domingo, 20 de maio de 2007

O concurso livre de vontades

Nós não encontraremos jamais, seja o que for que façamos, uma verdadeira potência entre os homens do que no concurso livre de vontades. Ora, só existe no mundo o patriotismo, ou a religião, que possa fazer andar durante muito tempo em direção ao mesmo objetivo a universalidade dos cidadãos.
Não depende das leis de reanimar as crenças que se apagam; mas depende das leis de interessar os homens ao destino do país deles. [...]
O que eu mais admiro na América, não são os efeitos administrativos da descentralização, são os seus efeitos políticos. Nos Estados Unidos, a pátria se faz sentir em todos os lugares. Ela é um objeto de solicitude desde a pequena cidade até a União inteira. O habitante se apega à cada um dos interesses de seu país como a seus próprios interesses. Ele se glorifica da glória da nação; nos sucessos que ela obtém, ele acredita reconhecer a sua própria obra, e ele se eleva; ele se sente feliz da prosperidade geral da qual ele beneficia.[...] Um particular concebe o pensamento de uma empresa qualquer; essa empresa teria talvez uma relação direta com o bem-estar da sociedade, a idéia não lhe vem de dirigir-se à autoridade pública para obter seu concurso. Ele faz o público ter conhecimento de seu plano, se oferece para executá-lo, chama as forças individuais ao socorro de sua força, e luta corpo a corpo contra todos os obstáculos. Muitas vezes, sem dúvida, seu sucesso é menor do que se o Estado estivesse em seu lugar; mas com o tempo o resultado geral de todas as empresas individuais depassa altamente o que poderia fazer o governo.

- Da Democracia na América, Tome 1 (1835), Primeira parte, capítulo V - Alexis de Tocqueville


A TIRANIA DA MAIORIA

A potência toda poderosa me parece em si uma coisa má e perigosa. Seu exercício me parece além das forças do homem, seja ele quem for, e eu só vejo Deus que possa sem perigo ser todo-poderoso, porque sua sabedoria e sua justiça são sempre iguais a seu poder. Então não existe na terra uma autoridade tão respeitável em sí mesma, ou revestida de um direito tão sagrado, que eu quisesse deixar agir sem controle e dominar sem obstáculos. Então quando eu vejo conceder o direito e a faculdade de fazer tudo em uma potência qualquer,que nós o "chamemos" - (me perdoem, esqueci como empregar o verbo, não tenho gramática... estou resgatando a língua pátria... grata) - povo ou rei, democracia ou aristocracia, que ele seja exercido em uma monarquia ou em uma república, eu digo: eis o germe da tirania, e eu procuro partir para ir viver sob outras leis.
[...] O que me repugna mais na América, não é a extrema liberdade que reina, é o pouco de garantia que nós encontramos contra a tirania. Quando um homem ou um partido sofre uma injustiça nos Estados Unidos, a quem vocês querem que ele se dirija? À opinião pública? é ela que forma a maioria; ao corpo legislativo? ele representa a maioria e lhe obedece cegamente; ao poder executivo? ele é nomeado pela maioria e lhe serve de instrumento passivo; a força pública? a força pública é a maioria sob as armas; ao júri? o júri, é a maioria revestida do direito de pronunciar os encarceramentos: os próprios juízes em alguns Estados, são eleitos pela maioria. Seja qual for a medida iníqua ou insensata, será preciso vos submetê-la a ela.
Suponham, ao contrario, um corpo legislativo composto de tal maneira que ele represente a maioria sem ser necessariamente escravo de suas paixões; um poder executivo que tenha uma força que lhe seja própria, e uma potência judiciária independente dos dois outros poderes; vocês ainda terão um governo democrático, mas quase não existirá mais as possibilidades para a tirania.
Eu não digo que no tempo atual se faça na América, um uso freqüente da tirania, eu digo que nós não descobrimos de maneira alguma uma garantia contra ela, e que é preciso procurar as causas da doçura do governo nas circunstâncias e nos costumes em vez de procurá-las nas leis.

- Idem, Segunda parte, cap.VII.


A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Nada predestinava Alexis de Tocqueville (1805 - 1859) à tornar-se uma figura importante do liberalismo contemporâneo. Claro, ele gostava de lembrar sua ascendência liberal. Ele era bisneto de Malesherbes, que no século XVIII tinha protegido os enciclopedistas e tinha protestado contra os abusos fiscais da monarquia antes de defender o rei diante a Convenção. Mas o liberalismo de Malesherbes era ligado a uma sociedade de privilegiados. O jovem Tocqueville, aristocrata, temia a democracia: a revolução de 1830 lhe ensinou que a democracia era irresistível. Então ele decidiu, aos 25 anos, de ir observar a igualdade em ação nos Estados Unidos, que era na época o único exemplo de república. Quando ele embarcou em abril de 1831, ele inventou a questão que define o liberalismo moderno: como garantir a liberdade nas sociedades igualitárias? Publicado em 1835, "Da democracia na América", onde ele tira as lições de sua viagem de nove meses, é uma defesa por um liberalismo de uma "nova espécie" que se esforça ao mesmo tempo de promover o civismo e de dar a liberdade das garantias constitucionais.


ELOGIO DO SELF-GOVERNO

O que Tocqueville admira nos Estados Unidos e sobretudo na Nova Inglaterra, é primeiro o "patriotismo" que conduz cada habitante a se preocupar dos "interesses de seu país". "Da democracia", nós gravamos sobretudo o elogio da "descentralização". Tocqueville chama aqui descentralização, como mostra o primeiro extrato acima, o que os Americanos chamam "self-governo", palavra que nós não saberíamos traduzir, pois a França ignora a palavra e a coisa. A nação francesa se construiu pela ação centralizadora da monarquia; ao contrário, a federação americana se edificou a partir de comunas autônomas - se bem que se trata aqui menos de descentralização do que de democracia participativa. Os Americanos manifestam o mesmo "espírito de empreendimento" nos seus negócios particulares e nos negócios da comuna; eles se associam para criar as escolas, melhorar as prisões, lutar contra o alcoolismo... Pouco importa que a ação deles seja desordenada do ponto de vista da eficacidade "administrativa", o "concerto livre de vontades" assegura "com o tempo" a prosperidade coletiva. O liberalismo de Tocqueville é então o contrário de um individualismo. A liberdade do indivíduo encontra sua realização na participação política.


CONTROLE DOS PODERES

A descentralização não é suficiente para garantir a liberdade ameaçada na democracia pela "tirania da maioria"; Tocqueville não é um admirador cego dos Estados Unidos, do qual ele denuncia aqui a justiça e a política partidárias (principalmente ao encontro dos negros), e o conformismo intelectual. Contra a tirania, ele pleita, inspirando-se da Constituição Federal dos Estados Unidos, um sistema que garanta os direitos das minorias e dos indivíduos, repartindo os poderes: duas câmaras eleitas democraticamente, mas, seguindo modalidades diferentes, uma magistratura independente e o controle de constitucionalidade. Pela sua desconfiança ao encontro da autoridade, o pensamento de Tocqueville encontra dessa maneira o pensamento de Montesquieu ou ainda de Benjamin Constant.
O liberalismo de uma "nova espécie" de Tocqueville tem então por singularidade de ligar a democracia participativa e a defesa da liberdade individual, o que Constant chama a liberdade dos Antigos e a liberdade dos Modernos. Nisso Tocqueville é o fundador do liberalismo democrático.

- Françoise Mélonio, autora de "Tocqueville et les Français " (Auber, 1993).

2 comentários:

Anônimo disse...

muuuuuuuuuuuuuito obrigada!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

muuuuuuuuuuuuuito obrigada!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!