Nasceu em Pisa em 15 de Fevereiro de 1564 e morreu em Florença a 8 de Janeiro de 1642 com cerca de 78 anos.
Quando os amigos e seguidores de Galileu quiseram erigir um monumento sobre o seu túmulo, Urbano VII disse ao embaixador da Toscana que seria um mau exemplo para o mundo, uma vez que o morto “tinha dado origem ao maior escândalo de toda a cristandade”.
O heliocentrismo
Os autores medievais defendiam que a Terra era redonda, aliás a ideia era muito antiga e Magalhães partira de Sanlúcar de Barrameda em 20 de Setembro de 1519 para a viagem de circumnavegação do globo com cinco navios, tendo uma das naus completado o trajecto, chegando a Sevilha em 6 de Setembro de 1522 fornecendo a prova final se alguma prova faltava.
Dizia Magalhães: “A Igreja diz que a Terra é achatada, mas sei que ela é redonda, porque vi a sombra na Lua, e tenho mais fé numa sombra do que na igreja”.
Cláudio Ptolomeu de Alexandria, no século II da era cristã, formulou no “Almagesto” sua teoria de que: a Terra se apresentava imóvel e rodeada de esferas transparentes de cristal que giravam a sua volta e a que se subordinavam o Sol e os planetas.
Ptolomeu relacionou as estrelas, registrou seus brilhos, estabeleceu normas de previsão de eclipses, tentou descrever o movimento dos planetas contra o fundo praticamente imóvel das constelações, acreditou que a Terra fosse o centro do universo e que todos os corpos celestes a rodeavam.
Esta teoria foi adoptada por S. Tomás de Aquino no século XIII, e esta concepção do cosmos foi seguida até ao século XVI.
A Igreja, aceitava o geocentrismo como fora estruturado por Aristóteles e Ptolomeu. Esse sistema cosmológico ensinava que a Terra estava parada no centro do universo e os outros corpos orbitavam em círculos concêntricos ao seu redor.
A Igreja Católica aceitava o modelo porque se adequava com a observação directa do firmamento e com os textos das escrituras.
Essa visão geocêntrica tradicional foi abalada por Nicolau Copérnico, que em 1514 começou a divulgar um modelo matemático em que a Terra e os outros corpos celestes giravam ao redor do Sol, tese que ficou conhecida como heliocentrismo.
Ptolomeu já havia considerado a possibilidade de um modelo heliocêntrico, porém o rejeitou devido às teorias de Aristóteles, segundo as quais a Terra não poderia ter uma rotação violenta.
Aliás Aristóteles afirmava que se a terra se movesse um objecto lançado do cimo de um mastro nunca podia cair no seu sopé.
A teoria era de facto muito revolucionária, tanto que Copérnico deixou escrito: “quando dediquei algum tempo à ideia, o meu receio de ser desprezado pela sua novidade e o aparente contra-senso, quase me fez largar a obra feita”.
Refere Martinho Lutero a propósito das ideias de Copérnico: fala-se para aí de uma novo astrónomo que quer provar que a terra se move e anda à volta em vez do céu, o sol e a lua, como se alguém que se movesse numa carruagem ou navio pretendesse que estava imóvel, enquanto a terra e as árvores se moviam. Mas é assim que tudo vai nos nossos dias: quando um homem quer parecer inteligente é preciso que invente qualquer coisa de especial, e o modo como o consegue deve parecer o melhor! O louco quer virar toda a arte da astronomia da cabeça para os pés. E no entanto como nos dizem as sagradas escrituras foi Josué quem mandou parar o sol e não a terra.
O percurso de Galileu
Se existe uma figura da ciência bem disposta, mulherenga e que adorava os prazeres de uma mesa bem regada, essa figura era por certo Galileu Galilei.
Acresce que aliava uma impressionante inteligência e originalidade a um discurso brilhante, possuía uma personalidade muito irreverente e tinha alcunha do “brigão”. Não obstante, no decurso da vida granjeou muitas simpatias e apoios, tanto de religiosos, incluindo o Cardeal Maffeo Barberini futuro papa Urbano VIII como do meio académico: Só um impacto inevitavelmente destrutivo com a ciência oficial, num mundo institucional em rotura e conflito com as tendências protestantes inverteria a situação, e empurraram o génio para um julgamento que acabou por ser o maior foguetório publicitário de uma tese que a igreja pretendia sufocar.
Galileu saiu da universidade com 21 anos sem diploma, porém passados 4 anos mercê da sua fama foi convidado para orientar a cadeira de matemática da Universidade de Pisa.
Pisa
Em 1589, com o apoio de Guidobaldo del Monte, matemático e admirador da sua obra, Galileu é admitido para leccionar matemática na Universidade de Pisa. Inicia aí o estudo do movimento do pêndulo tendo determinado que o seu período não depende da massa, mas apenas do comprimento do fio. Foi o primeiro a pensar que este fenómeno permitiria fazer relógios muito mais precisos. Também em Pisa realizou as suas famosas experiências de queda de corpos em planos inclinados. Nestas demonstra que a velocidade de caída não depende do peso. Em 1590 publica o pequeno tratado “De motu”, sobre o movimento dos corpos materiais.
Pádua
Em 1592, ainda devido à influência de Guidobaldo del Monte, consegue a cátedra de matemática na Universidade de Pádua, onde passaria os 18 anos seguintes. Nesta universidade ensinou geometria, mecânica e astronomia. Por volta do ano 1597 dedica-se ao estudo de instrumentos de medida, inventa o chamado termómetro de Galileu e aperfeiçoa um compasso para uso militar.
Neste período Galileu fez descobertas importantes, das quais se destacam as melhorias significativas do telescópio refractor e a sua utilização em astronomia.
Tendo conhecimento da construção do primeiro telescópio, na Holanda a partir de um esboço construiu os seus próprios modelos que foi melhorando até conseguir os melhores telescópios do seu tempo. Ele utiliza o telescópio sobretudo para fazer observações astronómicas e descobre assim que a Via Láctea é composta de incontáveis estrelas, descobre ainda os satélites de Júpiter, as montanhas e crateras da Lua. Todas essas descobertas foram publicadas no livro “Mensageiro das estrelas” em 1610 com apenas 32 anos.
Foi a observação dos satélites de Júpiter, que o levaram definitivamente a defender o sistema heliocêntrico de Copérnico.
O impacto das descobertas astronómicas de Galileu foi imediato, devido à publicação do “Mensageiro das Estrelas”, com o nome latino de Sidereus Nuncius.
Foi nomeado matemático e filósofo do Grão-Duque. Nas suas observações estuda as fases de Vénus, que utiliza como uma prova mais do sistema heliocêntrico.
Em 1611 foi convocado a Roma onde apresentou as suas descobertas ao Colégio Romano dos Jesuítas, onde se encontrava o futuro Papa Urbano VIII e o cardeal Roberto Bellarmino, que reconhece as suas descobertas. No mesmo ano acede à Academia dei Lincei um grupo de investigação heterodoxo e vanguardista.
Abandona então Pádua e vai viver para Florença. Em 1614 estuda métodos para determinar o peso do ar, descobrindo que pesa pouco, mas não zero como se pensava até então.
Entre 1613 e 1615 escreve as famosas cartas copérnicas dirigidas a Benedetto Castelli, Pietro Dini e Cristina di Lorena. Nestas cartas Galileu descreve as suas ideias inovadoras, que geram muito escândalo nos meios conservadores, em que circulam apesar de nunca ter sido publicadas. As passagens mais polémicas são aquelas em que transcreve alguns passos das Escrituras que deviam ser interpretados à luz do sistema heliocêntrico, para o qual Galileu não tinha ainda provas científicas totalmente conclusivas.
Inquirido pela inquisição diz o padre Cassini sobre Galileu: que ouviu que este afirmava que Deus não é substância mas contingência, seja, que ri e que chora como qualquer humano, e que os milagres dos Santos não são verdadeiros milagres, e por fim, que sustentava a estabilidade do sol e o movimento da terra, por querer interpretar as Sagradas Escrituras contra o senso comum dos santos padres.
Galileu teve em 1616 oportunidade de defender as suas ideias perante o Tribunal do Santo Ofício dirigido por Roberto Bellarmino, que decidiu não haver provas suficientes para concluir que a Terra se movia e que por isso admoestou Galileu a abandonar a teoria heliocêntrica excepto como ferramenta matemática conveniente para descrever o movimento dos corpos celestes.
Como Galileu persistisse nas suas ideias foi então proibido de as divulgar. O Tribunal do Santo Ofício pronunciou-se então pela primeira vez sobre a Teoria Heliocêntrica, publicando o celebre decreto de 1616, declarando que a afirmação de que o Sol é o centro imóvel do Universo era herética e que a de que a terra se move estava “teologicamente” errada.
O livro de Copérnico e outros sobre o mesmo tema, foi incluído no índice de livros proibidos.
Foi proibido falar do heliocentrismo como realidade física, mas era permitido referir-se a este como hipótese matemática, considerando a necessidade de explicar fenómenos que não se encaixavam nos esquemas de Arquimedes e Ptolomeu.
Apesar das admoestações, encorajado pela entrada em funções em 1623 do novo Papa Urbano VIII, seu amigo pessoal e um espírito mais progressivo e interessado nas ciências do que o seu predecessor, publicou nesse mesmo ano o “O Analisador” que lhe foi dedicado.
O novo livro destinava-se à física aristotélica e a estabelecer a matemática como fundamento das ciências exactas. Nele coloca em causa muitas ideias de Aristóteles sobre movimento, entre elas a de que os corpos pesados caem mais rápido que os leves.
O livro também dava resposta ao modelo defendido pelo jesuíta Orazio Grassi segundo o qual a Terra estava fixa no centro do Universo, mas os planetas e outros astros giravam em torno do Sol, que por sua vez girava em torno da Terra.
A acção de Urbano VIII
Urbano VIII que tinha sido testemunha de defesa de Galileu no processo de 1616 contra o modelo Heliocêntrico sentiu o peso esmagador da cúria, não teve coragem de recuar e manteve o decreto condenatório.
Para evitar um confronto com Galileu que ganhava um crescente prestigio no mundo académico, recebeu o cientista no Vaticano em seis audiências, oferecendo-lhe honrarias, dinheiro e recomendações.
Para contornar a situação, encoraja Galileu a continuar os seus estudos sobre o tema heliocêntrico, mas sempre como de uma hipótese matemática útil, porque simplificava os cálculos das órbitas dos astros.
Em 1618 tinha iniciado a guerra dos 30 anos, a guerra da contra-reforma entre Católicos e Luteranos, uma guerra que mergulhou toda a Europa num esforço para se contarem lanças onde o rigor ideológico tinha um papel fundamental.
É neste contexto confuso e socialmente pervertido que Galileu escreve o “Diálogo sobre os dois grandes sistemas do universo” completado em 1630 e publicado em 1632, onde voltou a defender o sistema heliocêntrico e a utilizar como prova, a sua teoria das marés, embora incorrecta.
É um diálogo entre três personagens, Salviati, que defende o heliocentrismo, Simplício, que defende o geocentrismo e é um pouco tonto e Sagredo um personagem neutro, mas que termina por concordar com Salviati.
Esta obra foi fulcral no processo da Inquisição contra Galileu. O Papa tinha sugerido a Galileu que escrevesse um livro em que os dois pontos de vista, o heliocentrimo e o geocentrismo fossem defendidos em igualdade de condições e onde desenvolveria as suas opiniões pessoais, aceitando por principio imprimi-lo.
Em 1630 terminada a obra, Galileu viaja a Roma para apresentá-la pessoalmente ao Papa. Este estava muito ocupado com a reforma protestante, o clima internacional era muito bravio e contrário à unidade da igreja, fez uma leitura breve e entrega o livro aos censores do Vaticano para avaliarem se não violava o decreto de 1616.
Os censores eram criaturas ignorantes sobre o tema, bisonhas e enfeudadas a catecismos, incapazes de produzir qualquer opinião crítica pelo que foram adiando a apreciação.
Galileu aproveitando a confusão e ignorância do colégio censório, conseguiu a “concessão do Imprimitur”, e publicou a obra em 1632, com pequenas alterações do texto, onde acentuava ser a teoria coperniana uma hipótese matemática.
O Processo final
Quando Urbano VIII fez uma leitura cuidada concluiu que a teoria coperniana não era apresentada como uma hipótese, mas pelo contrário toda a obra tratava de demonstrar a sua efectiva realidade. Para cúmulo, Galileu punha na boca do tolo Simplício palavras do próprio Papa, apresentando-as como a opinião de uma “pessoa erudita e eminentíssima”. O Papa logo suspeitou que a personagem do pacóvio era uma caricatura dele próprio, e sentiu-se traído.
Galileu perdeu assim o mais poderoso dos seus aliados. Galileu era um cristão fervoroso, mas e como já se referiu tinha um temperamento conflituoso e viveu numa época atribulada na qual a Igreja Católica endurecia a sua doutrina para fazer frente à reforma protestante.
O Papa sentiu que a aceitação do modelo Heliocêntrico como mera ferramenta tinha sido ultrapassada e convocou Galileu com quase 70 anos a Roma, para ser julgado, apesar de este se encontrar bastante doente.
Disseram ao papa que Galileu se encontrava em grandes dificuldades físicas ao que este respondeu “que viesse de liteira com toda a comodidade”.
Mudaram-se os tempos e o Grão-Duque de Florença protector de Galileu nada pode fazer para impedir a sua presença em Roma.
Galileu consegue ainda autorização do inquisidor de Florença para várias prorrogações mediante a apresentação de inúmeros atestados médicos, mas a pressão do papado é muito forte e é obrigado a partir para Roma a 20 de Janeiro de 1633.
Galileu chegou a Roma a 13 de Fevereiro de 1633 após uma atribulada viagem devido à peste que grassava na região.
Conseguiu subtrair-se às celas da inquisição e fica instalado na casa do embaixador de Florença, o que demonstra o temor que a própria Igreja tinha do processo considerando o seu enorme prestígio académico em todo o mundo dito civilizado.
Quando em 12 de Abril de 1633 se apresenta ao tribunal do santo ofício fica alojado nos aposentos do Ministério Público, na altura designado por fiscal.
Em julgamento Galileu é confrontado com o decreto proibicionista de 1616 que lhe foi notificado e determinava que as opiniões de Copérnico não se podiam sustentar ou defender.
O julgamento foi longo e atribulado, Galileu defendeu-se de forma sagaz argumentando que a teoria de Copérnico servia apenas para explicar o inexplicável na teoria geocêntrica, funcionando como mera hipótese matemática, mas a cáfila dominicana e jesuítica exigiu uma condenação, um exemplo.
Os historiadores afirmam contudo que a igreja receosa negociou com o Grão-Ducado da Toscânia a sentença, uma sentença branda e a sequência dos acontecimentos parecem dar razão a esta tese.
No dia 22 de Junho de 1633 um homem de 70 anos, um cientista genial e universalmente conhecido, é conduzido para a leitura da sentença, em cima da mula da inquisição com as vestes brancas de penitente, até ao grupo de carcomidos cardeais, que na grande sala do convento dominicano de Santa Maria no centro de Roma, formam o tribunal do Santo Ofício.
No abstruso julgamento, é ditada a sentença. Sendo que tu Galileu, filho de Vincenzo Galilei, florentino, da idade de 70 anos, foste denunciado neste Santo Ofício, por teres como verdadeira a falsa doutrina, ensinada por alguns, de que o sol é o centro do mundo e está imóvel, e que a terra se move. Tens disciplos aos quais ensinavas a mesma doutrina, tiveste correspondência com matemáticos da Germânia e destes à estampa algumas cartas intituladas “as manchas solares” nas quais apresentavas a mesma doutrina como verdadeira; às objecções que então te foram feitas, tiradas das Sagradas Escrituras respondeste glosando à tua maneira.
Por fim, no ano findo, lançaste um livro “diálogo dos sistemas Ptolemaico e Coperniano” e com a impressão de tal livro mais se espalhou a falsa opinião “do movimento da Terra e da estabilidade do Sol.
Galileu envergando a humilhante camisa branca dos penitentes teve de escutar imóvel, ajoelhado, a longa sentença. Considerando que Galileu não foi completamente sincero ao abjurar das falsas doutrinas, o tribunal invocando o Santíssimo Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua glorissima Mãe sempre Virgem Maria, sentenciou-o: a cárcere formal no Santo Ofício, a arbítrio da congregação, e como sentença salutar, dizer durante três anos uma vez por semana os sete Salmos da penitência.
Por édito público foi ordenado a proibição do livro dos “diálogos”. Em 22 de Junho de 1633 o Sacro Tribunal da Inquisição havia portanto decidido que a terra estava imóvel, que era o centro do universo, a igreja de Roma o centro da terra e o Vaticano o centro da igreja. Estava assim decidido e firmado por sentença teológica a verdade astronómica e sociológica.
A prisão de Galileu tornou-se o grande exemplo da “luta entre fé e ciência”. Os livros de Galileu foram incluídos no Índex, censurados e proibidos, mas foram publicados nos Países Baixos, onde o protestantismo tinha já substituído o catolicismo.
Reza a lenda que, ao sair do tribunal após sua condenação, disse uma frase célebre: “Eppur si muove!”, ou seja, “contudo, ela se move”, referindo-se à Terra.
Antecipando as consequências o Papa comuta-lhe dois dias depois a pena de prisão passando ao confinamento, primeiro no Palácio do Embaixador do Grão-duque da Toscana em Roma, depois na casa do arcebispo Piccolomini em Sena e mais tarde na sua própria casa de campo em Arcetri.
Em 1638 quando já estava completamente cego publicou na Holanda “Discorsi e Dimostrazioni Matematiche Intorno a Due Nuove Scienze em Leiden”, a sua obra mais importante. Nela discute as leis do movimento e a estrutura da matéria.
Galileo Galilei morre em Arcetri rodeado pela sua filha Maria Celeste e os seus descipulos. É enterrado na Basílica de Santa Croce em Florença, onde também se encontram Machiavelli e Michelangelo.
No decorrer dos séculos a Igreja vai rever as suas posições no confronto com Galileu. Em 1846 são removidas todas as obras que apoiam o sistema coperniano da versão revista do Índex. Em 1992, mais de três séculos passados da sua condenação, é iniciada a revisão do seu processo que decide pela sua absolvição em 1999.
Mas a questão não está completamente digerida, em 1990 O actual Papa, o Cardeal Ratzinger citou Feyerabend para dizer que “a igreja foi muito mais fiel à razão que o próprio Galileu”, e também considerou as consequências negativas éticas e sociais da doutrina de Galileu.
Acrescentou que o veredicto da Inquisição contra Galileu foi racional e justo. Cientificamente, Galileu devia ter esperado por mais evidências antes de defender com tanto afinco o modelo de Copérnico. Cientificamente, isso justificava que o revisor do seu primeiro trabalho lhe pedisse que apresentasse mais dados.
Diga-se porém, que não há nada de racional, científico ou sequer minimamente aceitável em torturar julgar e enclausurar Galileu pelas suas ideias.
É isto que Ratzinger e os Católicos que o defendem não referem, mas importa sublinhar, a Igreja Católica tinha o direito de discordar de Galileu mas não tinha o direito de o prender e maltratar.
Como já foi mencionado, Galileu viveu uma época atribulada. Durante a Idade Média, muitos teólogos já haviam reinterpretado as escrituras de forma relativamente livre sem que ocorresse nenhum incidente, mas depois do Concílio de Trento, o concílio da contra-reforma, iniciado por Paulo III em 1545 e que durou até 1563 a Igreja passou a considerar esse tipo de comportamento inaceitável. A tese heliocêntrica exigia, portanto, que a Igreja reinterpretasse certas passagens da bíblia exactamente no momento em que ela estava menos disposta a fazê-lo. Galileu acabou condenado e a doutrina da Igreja permaneceu por muito tempo fiel ao geocentrismo.
A importância de Galileu
Foi a persistente e corajosa cruzada de Galileu que desacreditou o sistema Aristotélico e Ptolemaico e precipitou o divórcio entre a ciência e a fé.
Seja qual for a leitura do processo, foi de facto a obsessiva e ruidosa opção de Galileu ao defender a teoria de Copérnico que fragilizou os alicerces da ciência do regime, submetido a uma exegese extremada e iniciou os alicerces da moderna ciência firmada na observação, medição e experimentação.
O grande responsável por esta “genial e corajosa rotura epistemológica” foi Galileu, inscrevendo uma linguagem eminentemente matemática em um universo que, a partir dessa época, passa a perder seus atributos míticos, mágicos, naturalistas ou teológicos.
Galileu foi o pai da ciência moderna, assim como seu grande inspirador, magistralmente uniu o raciocínio matemático à experiência.
O conhecimento antigo era elaborado através de uma abstracção teórica sobre como devia ser o mundo. As leis eram retiradas do modelo sintonizado com as elevadas exegeses teológicas, admitindo-se poderem ser discordantes das realidades observadas, considerando que o mundo é imperfeito.
Com Galileu o conhecimento começou a ser construído ao contrário, com base na observação e na experimentação.
O método científico moderno nasceu basicamente com Galileu e ajustou-se com as contribuições de Bacon e Descartes, e não esquecendo um vasto corpo de pensadores manteve-se até finais do século XIX. Einstein declarou Galileu como o pai da física moderna.
Galileu estabelece o diálogo experimental como o diálogo da razão com a realidade, do homem com a natureza e tomou como pressuposto que os fenómenos da natureza se comportavam segundo princípios que estabeleciam relações quantitativas entre eles. Os movimentos dos corpos eram determinados por relações quantitativas numericamente determinadas.
Galileu foi assim um marco não só pelas suas descobertas mas pelo processo para a construção do conhecimento científico. Se quisermos adoptar um novo conceito diria que instituiu um novo paradigma.
Notas sobre modernas concepções: Só nos finais do século XIX se começou a esboçar novas e mais arrojadas explicações da evolução da ciência negando as continuidades do processo de conhecimento, aliás o entendimento destas modernas concepções iluminam o que foi a difícil e corajosa acção dos pensadores que entraram em rotura com os conhecimentos oficiais.
No século XX, com o advento da mecânica quântica, da teoria da relatividade de Einstein e outras descobertas importantes da física, a característica mecanicista e determinista começa a ceder a uma visão mais livre e criativa.
Einstein, contrariando a objectividade pura, empregou sensibilidade e imaginação para construir as suas teorias:
Mais que uma simples descrição, a ciência deve ser a proposta de interpretação da realidade.
O método científico não deve ser dogmático, mas compreendido como a descrição e a discussão dos critérios básicos utilizados no processo de investigação científica.
Com base nessas premissas, é proposto o método hipotético-dedutivo. Enquanto o método indutivista identificava factos a serem investigados, o novo procedimento busca problemas de investigação que surgem da dúvida; uma questão que não encontra resposta no conhecimento disponível. As soluções elaboradas representam um modelo hipotético ideal, e jamais um espelho fiel da realidade.
Embora não haja lógica para o contexto de descoberta, deve haver para a validação. Popper (1975) colocou a importância de submeter as hipóteses a condições de falseabilidade através do método crítico. É imprescindível, dessa forma, à pesquisa possuir um conteúdo directamente empírico que possibilite a observação e a testagem. E, ainda, dentro da comunidade científica, a hipótese deve ser submetida a uma discussão intersubjectiva.
Na concepção contemporânea, em suma, o dogmatismo e o cientifismo da ciência moderna foram substituídos pela tentativa de se construir uma representação consciente e não-arbitrária da realidade. A produção de conhecimento passa obrigatoriamente pela investigação constante.
A única verdade absoluta oferecida pela ciência é a de que os seus produtos são passíveis de alteração.
Gaston Bachelard, que viveu entre 1884 e 1962, foi um pensador original, foi funcionário dos correios e professor de física antes de obter uma cátedra na universidade e exerceu uma enorme influência sobre os pensadores contemporâneos através do ensino na Faculdade de Letras de Dijon, de 1930 a 1940 e depois na Sorbonne.
A revolução que se produziu nas ciências fundamentais no fim do século XIX e princípios do século XX conduziu segundo Bachelard, a repensar as relações entre a razão e a experiência.
A experiência já não pode ser considerada como uma simples verificação da hipótese observada como queria o empirismo. O caminho da ciência moderna vai do racional ao real. Começa pela construção teórica abstracta e produz racionalmente uns processos experimentais.
Tal reflexão esclarece também o passado da ciência. A ciência sempre tem procedido por descontinuidades. Cada progresso é um «corte» em relação a um saber anterior que se pode revelar inteiramente ultrapassado.
Mas a herança científica é um importante legado da inovação, porque e como Gaston Bachelard preconiza, a verdadeira estratégia do corte epistemológico é a filosofia do não. O investigador é o que trabalha na rectificação do saber.
Thomas Samuel Kuhn foi um físico americano nascido em Ohio no ano de 1922 falecendo em 1996.
O seu primeiro livro foi A Revolução Coperniana, publicado em 1957. Mas foi em 1962, com a publicação do livro “Estrutura das Revoluções Científicas” que Kuhn tornou-se conhecido não mais como um intelectual voltado para a história e a filosofia da ciência.
O discurso de Kuhn é inovador, na medida em que, desvalorizando os aspectos lógico-positivistas, lógico-empiricistas, lógico-formais e racionais, que claramente encontramos no discurso popperiano, e que permitem que a ciência se explique exaustivamente pela sua lógica interna, traz para o debate, uma base sociológica até então desvalorizada e esquecida, que poderá explicar, “por que razão se comportam os cientistas muitas vezes como se estivessem mais interessados em impedir o progresso científico do que em promovê-lo; porque é que certas teorias não são aceites ao tempo da sua descoberta e só o são muito mais tarde, dando-se como que a sua redescoberta; porque razão são aceites teorias cuja obediência aos padrões estabelecidos está longe de ser evidente; porque são negadas ou rejeitadas teorias assentes em experimentação que satisfaz plenamente esses padrões”
A noção de paradigma resulta fundamental neste enfoque historicista e não é mais que uma macro teoria, um marco ou perspectiva que se aceita de forma geral por toda a comunidade científica (conjunto de cientistas que compartilham um mesmo paradigma e realizam a mesma actividade científica) e a partir do qual se realiza a actividade científica, cujo objectivo é esclarecer as possíveis falhas do paradigma ou extrair todas as suas consequências.
A ciência normal é o período durante o qual se desenvolve uma actividade científica baseada num paradigma. Esta fase ocupa a maior parte da comunidade científica, consistindo em trabalhar para mostrar ou pôr a prova a solidez do paradigma no qual se baseia.
Porém, em determinadas ocasiões, o paradigma não é capaz de resolver todos os problemas, que podem persistir ao longo de anos ou séculos inclusive, e neste caso o paradigma gradualmente é posto em cheque, e começa-se a considerar se é o marco mais adequado para a resolução de problemas ou se deve ser abandonado. Então é quando se estabelece uma crise, que ademais supõe a proliferação de novos paradigmas que competem entre si tratando de impor-se como o enfoque mais adequado.
Finalmente se produz um revolução científica quando um dos novos paradigmas substitui ao paradigma tradicional. A cada revolução o ciclo inicia de novo e o paradigma que foi instaurado dá origem a um novo processo de ciência normal.
Fonte:
http://loja.ocidente.eu/?p=80#more-80