domingo, 20 de maio de 2007

TIRANIA


Chamamos de tirano ao soberano que não conhece leis senão o próprio capricho, que se apodera dos bens de seus súditos e que em seguida os arrola para ir tomar os dos vizinhos. Não existe tal espécie de tiranos na Europa.
Distingue-se a tirania de um só e a de vários. Essa tirania de vários seria a de um corpo que invadisse os direitos dos outros corpos e exercesse o despotismo a favor das leis por ele corrompidas. Tão pouco existe essa espécie de tiranos na Europa.
Sob qual tirania gostaríeis de viver? Sob nenhuma; mas se fosse preciso escolher, eu detestaria menos a tirania de um só do que a de vários. Um déspota tem sempre alguns bons momentos; uma assembléia de déspotas, jamais. Se um tirano me faz uma injustiça, poderei desarmá-lo por intermédio de sua amante, por seu confessor ou por seu pajem; mas uma companhia de graves tiranos é inacessível a todas as seduções. Quando não é injusta é no mínimo impiedosa, e jamais concede favores.
Se tenho apenas um déspota, salvo-me com o simples colar-me a um muro à sua passagem; ou por prosterna ou por bater a fronte no solo, segundo o costume do país; mas se houver uma companhia de cem déspotas, estarei exposto a repetir essa cerimônia cem vezes por dia, o que é exaustivo, quando não se tem os fundilhos reforçados. Se eu tiver uma pequena herdade nas vizinhanças de um de nossos senhores, serei esmagado; se reclamar contra um parente dos parentes de nossos senhores, estarei arruinado.
Que fazer? Temo neste mundo estejamos reduzidos a um triste dilema: ser bigorna ou martelo. Feliz de quem escapar a essa alternativa!


Dicionário Filosófico – Voltaire, Cap. 133.

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