quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Necessàrio

"Osmim - O senhor não diz que tudo é necessàrio ?
Sélim - Se tudo não fosse necessàrio, a conclusão seria que Deus teria feito coisas inùteis.
Osmin - Quer dizer que foi necessàrio a natureza divina que ela fizesse tudo o que ela fêz ?
Sélim - Eu creio, pelo menos eu desconfio.Existem pessoas que pensam de outra maneira; eu não as compreendo; talvez elas tenham razão.Eu receio a disputa nessa matéria.
Osmin - Também é de outro necessàrio que eu quero vos falar.
Sélim - O quê então ? do que é necessàrio a um homem honesto para viver ? da infelicidade onde nòs estamos reduzidos quando nos falta o necessàrio ?
Osmin - Não; pois o que é necessàrio a um, não é necessariamente ao outro:é necessàrio a um Indiano de ter arroz, a um Inglês de ter carne, é preciso um casaco de peles a um Russo, e fino pedaço de tecido de algodão a um Africano; um homem acredita que douze cavalos são necessàrios para sua carroça, um outro se limita a um par de sapatos, um outro anda alegremente péis nus: eu quero falar ao senhor do que é necessàrio a todos os homens.
Sélim - Eu tenho a impressão que Deus deu tudo o que seria necessàrio a essa espécie: olhos para ver, péis para andar, boca para comer, um esôfago para engolir, um estômago para digerir, um cérebro para raciocinar, e orgãos para reproduzir seus semelhantes.
Osmim - Então porquê acontece que homens nasçam privados de uma dessas coisas necessàrias ?
Sélim - È porque as leis gerais da natureza trouxeram acidentes que fizeram nascer "monstros"; mas em geral o homem possui tudo o que lhe é necessàrio para viver em sociedade.
Osmin - Existem noções comuns a todos os homens, que servem para eles viverem na sociedade ?
Sélim - Sim. Eu viajei com Paul Lucas, e em todos os lugares que eu passei, eu vi que as pessoas respeitavam seu pai e sua mãe, que elas acreditavam serem obrigadas a cumprir suas promessas, que elas tinham piedade pelos inocentes oprimidos, que elas detestavam a persecução, que elas encaravam a liberdade de pensar como um direito da natureza, e encaravam os inimigos dessa liberdade como os inimigos do gênero humano; àqueles que pensavam diferentemente me pareceram criaturas mal organizadas, "monstruosas", como os que nascem sem olhos e sem mãos.
Osmin - Essas coisas necessàrias, são necessàrias o tempo todo e em todos os lugares ?Sélim - Sim; de outra maneira, elas não seriam necessàrias a espécie humana.
Osmin - Então, uma nova religião não é necessària a essa espécie.Os homens podiam muito bem viver em sociedade e cumprir seus deveres para com Deus, antes de acreditar que Mahomet teve frequentes diàlogos com o anjo Gabriel ?
Sélim - Nada mais seria tão evidente : seria ridìculo de pensar que nòs não poderiamos ter cumprido nossos deveres de homem antes que Mahomet tivesse vindo ao mundo; de maneira alguma era necessàrio a espécie humana de acreditar no Coran : o mundo ia antes de Mahomet da mesma maneira que ele vai hoje.Se o Mahométismo tivesse sido necessàrio ao mundo, ele teria existido em todos os lugares; Deus, que nos deu a todos, olhos para ver o seu sol, nos teria dado a todos uma inteligência para ver a verdade da religião muçulmana.Essa seita é então , como as leis positivas que mudam segundo os tempos e segundo os lugares, como as modas, como a opinião dos fìsicos, que se sucedem umas as outras.A seita muçulmana não poderia então, ser essencialmente necessària ao homem.
Osmin - Mas como ela existe, isso quer dizer que Deus o permitiu ?
Sélim - Sim, como ele permite que o mundo seja cheio de asneiras, de erros e calamidades.Não porque os homens sejam todos essencialmente feitos para serem burros e infelizes.Ele permite que alguns homens sejam comidos por serpentes; mas nòs não podemos dizer que Deus fez o homem para ser comido pelos serpentes.
Osmin - O que o senhor entende quando diz : "Deus permite " , nada pode acontecer sem as suas ordens ? permitir, querer e fazer, não são para ele a mesma coisa ?
Sélim - Ele permite o crime, mas ele não o faz
Osmin - Fazer um crime, é agir contra justiça divina, é desobedecer a Deus. Ora, Deus não pode desobedecer a ele-mesmo, ele não pode cometer um crime; mas ele fez o homem de tal maneira, que o homem comete muitos crimes : de onde vem isto ?
Sélim - Existem pessoas que sabem, mas não sou eu.Tudo o que eu sei bem, é que O Coran é ridìculo, se bem que de vez em quando encontrem-se nele coisas boas.Certamente O Coran não era necessàrio ao homem; eu vou ficar por aqui : eu vejo claramente o que é falso, e eu conheço muito pouco o que é verdadeiro.
Osmin - Eu acreditava que o senhor me instruìria, e o senhor não me ensinou nada.
Sélim - Você não acha que jà é muito de conhecer as pessoas que nos enganam, e os erros grosseiros e perigosos que elas debitam ?
Osmin - Eu teria muitas queixas a fazer de um médico que me faria a exposição de plantas nocivas, e que não me mostraria uma ùnica que seja salutar.
Sélim - Eu não sou médico e você não està doente ; mas eu tenho a impressão que eu te daria uma receita muito boa, se eu te dissesse :
"Livre-se de todas as invenções dos charlatães, adore Deus, seja um homem honesto, e acredite que dois e dois fazem quatro."
- Voltaire - Textes sur l'Orient
1. L'Empire Ottoman E le Monde Arabe.

Nenhum comentário: