segunda-feira, 11 de junho de 2007

Hegel - O Espírito absoluto

"Saber absoluto", "fim da história" ...existe um antes e um depois Hegel. Levando a idéia de sistema a seu paroxismo, Hegel deu uma grande extensão ao campo da filosofia. Sua obra continua a suscitar a controvérsia, principalmente na França onde sua influência foi imensa.


Georg Wilhlm Friedrich Hegel

(1770 - 1831), o mais influente sem contestação dos filósofos post-Kantiens, deixou uma obra difícil. Mas será que existe um pensador importante que não tenha feito a mesma coisa? Um pensamento poderoso não se confessa sem defesa. Hegel é um grande filósofo porque ele nos força a transformar as questões que nós nos fazemos: ele desloca nossas "idéias". Ele nos ensina também essa modéstia que consiste a se colocar a escuta do real antes de julgá-lo: "Cada um quer e acredita ser melhor que seu mundo. O melhor é aquele que exprime melhor do que os outros esse mundo que é seu”.


Aristóteles dos tempos modernos

O caráter enciclopédico de seus interesses lhe valeu de ser considerado como o Aristóteles dos tempos modernos. Como esse último, ele considera que não existe de uma certa maneira nenhum objeto, tão humilde que seja possível que não ofereça um interesse para o pensamento: ao mesmo tempo em que ele reflete sobre a dialética do ser e do não ser ou sobre o "saber absoluto", ele se interessa à química, a astronomia, a psiquiatria, a economia política, a arte viva assim que a sua história....
Sua obra faz parte daquelas que desenharam a paisagem contemporânea. Na França, em particular, sua influência se fez sentir em lugares inesperados: os surrealistas o inscreveram no panthéon deles (Magritte até pintou suas "Férias" em 1958...) e, graças a Kojève, toda uma geração de espíritos originais (Aron, Bataille, Lacan, Merleau- Ponty....) se alimentaram de seu pensamento. De maneira mais extensa, é toda a filosofia européia dos séculos XIX e XX que reage a Hegel. Marx e Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger, e mesmo a filosofia analítica que começa (Russel), definiram até um certo ponto o programa deles com relação a Hegel, na verdade, sobretudo contra ele.
Com efeito, uma coisa é clara: após Hegel, nós não podemos mais filosofar da mesma maneira. Marx e os "jovens-hegelianos" querem, por conseguinte sair da filosofia para realizar seus direitos ativamente; Kierkegaard quer arrancar a existência da influência do conceito; Nietzsche concebe seu empreendimento como uma máquina de guerra contra a dialética; Heidegger enfim, lê em Hegel o último capítulo da história da metafísica, que é aquele do "esquecimento do ser".
Mas o que é que, nesse pensamento suscita a oposição de autores tão diferentes? Provavelmente o fato que ele é sistemático, dialético, e "conceitual?" - (conceptuel - me perdoem, não sei a palavra em português... resgatando a língua pátria, grata) - (na linguagem hegeliana, "especulativo").


O desdobramento do absoluto

A filosofia moderna quis de uma maneira geral ser científica, por conseguinte sistemática: "A unidade sistemática é o que transforma em ciência o conhecimento comum" (Kant). A sistemática é uma garantia de "scientificité" para um saber sempre exposto ao risco da dispersão e da discordância. Mas o pensamento de Hegel é sistemático em um sentido particularmente forte.
"Diachronicamente", cada filosofia, inclusive a sua, é uma expressão provisória de um único sistema de pensamento se desdobrando no curso do tempo: expor a história da filosofia é expor a filosofia ela-mesma. Sincronicamente, a filosofia é construída a partir de uma fonte única, que Hegel chama "a idéia" ou "o absoluto". Ela é assim um "círculo de círculos": a lógica, a filosofia da natureza, a filosofia do espírito. Esses círculos só tem significação relativamente uns aos outros e com relação ao tudo que os reúne: "O verdadeiro é o tudo". Mas, nesse tudo, as diferenças não são anuladas: o absoluto não é "a noite onde todas as vacas são pretas".
Hegel, após Kant, fez uma distinção entre a razão e o entendimento. O entendimento produz saberes localizados e parciais (as ciências). O sistema (a Ciência) é a totalização racional. Mas ele não é a simples adição, pois a razão transforma os saberes de entendimento para exprimir a verdade. Essa apropriação é dita "dialética": o "trabalho do negativo" transforma de maneira considerável a economia do conhecimento. Ela também é "especulativa", pois o tudo não é igual a soma das partes, ele apresenta um excesso com relação a estas; é esse excesso da razão com relação ao entendimento e aos saberes determinados que a filosofia quer encarnar.


O real e suas contradições

Mas o que é então essa "dialética" que a filosofia Hegeliana faz seu emblema? Ela consiste em "suprimir as oposições rígidas" sobre as quais são construídos o pensamento e a língua comuns. A mais fundamental dentre elas é a do pensamento e a do ser; é ela que Hegel quer antes de tudo superar. Mas a dialética não é apenas um método que o filósofo "aplicaria" ao real ou ao discurso. Ela designa, no seio do ser ele mesmo, essa propriedade que tem "tudo o que é terminado" de "suprimir-se a si mesmo". A dialética é a expressão pensada da contradição interna, do dinamismo imanente graças "a quem" - ( está correto o emprego do pronome? grata ) - o ser advêm infinitamente a si mesmo: essa verdade em movimento do ser imediato, realização de sua "dialética imanente", é o que Hegel chama a idéia. Da mesma maneira que ela é essencialmente dialética, o pensamento é, por conseguinte "especulativo": ele realiza uma razão "positiva" que "parachève" - não conheço a palavra em português, quer dizer, " que conduz ao ponto mais próximo da perfeição") - a obra da razão "negativa" expondo o resultado "positivamente racional" de seu trabalho. Mas é na realidade a mesma razão que é ao mesmo tempo dialética e especulativa, negativa e positiva. Do entendimento à razão dialética, da razão dialética à razão especulativa, existe continuidade e descontinuidade, quer dizer, segundo o termo através do qual Hegel faz seu slogan: Aufhebung (supressão, ultrapassagem, conservação). Elas são os aspectos solidários do processo um pelo qual o ser se coloca como objeto.


A modéstia do pensador

A filosofia hegeliana é uma filosofia do conceito. O "caro eu" ocupa nela um lugar muito pequeno. Hegel repugna falar dele mesmo, preferindo a postura em aparência modesta do secretário escrevendo de acordo com o espírito do mundo.
Contudo, ele nos "condena a explicá-lo". "É estúpido, escreve ele, de sonhar que uma filosofia qualquer ultrapassa seu mundo": sua filosofia então não fala de nosso mundo. Mas ela nos fornece poderosas ferramentas para tentar de pensar o que ele é. Hegel foi o primeiro a tematizar a oposição da sociedade civil e do Estado, que tornou-se um "lugar comum". Foi ele que colocou (de maneira mais complexa que nós possamos acreditar) o problema do fim da história, que Fukuyama e os neoconservadores colocaram em deliberação após a queda do mundo soviético. Estranha ironia: quando Lênin durante a primeira guerra mundial preparava a revolução russa, o que ele lia? A lógica....
Mas Hegel não é um pensador que nós podemos facilmente nos apropriar: aqueles que quiseram fazer dele um conservador ou um revolucionário mutilaram seu pensamento, justamente o dele, que não tinha a preocupação de prever o que vai acontecer ("o futuro não interessa o filósofo"; "a filosofia não faz profecias"), nem de prescrever o que deve ser feito ("a idéia não é assaz impotente para dever apenas ser"). A tarefa do filósofo não é de dizer aos homens o que eles devem esperar, mas de lhes permitir de esperar de uma maneira sensata lhes ajudando a "conceber o que é".

- Jean-François Kervégan, professor de filosofia em Paris-I, tradutor dos Princípios da Filosofia do Direito de Hegel, e autor, entre outros, de Hegel e o hegelianismo (PUF, colle. "Que sais-je?" 2005) e de Hegel, Carl Schmitt. O Político entre especulação e positividade. (PUF, 2005).

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