sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Essência e existência - Kierkegaard


[.....] É diferente quando se trata do pensador abstrato que, sem ser compreendido ele mesmo nem ter aprendido a relação do pensamento abstrato e da existência, ele segue o impulso de um certo talento ou sofre um adestramento nesse sentido. Eu sei disso, eu admiro de boa vontade a existência de um artista que, sem se interrogar sobre a natureza da condição humana, obedece a seu talento e faz esquecer o homem pela obra; mas, eu sei também, o trágico de um igual existente é de não ter uma vida pessoal ética correspondendo a seu talento; e eu também sei que na Grécia um pensador não era um existente diminuído que produzia chefs-d'oeuvre, mas era ele mesmo um chef-d'oeuvre existente. A qualidade de um pensador deveria também, portanto ser a última a se colocar como diferente da condição humana. Se um pensador abstrato se encontra na posição de não ter tido o senso cômico, é o eo ipso a prova que todo seu pensamento é a obra de um talento talvez admirável, mas não de um homem tendo eminentemente existido como homem. E portanto é ensinado que o pensamento engloba e domina tudo; mas ao mesmo tempo, nós não vemos um objeção no fato que o pensador não existe essencialmente como homem, mas como alguém que exprime um talento que o diferencie. Quando os ditos sobre o pensamento não se encontram na idéia que nós temos do pensador, dizendo de outra maneira, que sua existência esteja em contradição com seu pensamento, isso mostra que nós estamos simplesmente em contato com um professor.


O pensamento domina o sentimento e a imaginação, ensina um pensador sem pathos nem paixão; o pensamento domina a ironia e o humor, ensina um pensador totalmente desprovido de qualquer senso cômico. Que cômico! Todo pensamento abstrato aplicado ao cristianismo e a todos os problemas da existência é um ensaio no gênero cômico; da mesma maneira, o pretendido pensamento puro é uma curiosidade psicológica, uma admirável forma de engenhosidade empenhada a reunir e a construir nesse meio quimérico que é o ser puro. [.....]

Hegel tem perfeitamente, absolutamente razão de dizer que, sub specie aeterni, na linguagem dos abstratos, no pensamento puro e no ser puro, não existe de ou bien.... Ou bien.... Como, eu pergunto, poderia encontrar-se uma alternativa, quando justamente a abstração suprime a contradição; Hegel e seus adeptos fariam bem melhor se eles fizessem o esforço de nos explicar o que significa essa comédia onde eles introduzem na lógica a contradição, a passagem, etc. Os campeões de um ou bien.....ou bien.....estão errados quando eles penetram no terreno do ser puro para defender a causa deles. Como o gigante lutando com Hercules perdia sua força desde que ele era suspenso e retirado da existência para passar na eternidade abstrata. Por outro lado, Hegel está completamente errado quando, esquecendo a abstração, ele se precipita dela na existência para suprimir com todas as forças o duplo "ou bien...". Para ele é, com efeito, impossível de fazê-lo na existência que ele suprime então ao mesmo tempo. Quando eu retiro a existência (na realidade abstração), não existe ou bien....ou bien....; quando da existência, eu retiro a alternativa, isso significa que eu suprimo a existência, mas não a alternativa na existência. [.....]

Assim é mais fácil de pensar de maneira abstrata do que existir, com a condição de não interpretar esse último termo no senso banal onde nós só existimos, como nós somos um sujeito, e nada mais. Aqui também, nós temos um exemplo mostrando que a tarefa mais simples é a mais difícil. Existir, nós acreditamos, não significa nada, e menos ainda uma dificuldade; todos nós não existimos? Mas pensar de maneira abstrata, eis o que importa. Mas existir verdadeiramente, quer dizer impregnar de consciência sua existência que nós dominamos de uma certa maneira da distância da eternidade, estando ao mesmo tempo nela e também no tornar-se: na verdade a tarefa é árdua.

- Post-scriptum aux Miettes philosophiques, II partie, seção 2, chap. III - Kiekegaard - Trad. P.H.Tisseau & Èditions de l'Orante (1979).


Essência e existência

Na filosofia, nós compreendemos através a palavra "essência" a resposta a questão "O que é isso?" O que é o homem? Um animal razoável (racional). A essência nos apresenta sempre um caráter necessário, que não pode faltar a essa coisa e que se aplica a todas àquelas do mesmo gênero, independentemente das pequenas diferenças individuais. A essência dá então o objeto do conceito, segundo os critérios de universalidade e de necessidade. A ciência - e particularmente o sistema filosófico de Hegel (1770 - 1830) - tende a reduzir toda a realidade à essência: Hegel fala sempre sub specie aeterni, extrato do Post-scriptum aux Miettes philosophiques (1846), representa o ataque mais importante de Kierkegaard contra Hegel, que só fez segundo ele uma filosofia de professor, um jogo de dominó onde cada coisa está essencialmente no seu lugar com exceção da existência: "Quando os ditos sobre o pensamento não se encontram na idéia que nós temos do pensador, dizendo de outra maneira, quando sua existência está em contradição com seu pensamento, isso mostra que nós estamos simplesmente em contato com um professor”. A existência, ao contrario, é a condição na qual se encontram todos os indivíduos, é a realidade particular de cada um e, para Kierkegaard, trata-se da realidade verdadeira, aquela que importa para mim. Kierkegaard reage energicamente mais uma vez ao pensamento de Hegel que, no começo do século XIX, desfruta do status de filósofo oficial na Prússia e é ensinado na Europa inteira. Kierkegaard ele mesmo se formou a partir de Hegel. Mas, para Hegel, a realidade é movimento. É dessa maneira que ele explica a passagem do ser e do vazio que, se combinando, formam um novo conceito: o tornar-se.


A "tarefa" de existir

Kierkegaard, ele, não nega que a realidade esteja em movimento - nós sabemos a influência que tem sobre ele a possibilidade, mas esse movimento não pode vir unicamente de puras essências. Ele deve necessariamente emanar de um sujeito concreto: o indivíduo singular. Voilà, a energia da oposição a Hegel. Assim, a existência corresponde à realidade singular, ao indivíduo; ela não coincide com as essências, de quem ela representa a realidade exterior.
Essa maneira de existência do ser "no exterior" do mundo abstrato é exprimida pela própria origem da palavra "existir": ex (fora de) sistere (se manter, se colocar). O realce particular colocado na existência explica porque Kierkegaard foi considerado o pai do existencialismo. No seu livro L'existentialisme est un humanisme, Sartre (1905 - 1980) aprofundará essa oposição entre a essência e a existência. Com Kierkegaard, as maneiras de ser do indivíduo tornam-se os objetos principais da reflexão filosófica, que se identifica sempre um pouco mais ao sujeito que pratica a filosofia. Existir verdadeiramente, nos diz ele nesse texto, é a tarefa mais difícil que existe. A morte, a angústia, o desespero, a liberdade têm uma função primordial na constituição da consciência da personalidade e da verdade. No Post-scriptum, ele denuncia as ilusões de uma ciência filosófica que considera o indivíduo concreto como uma parte negligente. Existe para ele uma grande diferença entre a verdade bem ordenada nos parágrafos de um enorme tratado em alemão, e a verdade que o coração adquire na dúvida e no sofrimento.
O existencialismo é precisamente essa filosofia que analisa a maneira de ser no mundo; ele é a consideração radical da função do indivíduo na elaboração filosófica da verdade.

- Ch. L.

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