terça-feira, 13 de novembro de 2007

Política e liberdade de opinião

"Ninguém pode abandonar a liberdade de julgar e de pensar"


Se fosse tão fácil de comandar as almas que as línguas, todo soberano reinaria em segurança e não existiria poder de Estado violento. Pois cada um viveria segundo a complexão dos governantes, e julgaria segundo seus únicos decretos do que é verdadeiro e falso, bem ou mal, justo ou injusto. Mas [....] é impossível que a alma de um homem dependa absolutamente do direito de um outro homem. Ninguém pode transferir a outrem seu direito natural, quer dizer sua faculdade de raciocinar livremente e de julgar livremente todas as coisas; e ninguém pode ser obrigado a faze-lo. È por essa razão que nós consideramos que um Estado é violento quando ele agride as almas; também é por essa razão que a majestade soberana parece oprimir os sujeitos e usurpar seus direitos, quando ela quer prescrever a cada um o que ele deve abraçar como verdadeiro e rejeitar como falso, e através de quais opiniões sua alma deve ser incitada à devoção relativa a Deus. Pois tudo depende do direito de cada um, que ninguém pode abandonar mesmo se ele o quisesse. [....]


Se bem que o soberano tenha direito sobre todas as coisas, e seja considerado como intérprete do direito e da piedade, ele não pode jamais impedir que os homens julguem todas as coisas segundo a própria complexão deles e não sejam por isso atingidos por uma ou outra paixão.
È verdade que ele pode considerar como inimigos todos aqueles que não pensam absolutamente como ele sobre todas as coisas; mas, quanto a nós, nós discutimos não de seu direito, mas de seu interesse. Eu admito que ele tem o direito de reinar com a maior violência, e de enviar os cidadãos à morte pelos motivos mais fracos; mas ninguém acreditará que isso possa se fazer segundo o julgamento da sadia Razão. Mais ainda: como ele não pode agir dessa maneira sem expor o Estado inteiro aos maiores perigos, nós podemos mesmo negar que ele tenha o poder absoluto de agir dessa maneira ou de outra maneira semelhante, e por conseguinte que ele tenha o direito absoluto de faze-lo. Com efeito, o direito do Soberano é determinado por sua potência, nós o mostramos. Por isso, se ninguém pode abandonar a liberdade de julgar e de pensar o que ele quer, se cada um é, ao contrario, dono de seus pensamentos pelo mais alto direito da natureza, isso tem por conseqüência que em nenhuma república nós podemos tentar (a não ser com um fracasso total) de obter que os homens, tão divergentes e opostas que sejam suas opiniões, só falem segundo o mandamento do soberano. Mesmo os mais hábeis, com efeito, para não dizer nada da plebe, não sabem se calar. È um vício comum aos homens de confiar a opinião deles a outrem, mesmo quando o segredo seria necessário.
O mais violento dos Estados será então aquele onde será recusada a cada um sua liberdade de dizer e de ensinar o que ele pensa. Ao contrario, um Estado bem regulado será aquele onde será concedido a cada um essa liberdade. [.....]
Dos fundamentos da república, como nós os expomos, a conseqüência é com a mais alta evidência que seu objetivo final consiste não a dominar os homens, a conte-los pelo temor e a submetê-los ao direito de outrem, mas ao contrario a liberar cada um do temor para que ele viva em segurança na medida do possível, quer dizer que ele preserve o melhor possível seu direito natural de existir e de agir sem perigo para ele mesmo e para outrem. Não, eu digo, o objetivo da república não consiste a transformar os homens de seres racionais em animais ou em autômatos. Ele consiste ao contrário em que o espírito e o corpo deles realizem em segurança suas funções, e que eles mesmos usem a livre Razão, sem rivalizar de ódio, de cólera e de astúcia, e sem confrontar-se com malevolência.
O objetivo da república é então a liberdade.

- Traité Théologico-Politique, XX,1,3,4 et 6 - Spinoza - Trad. J.Lagrée et P.-F. Moreau, & PUF, 1999


Política e liberdade de opinião

Uma filosofia da imanência como a de Spinoza só podia identificar puramente e simplesmente o direito e a potência.O direito, então, é o que podemos. É por um direito absoluto da natureza que os peixes grandes comem os pequenos, que o mais forte é sempre o mestre. A natureza não proíbe nada ha não ser o que ninguém pode fazer.


Direito natural e potência

Em conseqüência disso ninguém saberia renunciar a seu direito para transferi-lo ao soberano por um ato voluntário e racional, como quer a doutrina do pacto ou do contrato social que se desenvolve na filosofia de Hobbes, Rousseau e Hegel. Para Spinoza, o jogo das paixões produz naturalmente a sociedade, que se constitui desde que os homens, seja qual for o motivo (temor, esperança, vingança), estão determinados a colocar o direito ou a potência deles em comum. Disso nasce o Estado, que decreta o justo e o injusto e tem todo direito sobre cada um na medida de sua potência. Isto quer dizer que um Estado tem todos os direitos sobre seus sujeitos?
Sim, mas ele não pode por isso ir contra o direito natural dos indivíduos, por exemplo, impedi-los de pensar e de comunicar seus pensamentos. Ele pode tentar, mas correndo muitos riscos e perigos. Pois os homens são feitos de tal maneira que nada os exaspera mais do que ver reprimir as convicções deles, criminalizar o que eles consideram uma virtude. O que Locke batiza na mesma época de tolerância e que Spinoza chama liberdade de pensar e de ensinar não é um dever, uma concessão a moral; é para o Estado uma necessidade vital, um assunto de potência. Quanto mais um regime é violento, mais ele corre o risco de se desmoronar, seja por rebelião dos sujeitos, seja por indiferença à intrusão de um outro Estado. È por isso que o livro Traité théologico-politique (1670) defende a liberdade de expressão no seu capítulo conclusivo. (texto acima)


A liberdade, finalidade do Estado

Spinoza se opõe à filosofia moderna que se baseia em cidadãos imediatamente livres e racionais, mas também à tradição platônica, que sonha com filósofos-reis. O que deve seguir a razão, são as instituições: "Os assuntos públicos devem ser ordenados de tal maneira que aqueles que são administrados por eles, que eles sejam conduzidos pela razão ou pelas paixões, não possam ser levados a trair ou agir mal. Pouco importa a segurança do Estado e quais são os motivos que conduzem os homens a governar bem, o importante é que eles governem bem", afirma Spinoza no Traité politique (póstumo 1677). Spinoza quer dessa maneira liberar a política de toda moral vã e ele faz uma homenagem à Machiavel em quem ele vê um defensor da liberdade (Traité politique, V,7). A única questão válida a seus olhos é: como conservar o Estado e consolidá-lo? O Estado não deve esperar que os cidadãos sejam virtuosos, mas ele tem interesse a torna-los virtuosos, pela simples razão que sua potência será bem maior na medida em que os cidadãos serão mais livres. A liberdade então não é a origem do Estado, mas ela é seu objetivo. Pois o direito não é outra coisa do que a potência da multitude, todo Estado, seja qual for seu regime, é fundamentalmente democrático.
Para Spinoza, o essencial então não é de saber se nós vivemos em democracia ou não, mas qual tipo de "affect" anima os cidadãos. O déspota estabelece seu poder nas paixões tristes, até tornar os homens desumanos; esta é a sua fraqueza. O Estado racional estabelece sua potência nos "affects" alegres, favoráveis ao desenvolvimento da razão, quer dizer da liberdade.

- A.S. -


Machiavel, Nicolas (1469 - 1527)

Alto funcionário da República florentina, ele rompe com a tradição política da Idade Média, que era, de acordo com as teses de santo Augustin, o Estado ( a "Cidade terrestre"), só podia ter sucesso tornando-se o gládio da "Cidade Celeste". O Estado deveria ter por única finalidade a moral e a espiritualidade. Mas, como ele expõe no livro O Príncipe (1516), o Estado só é para Machiavel uma instituição humana que é preciso gerir com realismo. A única questão importante é de saber como se apoderar do poder e conservaá-lo. Não é então a política que funda o religioso, mas o religioso que se torna um meio político entre outros.

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