todo, o preconceito racial desde logo afasta dessa noção uma parte dos seres humanos com tanto direito a isso como quaisquer outros.


Castas

O sistema de castas, lamentável como todas as demais formas de desigualdade social, é, talvez, o mais estranho pela sua cruel irracionalidade.
Consiste, conforme sabemos, na divisão da população em faixas basicamente estanques e hierarquicamente superiores umas das outras. Quem nasce em uma casta permanece nela até o fim da vida e só em casos muito especiais pode passar para outra. Não pode, digamos, casar com pessoa de outra casta.
Salvo engano, elas existem em alguns países asiáticos, porém é na Índia, o segundo país do mundo em população, que essa insólita divisão de pessoas, de seres humanos, é mais formal e mais rígida. Causa espécie o fato de a Índia, que sob mais de um aspecto hoje se desenvolve rapidamente, não ter conseguido até agora livrar-se de uma estrutura social arcaica, descabida e revoltante.
Trata-se de uma forma explícita de desigualdade social e ao mesmo tempo prova de insanidade do ser humano no que concerne a um dos aspectos mais importantes da sua existência. Não dá para entender que as castas ainda convivam com os inegáveis progressos daquele país, constituindo base de uma odiosa ordem social, como se vê, por exemplo, na excelente reportagem “Índia – Avanço, não de tigre, mas de elefante”, de Carlos Graieb.


Escravidão

A pior forma de desigualdade social talvez seja a escravidão. As castas, por exemplo, dividem em grupos hierarquicamente distintos seres humanos pelo menos teoricamente livres, ao passo que na escravidão umas pessoas pertencem a outras, como se fossem coisas.
A situação já foi mais grave, pois no passado esse estranho vínculo de propriedade era legal e socialmente reconhecido, ao passo que hoje ele ainda existe clandestinamente aqui e ali. No nosso próprio país costumam ser descobertos em propriedades florestais outros sórdidos casos de virtual escravidão. Existe pelo menos uma obra sobre Crime de escravidão, de Wilson Prudente.
O racismo é encontrado sobretudo em países onde já houve escravos, razão pela qual foi apontado por mais de um sociólogo como uma espécie de castigo histórico. Não podemos, entretanto, deixar de lembrar que em muitos casos escravos brasileiros e norte-americanos não eram apresados pelos traficantes deles, porém comprados de bárbaros chefes autocráticos das tribos africanas a que pertenciam. É difícil cogitar desse triste comércio sem evocar as duas belas poesias de Castro Alves O navio negreiro e Vozes d’África.


Zona rural e favelas

Condições insatisfatórias de vida e, mais especificamente, habitação precária, são importantes fatores de desigualdade social. No Brasil e na maioria dos demais países em situação semelhante as choupanas da zona rural a rigor não podem ser consideradas moradias. E pelo menos aqui os acampamentos do chamado “Movimento dos Sem Terra” decerto são piores ainda, embora neste caso haja aspectos especiais a considerar no tocante a desigualdade social.
Na periferia das cidades, onde vive praticamente o grosso da população urbana, as péssimas condições de vida vêm sendo severamente agravadas pela violência. A televisão, cada vez mais generalizada, ameniza um pouco a situação, apesar dos inconvenientes de alguns programas, apontados por sociólogos e educadores.
Em alguns países mais pobres da Ásia e sobretudo da África a rigor não existem condições de vida no sentido dessa expressão para quem não vive aí. Os meios baixíssimos de subsistência são dramaticamente agravados pela crueldade da ditadura que impera na virtual totalidade deles. Nesses países em verdade não existe ordem social, o que torna difícil cogitar de desigualdade social, restringindo o objeto deste estudo ao conjunto das sociedades onde ela existe.
“Desigualdade social divide campo e cidade na China”, segundo Gilberto Scofield Jr., em artigo com a epígrafe “Crescimento acelerado e bem-estar ainda não chegaram nas áreas rurais do país, onde vivem 61% da população”. Scofield informa que, de acordo com a ONU, “nos últimos 25 anos a desigualdade social dobrou ali”.


Sociedades animais

Voltando à natureza da desigualdade social parece lícito recordar que o ser humano não é o único a viver em sociedade e, mais importante, não se tem notícia de sociedades uniformes de animais nas quais não exista deliberada e essencial desigualdade.
O caso clássico é o das formigas, execráveis pelos danos que causam principalmente às plantas, porém admiráveis pelas lições que nos dão no tocante à racionalidade da divisão do trabalho nos seus formigueiros e à rígida hierarquia que separa as dirigentes da massa anônima das trabalhadoras. Outro exemplo não menos clássico são as abelhas, tão úteis quanto as formigas são nocivas, que o belga Maurício Maeterlinck popularizou no conhecido livro A vida das abelhas.
Não é só na modesta área dos insetos que existem exemplos expressivos de ordens internas em que a ocorrência de desigualdade social é indispensável para a sobrevivência. No outro extremo em matéria de dimensões, um bom exemplo, embora aí a desigualdade dentro dos grupos seja antes individual do que social, são algumas espécies de baleias.
Muito conhecido, também, é o caso das galinhas. Lembro-me de ter lido em mais de uma fonte que, reunidas no mesmo galinheiro umas dez delas de diferentes origens, dentro de poucos dias elas se organizam em ordem hierárquica, inclusive para acesso à comida. O que não me lembro de ter lido é sobre o papel do galo no caso.
Um zoólogo nos daria outros exemplos, mas não me parece necessário. O que pretendo aqui é apenas recordar que não é só na espécie humana que existe alguma forma de desigualdade social e que no fundo esta tem muito de natural, ainda quando individual ou coletiva.


Hierarquia

Convém não esquecer que desigualdade social é expressão de sentido amplo e complexo, que abrange modalidades diversas do fenômeno. Já vimos que no fundo ela significa a soma de outras desigualdades, a começar pela econômica. Importante entre elas é a hierarquia, sobretudo em unidades sociais de vulto, como forças armadas, religiões, grandes empresas. Aí e em outras entidades não é raro que posições hierarquicamente mais elevadas, com condições especiais favoráveis, criem situações de virtual desigualdade social com relação a grupos internos mais numerosos. Entretanto, trata-se de modalidade só condenável quando essas discrepâncias passam da conta, fugindo à sua natureza de medidas necessárias e compreensíveis.
Quando se fala em religiões como exemplos de hierarquia, é claro que não se trata das crenças, conceitos e valores de cada credo. O que se tem em mente é sua parte leiga, sua estrutura administrativa, se assim se pode dizer; é a sua igreja. Nesse sentido é bem conhecida a composição hierárquica da igreja católica, desdobrada numa escala que vai basicamente desde os padres até o Papa.
Entretanto, também encontramos hierarquia no lado místico de algumas religiões, fora e acima, portanto, do que constitui mais propriamente sua igreja.
Restringindo-nos de novo à área da igreja católica, que conhecemos melhor, sabe-se que existem nove categorias de anjos, formalmente escalonadas. Vejamos, a título de curiosidade, quais são elas, em ordem decrescente de posição hierárquica: serafins, querubins, tronos, dominações, virtudes, potestades, principados, arcanjos e anjos.


Desemprego

Enumerei aqui sucintamente alguns dos principais fatores de desigualdade social, procurando caracterizar a importância de cada um no conjunto deles.
Deliberadamente deixei para o fim o que talvez seja o mais importante de todos e o mais diretamente ligado ao desafio para o novo milênio. Independentemente de sua relação com a desigualdade social, em qualquer idade, ele se apresenta como algo extremamente negativo, para o que ainda não se encontrou solução satisfatória.
Sabemos que a primeira condição de membro ativo da sociedade é a posse de meios para na realidade integrá-la. Também sabemos que o meio básico para isso é um razoável rendimento econômico, que possibilite contribuir para o custeio da existência dela. Quem não dispõe dessa condição essencial não deixa de pertencer por completo à coletividade social respectiva, porém já não é um participante regular, pleno, e sim um membro dependente. Igualmente não desconhecemos que o rendimento da grande maioria das pessoas provém de um emprego. Na falta deste tudo muda para pior e é nesse sentido que a inexistência do emprego acarreta inexorável desigualdade social. Já se disse, entre outras coisas, que o desempregado é um cidadão incompleto. É óbvio que se a pessoa tem outro rendimento o problema não ocorre.
Como se não bastasse sua crucial importância intrínseca, as atuais perspectivas de emprego não poderiam ser mais desalentadoras. Por um perverso paradoxo, as causas do crescente desemprego – avanços das ciências e sobretudo da tecnologia – são altamente auspiciosos e desejáveis, além de incoercíveis.
Alguns sociólogos do trabalho chegam a falar apocalípticamente na morte do emprego, assim entendida a drástica redução das oportunidades de trabalho e a substituição dos cargos remanescentes por relações e condições de emprego completamente diferentes das que conhecemos. Por exemplo, o consultor de empresas Ricardo Neves intitula assim um artigo seu: “O emprego já era!”
Resumindo e repetindo, a desigualdade social está ligada muito de perto a complexos fatores, por sua vez vinculados à natureza humana e à ordem social, ou socioeconômica, o que os torna partes do todo. O desemprego está entre eles, sendo provavelmente o mais crucial de todos.


Envelhecimento: Fenômeno social

Assim como a desigualdade social pode e na realidade deve ser considerada fenômeno natural, o envelhecimento é em última análise um fenômeno social. Tal entendimento se aplica mais precisamente ao envelhecimento individual, porém este constitui por assim dizer a base do outro.
Nesse sentido, quando consideramos envelhecimento o efeito do conjunto de numerosas pessoas idosas, da coletividade formada por elas, só aí temos o que se pode entender como envelhecimento social. É este, salvo engano, o desafio de que trata o nosso tema.
Os que chamam atenção para a natureza social do envelhecimento costumam recordar que na natureza não há velhos; nem sequer no reino vegetal.
Apenas a sociedade mantém vivo o ser humano que já não dispõe de condições para sobreviver por conta própria. Além do que isso significa em termos pessoais e familiares, o envelhecimento, criado pela sociedade, tem várias implicações, a começar pelas que dizem respeito à previdência social, focalizadas mais adiante.


Preocupação recente

Em termos históricos pode-se considerar recente a preocupação com o envelhecimento como fase e aspecto especial da vida humana e, mais precisamente, da ordem social. Costuma-se dizer, com propriedade, que sempre houve velhos, porém que a velhice como tal, com o elevado número deles, só ultimamente passou a ser objeto de atenção e estudo. Essa preocupação recente cresce em ritmo acelerado, podendo-se talvez dizer que o seu crescimento não é menos rápido que o da coorte de idosos. Um terceiro crescimento muito importante no caso é o da duração da vida humana, que faz com que os idosos, além de crescerem mais quantitativamente, sobrevivam por mais tempo.


Características pessoais

Na medida em que, repetindo, o envelhecimento de que se cogita aqui é o da população como um todo, ou seja, é o somatório da crescente idade dos indivíduos que a compõem, é necessário atentar também para os fatores que condicionam esse crescimento, isto é, que concorrem para cada idade individual.
Pelo menos dois deles são óbvios e essenciais: o primeiro, naturalmente, é a saúde, sem a qual em geral não se vive muito tempo. Daí a atenção especial com que a sociedade procura cuidar do estado físico das pessoas, primeiro proporcionando condições de vida que a assegurem em nível satisfatório e depois empenhando-se no combate a todo tipo de doença. Nesse sentido um padrão de vida que não deixe a desejar e os rápidos avanços da medicina são fatores de insuperável impacto.
Cabe lembrar aqui que quando se fala em população inteira, na realidade desde logo está fora dela aquela sua parte, considerável em termos quantitativos, em que a rigor não ocorre desigualdade social, pela lamentável razão de que não existe aí sociedade no sentido exato da palavra.
Mais uma vez em termos de envelhecimento global, parece fora de dúvida, estatisticamente, que pessoas educadas vivem mais. Daí, portanto, a acentuada importância da educação nesse particular. Sem índices satisfatórios dela na população é difícil, quando não impossível, cogitar de envelhecimento, propriamente.
Existem, é claro, outros fatores de interesse no caso, porém estes dois são nitidamente preponderantes. A tal ponto que o reconhecimento da sua primacial importância torna dispensável insistir nela.


Desvantagens dos idosos

Quando se cogita da relação entre desigualdade social e envelhecimento, principalmente como desafio ao novo milênio, uma dura realidade desde logo se impõe: os idosos, isto é, os personagens do envelhecimento, já constituem para esse efeito um grupo à parte.
À parte e desfavorecido, no seio da sociedade e da própria família. Mais até do que isso, desfavorecido em relação a si mesmo, ao adulto, ao ser humano pleno que cada idoso já deixou de ser. Por mais numerosas, variadas, satisfatórias e especiais que sejam as condições individuais das crescentes exceções a essa regra geral, ela permanece de pé. Daí a extrema complexidade da questão.
O descompasso pessoal entre o idoso e o adulto é uma realidade que não podemos desconhecer. Esforços médicos e outros no sentido da desejável uniformidade já reduziram sensivelmente as diferenças, porém estão longe de eliminá-las. Expressivo exemplo nesse particular é o repetido surgimento de medicamentos destinados a manter o apetite sexual em idades avançadas; eles em geral são eficazes, embora, naturalmente, dentro de limites.
É da condição humana, melhor dizendo, da natureza humana, que a vida tenha normalmente uma parte ascendente, por assim dizer, e outra descendente. Sabemos que a primeira vai do nascimento até o fim da fase adulta; e aí começa a segunda fase, considerada velhice, ainda que seus limites sejam bastante precários e o emprego desse termo e de seus cognatos, tendo à frente “velho”, haja deixado de ser de bom tom. E a idéia é que, se não conseguirmos evita-la, devemos empenhar-nos em poupá-la dos seus inconvenientes.
É óbvio que seria prioritário pôr termo às cruéis modalidades de desigualdade social que o novo milênio ainda encontra, algumas das quais recordei antes; e devemos reconhecer que em certa medida isso é possível. Por exemplo, a escravidão já deixou de ser legalmente reconhecida; e o mesmo aconteceu com as castas indianas, embora elas continuem existindo abertamente.
Da mesma maneira, devemos esperar que prossigam e se intensifiquem os esforços para atenuar as inevitáveis diferenças entre as duas fases da vida. Daí a importância de programas voltados especificamente para idosos. A esse respeito nunca será demais evocar esta conhecida e inspiradora verdade: “Mais importante do que acrescentar anos à vida é acrescentar vida aos anos.”


Perspectivas demográficas

No tocante à evolução quantitativa da população, não existe unanimidade entre os demógrafos, mas a grande maioria deles entende que o crescimento continuará por muito tempo ainda, até atingir cifras catastróficas. Para a minoria discordante, o incremento populacional começará a perder força em meados deste século e não chegará a produzir os terríficos efeitos previstos pelo outro lado.
Em qualquer hipótese, acrescentam eles, haverá tempo para encontrar meios de evitar o pior.
Entre os pessimistas, se assim se pode dizer, há quem sustente que em verdade já estamos sentindo de várias formas os efeitos negativos do rápido aumento da população.


Previdência social

Técnicos, especialistas, estudiosos e autoridades da previdência social e programas congêneres vêem aí o setor mais vulnerável a esses efeitos. Muitos afirmam categoricamente que eles já se vêm fazendo sentir, ainda que de maneira indireta. A questão é complexa, porém eles parecem estar com a razão.
Um ponto importante aqui, nem sempre examinado com suficiente atenção, é que para a previdência social, mais do que o aumento da população, e, portanto, dos seus beneficiários, pesa a maior duração da vida destes, com a conseqüente extensão mais prolongada dos benefícios respectivos.
Os trabalhadores antigos morriam pouco depois de aposentados, ao passo que os de hoje permanecem muitos anos nessa situação, sendo freqüentes os casos de pessoas que vivem mais tempo aposentadas do que viveram em atividade, como contribuintes. Sabemos que esses casos são naturalmente auspiciosos sob os aspectos pessoal e familiar, porém seu crescente número é um dos mais prementes problemas que a previdência social tem de resolver, como condição especial de subsistência da eficaz modalidade de proteção que ela constitui; e portanto como fator de atenuação da desigualdade social, em qualquer idade.


Dois livros e dois artigos

O ensaísta alemão Frank Schirrmacher escreveu dois livros de grande interesse para o nosso tema. Na medida em que suas conclusões e previsões procederem, as repercussões das novas realidades sobre o envelhecimento não poderão deixar de ter conseqüências e implicações no tocante à desigualdade social.
O primeiro, do ano passado, já foi traduzido para o português, com o título A revolução dos idosos. O outro, deste ano, ainda não, salvo engano, mas já foi traduzido para o francês, com o curioso título Lê réveil de Mathusalem (O despertar de Matusalém), que corresponde, literalmente, ao título original em alemão e que, mediante a figura bíblica simbolizadora da idade avançada, dá idéia do conteúdo da obra.
O primeiro livro trata basicamente da perspectiva que seu título aponta, com algumas indicações adicionais, e afirma: “Em poucos anos nossa sociedade viverá um choque comparável a uma guerra mundial: seu próprio envelhecimento.” Schirrmacher se apóia aí no demógrafo James Vaupel, também alemão. Seu novo livro despertou especial atenção, por exemplo, da acatada revista suíça L’Hebdo. Seu redator-chefe, Alan Jeannet, dedicou-lhe preocupante editorial, considerando-o “um livro luminoso” e “um brado de alarme”. Lembrando que questões menos importantes são objeto de descabida preocupação, Jeannet encarece especial atenção para a que Schirrmacher suscita e expõe.
Esta monografia já estava a bem dizer concluída quando li, em Seleções do Reader’s Digest, o animador artigo “Jovem para sempre”, de J. Alex Tarquínio, com esta epígrafe: “Sabe quanto tempo viveríamos se tivéssemos dois terços humanos e um terço máquina? Alguns especialistas dizem que para sempre...” Trata-se principalmente de um levantamento das pesquisas e estudos voltados para a extensão da existência humana, a começar pelas causas e características do envelhecimento. Daí seu interesse para o nosso tema, embora se trate de artigo jornalístico.
Outro artigo jornalístico de interesse para o nosso tema aparece por coincidência na mesma publicação: “Quando seus pais dependem de você”, de Viviane Nogueira, com úteis considerações e informações sobre o que seu título indica. A riqueza das citações de trabalhos e especialistas inclui, por exemplo, a acatada demógrafa Ana Amélia Camarano.


DESAFIO MILENAR


Milenar ou eterno?

O novo milênio tem pela frente uma série de desafios, cada qual mais complexo e mais grave que os demais. O que o nosso tema propõe é apenas um deles. Importante e dificílimo, como tudo que se refere ao ser humano. Assim, a primeira consideração a respeito parece ser no sentido não só da realidade e seriedade do desafio mas da sua anterioridade a este novo e terceiro milênio.
Milênios, conforme sabemos, são unidades cronológicas da era cristã, mas decerto havia antes de Cristo pelo menos desigualdade social, embora não envelhecimento tal como conhecemos. Nesse particular talvez fosse cedo, naqueles remotos tempos, para pensar em sociedade nos moldes de hoje.
Seja como for, parece correto entender que o desafio de que se cogita já o era para cada milênio anterior ou para antes deles. Recordo-me de ter lido em algum lugar que é um desafio milenar, não no sentido clássico deste termo, porém com relação a qualquer período histórico realmente longo. Indo um pouco além, não seria impróprio admitir que a desigualdade social, já agora ligada especificamente a envelhecimento, seja eterna e inevitável.


Condição humana

Na medida em que a sociedade encontra dificuldade para eliminar ou sequer amenizar sensivelmente a desigualdade, específica ou genérica, ganha terreno a idéia de que o fenômeno não é de natureza social ou individual, porém se prende mais de perto à natureza humana, como uma de suas complexas características.
Os defensores desse entendimento acreditam também que sua aceitação tornará mais viável combater com êxito a desigualdade social, não no envelhecimento apenas, mas em qualquer idade. No fundo o que temos aí é uma crença na possibilidade de aperfeiçoamento da condição humana e por conseguinte menor dificuldade para fazer frente ao desafio proposto.


Perspectiva ou aspiração?

A crença na viabilidade de bons resultados nessa complexa matéria pode ser considerada uma perspectiva favorável, porém não devemos esquecer que a rigor ela pode ser menos perspectiva do que aspiração.
A história registra pelo menos um exemplo oficial, legal, de conquista nessa área: a abolição da escravatura. Mas esse próprio exemplo é precário, pois de certa maneira e em alguns lugares continua havendo escravos. Em qualquer hipótese precisamos conservar a confiança na possibilidade de melhorias. Ainda que ofereçam pouca esperança, perspectivas valem mais que aspirações.
Além disso, sabemos que em qualquer setor da vida humana tudo acontece hoje mais depressa do que nunca. No milênio anterior ocorreram no mundo mais coisas do que até então, como mostra a conhecida noção de aceleração da história.
Por conseguinte, não é impossível que aperfeiçoamentos desejáveis sobrevenham mais depressa do que se imagina. Na medida em que acreditemos neles a perspectiva poderá ficar mais próxima, ou a aspiração transformar-se na perspectiva de algo viável ou concreto.


Qualidade de vida

A despeito das inevitáveis restrições individuais, familiares e sociais que o envelhecimento acarreta, são indiscutíveis as conquistas já alcançadas pelos idosos, em matéria de saúde, educação, participação na família e na sociedade, qualidade de vida. Não se trata apenas de vida mais longa; porém de vida melhor. Principalmente com menos desigualdade social. Infelizmente esses avanços quase que só se verificam nas sociedades onde existem condições para a sua ocorrência; e até mesmo nos países desenvolvidos encontramos essa inevitável restrição. Ela pode ser menos aguda ali, menos característica, menos evidente, porém dificilmente deixará de existir; e nem sempre guarda relação especial com o envelhecimento.
É óbvio que as conquistas dos idosos, que lhes proporcionam condições de vida mais satisfatórias, têm que ver com o conjunto desigualdade social/envelhecimento, como fatores de padrão e qualidade de vida. Da mesma maneira, modificadas, ampliadas ou reduzidas, elas decerto permanecerão em vigor no novo milênio, nos seguintes e mais adiante ainda. Oxalá.


Conclusão

Desafio ao lado de outros


Todas as fases da história têm seus desafios e suas conquistas, sem falar nas suas derrotas. Umas mais do que outras, naturalmente. Principalmente os desafios e conquistas parecem renovar-se e se ampliar com o passar do tempo, isto é, dos anos, dos séculos e até, em determinados casos, dos milênios. O novo milênio da era cristã em que acabamos de ingressar não poderia fugir à regra geral, à ordem histórica. Vai ter de enfrentar diferentes problemas, a começar pelos que vêm do passado, e devemos esperar que resolva ou amenize alguns deles.
Poucos desafios terão o porte e a complexidade do que constitui o nosso tema; e poucos são tão importantes para o ser humano, sobretudo quando se cogita das ligações entre uma questão genérica, a desigualdade social, e um fenômeno específico, o envelhecimento.
Para enfrentá-lo o novo milênio terá, como o passado histórico teve, de começar por outros que fazem parte dele. Justificando o que afirmo aqui, sem dar novidade, enumerei antes algumas modalidades de desigualdade social, nem sempre coincidentes, em natureza e características, com a desigualdade social do nosso tema. Da mesma maneira, focalizei em síntese alguns aspectos do envelhecimento que em geral dão origem a situações especiais não enquadradas no âmbito geral da desigualdade social.
Repetindo e resumindo, a questão conjunta desigualdade social/envelhecimento constitui sem dúvida crucial desafio para o novo milênio e decerto continuará constituindo para os milênios vindouros e provavelmente por todo o sempre.


Mínimo vital satisfatório

A extrema complexidade da questão torna difícil pensar em sugestões concretas de solução. Entretanto, existem razões para acreditar que no novo milênio, ou depois dele, será viável encontrá-las pelo menos em parte.
Ao que tudo indica, o melhor caminho para isso seria combater caso a caso as causas das diferentes modalidades de desigualdade social. Vimos que isso ocorreu, por exemplo, no tocante à escravidão. Sabemos também que na Índia tem alcançado promissor êxito o empenho de acabar com as castas, já proibidas pela Constituição.
No Brasil a efetivação de direitos dos idosos é promissora, embora ainda mais modesta na prática do que na letra. Nesse particular cabe um registro auspicioso: a implementação do Estatuto do Idoso (Lei no 10.741, 01.10.2003). Também aqui está no Congresso projeto do Estatuto de Igualdade Social, prevendo-se a possibilidade da sua aprovação no próximo ano, em 21 de março, Dia Internacional da Luta contra o Racismo e o Preconceito. Por ocasião da recente Copa do Mundo de futebol, a FIFA promoveu intensa campanha antiracismo, exibindo grandes cartazes antes de cada jogo.
Fora disso, ou melhor, além disso, ocorre-me uma idéia que já li e ouvi mais de uma vez, porém cuja fonte não registrei. Refiro-me ao que a maioria chama de renda mínima ou rendimento mínimo e que tem no Senador Eduardo Suplicy um dos seus mais autorizados e dedicados preconizadores. Ele reuniu suas idéias a respeito de um Fundo Brasil de Cidadania no livro Renda da cidadania: a saída é pela porta; e projeto de lei de sua autoria nesse sentido já foi aprovado pelo Senado, estando em discussão na Câmara dos Deputados. Estas informações são da jornalista Giovana Mollona.
Em síntese, trata-se de a sociedade fazer com que cada um dos seus membros tenha um rendimento que lhe assegure razoável padrão de vida; quem não tiver recursos de outra fonte que atinjam esse mínimo receberá da sociedade, a fundo perdido, um auxílio equivalente a parte ou ao total dele.
Uma vez que a desigualdade social está ligada muito de perto à insuficiência de recursos econômicos, os meios próprios, no valor desse piso, garantirão em princípio um mínimo dela, se é que existe gradação nessa matéria.
De igual modo, na medida em que esse valor básico puder ser elevado até, digamos, a média dos recursos econômicos individuais, pelo menos sob esse aspecto a desigualdade social se reduzirá sensivelmente.
É óbvio que as coisas não se passariam com a tranqüilidade com que estão sendo enunciadas aqui. A desigualdade social não se prende apenas a questões econômicas; porém sem dúvida está muito ligada a elas; e dificilmente se chegará àquela sem passar por estas.
Assegurando-se um padrão básico satisfatório de condições de vida, continuaria, naturalmente, havendo para os idosos, como para todas as idades, diferenças capazes em última análise de acarretar desigualdade social.
O que deixaria de existir, de modo geral, seriam os dramáticos contrastes que conhecemos hoje, como formas agudas de desigualdade social. E parece fora de dúvida que os beneficiários dessa nova situação seriam os idosos, já que se reduziriam os inelutáveis efeitos do envelhecimento.
Dito de outra maneira subsistiriam contrastes de padrões existenciais, com algumas famílias, nelas incluídos os seus idosos, vivendo melhor que outras, até mesmo por motivo de preferências individuais; e essas diferenças são úteis, pois sem elas não haveria progresso.
Talvez se trate, como admiti antes em termos genéricos, mais de uma aspiração do que de uma perspectiva. Entretanto, o problema é tão crucial que qualquer possibilidade de solução, ainda que parcial, merece ser examinada com interesse.
É sobretudo nesse sentido que devemos encarar com otimismo o desafio que o conjunto desigualdade social/envelhecimento representa para o novo milênio.


CELSO BARROSO LEITE – Especialista em Previdência Social

Confederação Nacional do Comércio
www.portaldocomercio.org.br

Um comentário:

Anônimo disse...

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