segunda-feira, 28 de julho de 2008

LAICIDADE

Ser laico é adotar o livre exame como método de pensamento e de ação,
restaurar a solidariedade,construir uma sociedade mais justa,
lutar contra todas as formas de discriminação,
lutar contra o racismo e a desigualdade,
promover o ensinamento público gratuito,
favorecer para todos a igualdade de acesso aos estudos,
afirmar a necessária separação das "igrejas* e do estado
.

O texto que se segue sobre "Laicidade", foi extraído de documentos oficiais. A sua utilização tem como objetivo principal o esclarecimento de como os países europeus, americanos e asiáticos, interpretam e aplicam essa forma constitucional. Os termos "Igreja", "Igreja e seu Deus" e outros similares não se refere à religião e sim ao poder político da Instituição.

A "Laicidade" designa o princípio de separação do poder político e administrativo do Estado, do poder religioso. A palavra "laica" designa as pessoas ou instituições que respeitam esse princípio. Implica em um ensinamento onde não se aborda, do ponto de vista da fé, qualquer formação religiosa. Por outro lado, o ensinamento das religiões não é incompatível com a "Laicidade", tanto que "usos e costumes" presentes em cada religião são descritos, do ponto de vista exterior, nas cadeiras dos cursos de história e geografia. "Laicidade" no Estado é um conceito estreitamente ligado à liberdade de expressão e de opinião. Se é permitido a cada um praticar a religião de sua escolha, ou de não praticar nenhuma, esta prática não deve ir contra os princípios fundamentais da "Declaração dos Direitos dos Homens". Isso quer dizer que ela não tem o direito de impedir a prática de outras religiões ou obrigar a quem quer que seja a aderir a essa prática, nem de afrontar a vida de quem quer que seja. Segundo esse princípio, a crença religiosa exterioriza a intimidade de um indivíduo. As convicções religiosas, ou ausência de convicção, de cada um, que se faz necessário distinguir das opções espirituais ou metafísicas teístas mais ou menos independentes das religiões, são então voluntariamente ignoradas pela administração do Estado, o que faz com que o Estado veja o cidadão acima de sua condição de muçulmano, judeu, católico, budista, etc.

"LAICIDADE" E SUAS ORIGENS

O conceito de "Laicidade", enquanto separação do poder religioso e do poder secular, é muito antigo. Pode ser visto já na antiguidade greco-romana. No Séc. V, o papa Gelase I enunciou a doutrina dos dois gládios, visando separar o poder temporal e a autoridade espiritual. Esse termo foi retomado no artigo 1° da Constituição de 4 de outubro de 1958, da 5ª República (em vigor até os dias de hoje), onde se utiliza o adjetivo "laïque" designando a República Francesa, como se segue :
«A França é uma República indivisível, laica, democrática e social. Ela assegura a igualdade diante da lei, de todos os cidadãos, sem distinção de origem, raça ou religião. Ela respeita todas as crenças».
A mesma Constituição, integrando a "Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, de 26 de agosto de 1789", invoca o Ser Supremo. O Ser supremo não é, todavia, um conceito religioso, mas designa um homem tendo alcançado a divindade pela aplicação dos princípios do conhecimento, em particular o racionalismo, e isto com o objetivo de se opor ao desenvolvimento do conservadorismo dos católicos e de seu Deus.

AS TRÊS CONCEPÇÔES PRINCIPAIS DA "LAICIDADE"

1. A concepção Francesa

A primeira e mais importante tradução concreta deste princípio na França concerne ao estado civil, antes sob a responsabilidade do cura da paróquia, que registrava o nascimento, o batismo, o casamento e a morte das pessoas. Desde 1792, a responsabilidade passou para o oficial do estado civil na comunidade (o prefeito) e todos os atos devem ser registrados diante dele (à exceção do batismo que não é um ato de registro). As cerimônias religiosas (casamento religioso, batismo, enterro, etc.) não têm valor legal e nem podem ser levadas a efeito senão após o registro do estado civil (exceto pelo batismo). Elas têm somente um caráter opcional. Por exemplo, um casamento religioso não poderá ser efetuado (se os participantes o desejam) senão posteriormente a um casamento civil. Dentro de uma particularidade francesa, não pode haver critério religioso em um recenseamento feito pelo Estado.

2. A concepção Americana

Os Estados Unidos são uma República fortemente impregnada pelos valores cristãos (tradição puritana trazida para a Nova-Inglaterra), mas também batistas, metodistas e católicas. No entanto, desde a época da revolução americana, a idéia de "Laicidade" é um conceito incontornável na América, herança dos seguintes Luminares:

Thomas Jefferson:

A Declaração de Independência Americana, redigida pelo deísta Thomas Jefferson, em 1776, faz referência a um Deus criador que legitima os direitos do Homem. Jefferson era ferozmente ligado à separação da Igreja e do Estado, como testemunham seus escritos:

George Washington (1732-1799), 1° Presidente americano diz:

«Todos possuem igualmente a liberdade de consciência e a proteção da cidadania. O governo dos Estados Unidos não apóia o sectarismo, nem dá assistência à perseguição, e exige somente que todos aqueles que vivam sob sua proteção, se conduzam como bons cidadãos. As crenças religiosas de um homem não o privarão da proteção das leis, nem do direito de obter e de exercer as mais altas funções públicas existentes nos Estados Unidos».

John Adams (1735-1825), 2º Presidente:

"O governo dos Estados Unidos não está, de maneira alguma, fundamentado na religião cristã, e não tem nenhuma discórdia com a lei, a religião ou a tranqüilidade dos muçulmanos".

James Madison (1751-1836), 4º Presidente:

"O governo, em nenhuma hipótese, tem o direito de se imiscuir em qualquer religião. Sua menor interferência seria uma usurpação flagrante".

Thomas Paine:

«De todas as tiranias que assolam a humanidade, a pior é a tirania em matéria de religião».

Oficialmente, a religião se separou do Estado pela primeira emenda da Constituição de 1787. No entanto, as referências a Deus são onipresentes na prática política:
• George Washington foi o primeiro presidente a introduzir o juramento sobre a Bíblia, enquanto que a Constituição previa somente um simples juramento;
• percebe-se igualmente que: «In God we trust» (confiamos em Deus), escrito nas cédulas americanas, tornou-se uma divisa oficial dos Estados Unidos, em 30 de julho de 1956, por iniciativa de um Deputado da Flórida, Charles E. Bennett;
• o juramento dos presidentes americanos sobre a Bíblia, quando da investidura, etc...
A definição do Deus ao qual se refere o Estado americano é pensada e vivida como o ponto comum a todas as religiões, e não se trata então de um Deus preciso, ligado a um culto definido. De uma maneira diferente da França, onde o Estado opta por sua indiferença aos cultos, o Estado americano opta criando um ponto comum que é o fato de ter fé.

3. A concepção turca

A Turquia, desde a sua Constituição de 1921 (artigo 2°), é um Estado laico; ele é o único país laico no mundo muçulmano. Entretanto, a separação entre as Igrejas e o Estado não é recíproca como na França ou nos Estados Unidos. Se as Igrejas não podem ter influência sobre o Estado (interdição de portar o véu na escola pública, por exemplo), o Estado, ao contrário, pode se permitir editar as regras em matéria de religião. Ademais, enquanto na França a "Laicidade" é uma exigência formal e um princípio tradicional, corolário, principalmente, da liberdade de crença, na Turquia ela é uma exigência de ordem pública, como o lembrou a Corte européia dos direitos do homem, no caso Leyla Sahin contra Turquia (2004-2005).

"LAICIDADE" POR PAÍS

Países constitucionalmente laicos

A classificação seguinte repousa unicamente no estatuto jurídico das Igrejas, sem presumir seu peso político efetivo.

Cuba: desde 1959.

França: retomado no art. 1° da Constituição de 1958.

Índia: A 42ª Emenda à sua Constituição de 1947 (o Ato Constitucional de 1976) permitiu incluir a palavra "secular" diante das palavras "República Democrática" em seu preâmbulo.<

Japão: Art. 20 da Constituição de 1947. Durante a primeira metade do Séc. XX, e particularmente durante os anos 30, os regimes militaristas que governaram o Japão impuseram o "xintoísmo do Estado", forma exacerbada e instrumentalizada do "xintoísmo tradicional". Elaborada e adotada durante a Ocupação americana (1945-1952), a Constituição atual integra as concepções ocidentais de "Laicidade" e de separação de Igreja e Estado.

México: Art. 3° da Constituição de 1917.

Portugal: O Art. 41 da Constituição de 1976 estabelece que o Estado é laico. Todavia, trata-se de uma "Laicidade" somente teórica, porque o acordo de 1940 com a Santa Sé permaneceu em vigor, da mesma forma que a lei n° 4 de 21 de agosto de 1971, frequentemente qualificada de lei relativa à liberdade religiosa, que afirma igualmente o status especial da "Igreja católica". Essa especificidade foi ainda confirmada em 2004, quando Portugal assinou com a Santa Sé um novo acordo, permitindo atualizar o antigo, onde certas disposições, em particular relativas às atividades missionárias nas antigas colônias portuguesas, estavam obsoletas. O novo acordo reconhece a liberdade religiosa, mas "garante o caráter excepcional das relações entre Portugal e a Igreja católica sem que nada entre em contradição com a ordem jurídica portuguesa", e mostra bem que o princípio constitucional de "Laicidade" é puramente formal.

Uruguai: Art. 3° da Constituição de 1997. (Todos os cultos são livres no Uruguai. O Estado não apóia qualquer religião).

Turquia: Constituição de 10 de dezembro de 1937: «o Estado turco é republicano, nacionalista, populista, estatal, laico e reformador».

Países Seculares

Paises que reconhecem um status especial para as Igrejas em relação a outras associações ou cuja Constituição faz referência a Deus. A Constituição desses países estabelece a separação da Igreja (ou antes, das religiões no plural) e do Estado.

Alemanha: O preâmbulo da Constituição faz referência a Deus: "Consciente de sua responsabilidade diante de Deus e diante dos homens,..." O Estado recolhe os impostos eclesiásticos junto com os impostos sobre a renda (coletados na fonte, razão pela qual a pertinência religiosa é revelada ao empregador, que deve fazer os cálculos necessários). Existe uma instrução religiosa nas escolas públicas, dispensada aos aderentes de um culto, salvo decisão contrária dos pais ou de alunos mais velhos, geralmente a partir de 14 anos. Um curso de ética (ou de "filosofia prática", "valores e normas") deve ser cursado por aqueles que não seguem um curso de religião.

Bélgica: Desde a fundação do Reino, em 1830, os membros do clero de confissão reconhecida pelo Estado são remunerados por ele. Atualmente, seis religiões são reconhecidas: o catolicismo (reconhecido como uma posição de confissão dominante do Reino), o protestantismo, o anglicanismo, o ortodoxo, o judaísmo e o islamismo, aos quais vem juntar-se a comunidade dita «laica», que é tratada de maneira análoga e recebe igualmente remuneração do Estado. A "Laicidade" organizada prepara, ademais, as cerimônias, a exemplo de outros cultos, tais como o apadrinhamento, o casamento, as festas da juventude laica, os funerais, etc,

Canadá: O direito canadense não conhece a concepção de "Laicidade". Mas, uma jurisprudência antiga sublinha que no Canadá "não há religião de Estado". Hoje, o preâmbulo da Carta canadense dos direitos e liberdades (1982) começa pelo seguinte enunciado: Posto que o Canadá é fundado nos princípios que reconhecem a supremacia de Deus e a primazia do direito... A referência a Deus só tem provavelmente um alcance simbólico. No direito canadense, as relações entre o Estado e as religiões se situam, de fato, em um quadro jurídico claramente delimitado pelas liberdades fundamentais de consciência e de religião. A liberdade de religião comporta tão bem a liberdade de crer e de professar suas crenças, que o faz não ser forçado a agir contrariamente à sua consciência ou a suas crenças. Para o Estado, ela implica, como na França, certa obrigação de neutralidade religiosa. É por isso que uma lei que recupera por sua conta os preceitos de uma religião, por exemplo, criando uma infração penal sobre a base de uma interdição religiosa, poderá ser declarada inoperante pelos tribunais no quadro do controle da constitucionalidade das leis.

Espanha: A instrução religiosa católica é obrigatória. Após a morte do ditador Francisco Franco, os governos socialistas que o sucederam desde o restabelecimento do Reino, fizeram aprovar o acordo de 1979 que estipulava: À luz do princípio da liberdade religiosa, a ação educativa respeitará o direito fundamental dos pais sobre a educação moral e religiosa de seus filhos nos meios escolares. Em todo caso, a educação difundida nos centro de ensino público será respeitosa dos valores da ética cristã. Mas, a pedido do Cardeal Antonio María Rouco, no dia 26 de fevereiro de 2002, o governo de José María Aznar restabelece uma disposição do tempo da ditadura, do Acordo de 1953. Segundo essa disposição, o Art. 27 desse acordo é reposto, em parte, e colocado em vigor em dezembro de 2003. Ele estipula: o Estado garante o ensino da religião católica como matéria ordinária e obrigatória em todos os centros de ensino, quer sejam públicos ou privados, qualquer que seja a natureza e o nível. O catolicismo tornou-se então matéria que contava ponto nos exames, e as demais religiões que não a católica, classificadas como hereges, só tinham o direito a um ensinamento de moral cívica. Essa disposição foi abolida em 2004, a partir das eleições. Em 25 de julho de 2005, o governo socialista levou a público um projeto de lei que tornava os cursos de religião católica facultativos à escola pública. Este projeto prevê também que as notas obtidas pelos alunos nestas matérias não mais contava ponto para a obtenção de bolsas, ir para a universidade ou passar para uma classe superior.

Itália: O país está sob regime concordatário desde os acordos do Latran (1929), que estipulava que o catolicismo era religião de Estado na Itália, e foram incorporados na Constituição atual, de 1948, que afirma em seu Art. 7°, a independência e a soberania do Estado e da Igreja católica, «cada um em sua ordem própria». Na seqüência, os problemas jurídicos colocados pela contradição entre os acordos do Latran e a Constituição de 1948, em particular na matéria matrimonial, gerou um novo acordo negociado em 1984. Se ele abandona o status de religião de Estado da Igreja católica, ele afirma, em contrapartida, que «os princípios do catolicismo fazem parte do patrimônio histórico do povo italiano», e mantém o ensino da religião católica nas escolas.

Irlanda: Embora não esteja sob regime concordatário, o país é fortemente marcado pela sua tradição católica. A constituição faz referência a Santíssima Trindade, e um status particular é concedido à Igreja católica, que desempenha um papel importante no país.

Países Baixos: Os Países Baixos reconhecem um princípio diferente do secularismo, e a Igreja reformada perdeu o status de religião de Estado em 1983.

Rússia: A Constituição de 1993 coloca o princípio da "Laicidade" na Federação Russa. No entanto, depois da queda do regime comunista, o país conheceu uma renovação da religião ortodoxa e uma progressão do islamismo. Em 2006, nas quatro regiões, os cursos de civilização ortodoxa são obrigatórios nas escolas. Em outros lugares eles permanecem facultativos. O patriarca de Moscou está presente nas cerimônias oficiais. O islamismo é ensinado nas repúblicas do Cáucaso.

Suiça: As situações cantonais são diversas. Alguns cantões reconhecem a proeminência de certas Igrejas (catolicismo, protestantismo e judaísmo).

Países com religião de Estado

Países onde uma religião é declarada como dominante pela Constituição e goza de um status privilegiado, sem para tanto constituir um «Estado Religioso», no sentido onde o poder não é exercido «em nome de Deus»:

Estados budistas:
Camboja e Tailândia

Estados Cristãos:
Igreja anglicana: Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte.
Igreja católica romana: Malta, Mônaco e São Marino.
Igreja luterana: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia.
Igreja ortodoxa: Grécia (a Constituição grega faz referência a Santíssima Trindade. O proselitismo a outras religiões que não a ortodoxa é proibido, e, de maneira geral, a Igreja grega ortodoxa tem na prática o status de religião de Estado. Por exemplo, o presidente e o vice-presidente devem ser dessa confissão).
Igreja presbiteriana: Escócia.

Estados judaicos:
Israel. Fundado como Estado para os judeus, ele se tornou um Estado judeu, após um acordo entre David Ben Gurion e a minoria ortodoxa, com o objetivo de obter seu apoio na guerra de independência contra a Grã Bretanha. Hoje, a situação israelense é complexa:
a) O estado civil é regido pela lei religiosa, para todos os cidadãos, mesmo os não judeus.
b) As conversões obtidas pelos estrangeiros junto a rabinos liberais não eram reconhecidas até 20 de fevereiro de 2002, data em que a Corte Suprema deu um veredicto obrigando o ministério do Interior a inscrever como judeus 24 pessoas convertidas por esses rabinos massoretas e liberais.
c) Os casamentos no território nacional devem ser efetuados por rabinos ortodoxos, mas os casamentos massoretas (conservadores) são admitidos, se a cerimônia for realizada no estrangeiro.
d) O divórcio tanto pode ser pedido pelas mulheres como pelos homens, unicamente junto às autoridades religiosas (ou civil para os estrangeiros residentes). Segundo a versão ortodoxa do judaísmo, infelizmente para as mulheres que solicitam um divórcio religioso, seu marido pode lhe recusar indefinidamente, sem incorrer em sanção.
e) Dois consistórios representam a autoridade religiosa: um askenazi e um sefaradi. Aqueles que não se enquadram nem em um, nem em outro, como os falashas, ficam prejudicados.
f) O Estado adotou medidas para favorecer o financiamento de congregações massoretas (conservadores quando se trata da fé, modernos quando se trata da teologia moral e da «Laicidade») e liberais (modernos em todos os pontos), mas, na prática, os ortodoxos continuam a ser favorecidos na atribuição de subsídios e local de culto.
g) Somente os cidadãos judeus e os cidadãos drusos fazem o serviço militar.
h) A menção de «judeu», «druso», «árabe» é informada com precisão na carta de identidade.

Estados muçulmanos
Argélia, Tunísia, Marrocos, Mauritânia e Síria.

Países Teocráticos

Forma de governo na qual o clero ou seus representantes exerce a autoridade em nome de Deus.

Vaticano: Papa católico, apostólico, romano.

República Islâmica do Irâ: o Conselho dos Guardiães da Revolução é composto de membros do clero xiita.

Coréia do Norte: teocracia pessoal do «querido dirigente» Kim Jong-il e da doutrina do Juche.

República das Maldivas: sultanato islâmico.

Butão: teocracia budista.

Um caso particular: a União Européia

A União Européia agrupa Estados de concepções diferentes da «Laicidade». Para tentar equacionar essas divergências, o Projeto de tratado, instituindo uma Constituição para a Europa (junho de 2003) consagrava o Art. 51 de sua primeira parte ao status de Igrejas e de organizações não confessionais:
51-1: A União respeita e não prejulga o status onde beneficiam, em virtude do direito nacional, as Igrejas e as Associações ou Comunidades Religiosas nos Estados Membros.
51-2: A União respeita igualmente o status das organizações filosóficas e não confessionais.
51-3: Reconhecendo sua identidade e sua contribuição específica, a União mantém um diálogo aberto, transparente e regular com as Igrejas e organizações.

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A ILUMINAÇÃO DO EU SUPERIOR

O ENIGMA DA ORIGEM DA LUZ

Huyghens e Newton elaboraram a teoria das ondas luminosas transmitidas pela incandescência do sol, das demais estrelas e das chamas. As radiações das fontes de luz foram objeto de inúmeros tratados científicos. A natureza da luz sempre manteve os estudiosos imersos na perplexidade. Einstein, Maxwell e Louis de Broglie consagraram obras eruditas ao estudo da propriedade ondulatória ou, ao contrário, da linha reta do fenômeno da propagação, assim como ao estudo da formação da claridade luminosa molecular e material.

Observou-se justamente que “os objetos que nos cercam só são visíveis porque refletem a luz”. Esta luz se propaga por ondas. A sua irradiação é eletromagnética e energética. Bohr estabeleceu que a luz deve sua geração à matéria; a combustão a produz e a emite. A luz é um “elemento constitutivo do Universo”. Os físicos têm constantemente investigado seus desdobramentos no cosmos: do Sol à eletricidade e ao laser, e do infravermelho ao ultravioleta, eles repetiram suas experiências, anotaram suas observações em ótica, a irradiação luminosa no espaço e no vácuo. Observaram que sua cor branca comporta a reunião de todas as cores que o prisma decompõe. Newton comprovou isso.

As fontes luminosas, de origem térmica, atômica, gasosa ou incandescente, são conhecidas ou ao menos explicadas. “Matéria e luz estão ambas em contínua interação”, como diz Pierre Rousseau. O aquecimento produz a iluminação. De Euclides a Goethe, muitos foram os que perscrutaram o seu mistério, no qual alguns não hesitaram em ver um “magismo”! Sendo a velocidade do raio solar de 300.000 km/s, como medir a sua densidade?

Em resumo, escolhamos uma definição, tão clara quanto possível, ou seja, a dos cientistas: “Luz, é onda eletromagnética, cuja parte visível tem comprimento de onda que varia entre 0,4 e 0,7 micron. Propaga-se no vácuo a aproximadamente 300.000km/s”. “Segundo o seu comprimento de onda, ou segundo a mistura de seus comprimentos de onda, a sua impressão colorida é variável. A mistura de todos os comprimentos de onda nos dá a impressão de branco. A Luz obedece às leis da difração, da difusão, da reflexão, da refração e da polarização.

O físico Maxwell elaborou a teoria eletromagnética da propagação da luz, renovando a antiga teoria da vibração do éter. Certos estudiosos reúnem o calor, a luz e a eletricidade. É o caso de Louis Lucas, em sua Médicine Nouvelle, que declara serem estas as “três fazes gerais do movimento”, cujas nuances são infinitas. Papus retoma essa afirmativa no seu Trate Méthodique de Science Occulte. Segundo Pierre Rousseau, “a luz visível é apenas uma fração ínfima do domínio das radiações eletromagnéticas, que são vibrações transversais de forma senoidal, de um duplo campo elétrico e magnético. Está hoje provado que a luz segue a curvatura do espaço.

O preto, o branco e as cores freqüentam o nosso destino. A vida, a Natureza e o Cosmos só se expandem pela Luz.


A ADORAÇÃO DO SOL-LUZ

Este foi um dos primeiros sentimentos místicos dos homens. A religião nasceu disso. Inicialmente, os mais inspirados, depois os sacerdotes, todos eles imbuídos da tradição edênica, evocaram Adão ao nascer do Sol e o fim do mundo no pôr do Sol. A Luz ilumina o mundo. A Luz é Deus. As peregrinações existiram em abundância no momento dos solstícios e dos equinócios. São imperecíveis, sob este ponto de vista, os deuses-sóis da Pérsia e do Egito. Em Roma, o poeta Lucrécio assim saudava o Sol: “ O sol etéreo, essa rica fonte de fluido luminoso, banha o céu de um brilho sempre fresco, sem parar de substituir a Luz pela Luz... Os objetos precisam de uma Luz sempre nova e cada jato luminoso que se dissipa tão logo nasce, e nada se poderia perceber à Luz do Sol se essa claridade cessasse de se renovar pela sua própria fonte”.

Graças a essa incessante energia luminosa que recebemos do Sol, a Terra se aquece e emite radiação de calor no espaço. Nas cerimônias de iniciação dos Mistérios de Eleusis, o profano era levado a caminhar por lugares tenebrosos e inquietantes, que o deixavam com medo e inseguro. Pouco a pouco as trevas se dissipavam, e o candidato passava a ver uma claridade, que finalmente se convertia em luz intensa. No Rito de Iniciação de Osíris, no Egito, os profanos eram arrastados pelas salas da Grande Pirâmide, em plena escuridão. Em seguida, os candidatos eram levados a um tribunal no qual viam a representação da morte, e passavam pelas provas simbólicas da purificação. Tudo terminava em lugares banhados de Sol, após o que, pelas palavras misteriosas, eram comunicados aos neófitos os segredos do Além ou Amenti.

Nos Mistérios de Dionísio, Orfeu dizia aos recém-iniciados: “Vinde beber a Luz do Templo, oh vós que saístes da noite. O Sol que evoco sobre vossas almas não é o Sol dos mortais, é a Luz pura, o grande Sol dos iniciados”.

O culto do Sol teve o seu período áureo no reinado do faraó Amenophis IV, também chamado Akhen-Aton. Ele foi o primeiro ser humano a instituir um culto monoteísta. Os egípcios acreditavam que a Luz iniciática trazia a salvação do homem. Por isso, mandavam costurar no sudário dos mortos um amuleto simbolizando o Sol. Aton era o deus solar adorado ao tempo do faraó Amenófis ou Akhenaton.


O OURO-LUZ

Os egípcios reverenciavam a qualidade solar do ouro. Daí a cor amarela ser primordial em seus ritos funerários. A tradição grega já via no ouro um aspecto do Sol, com as suas virtudes da fecundidade. O deus Apolo tinha cabelos de ouro. O Velo de Ouro dos Argonautas conferia a quem o tivesse o poder temporal e o poder espiritual. Na Índia, reverencia-se também o ouro por ter o brilho da Luz. Os ícones de Buda são dourados, bem como o são os ícones bizantinos, por serem o reflexo da Luz Celeste. Para os alquimistas, Nicolas Flamel entre eles, a transmutação do chumbo em ouro nada mais é do que a transformação do homem por Deus. Esse é o objetivo da alquimia espiritual.

O Sol é representado pela cor do ouro. E o ouro freqüenta intensamente a discrição do Apocalipse. Jesus mediu a Jerusalém eterna com uma régua de ouro, ao passo que a cidade é toda de ouro puro. Segundo J.P. Bayard, “Essa régua de ouro é o símbolo da justiça e do esplendor, da sabedoria e da verdade”. Mas o que devemos lembrar é que o ouro simboliza a divina claridade da pureza e da Luz”.


A LUZ PELO FOGO

Gerador de luz, o fogo, purificador e iluminador, segundo Paul Diel, projeta suas chamas para o céu e “representa o impulso para a espiritualização”. Ele é o símbolo da regeneração, mais que da morte, e o aniquilamento pela combustão. Como o Sol pelos seus raios, o fogo, pelas suas chamas, simboliza a ação fecundante, purificadora e iluminadora.

O fogo, criador da Luz, terá os seus prolongamentos no rito de incineração, nas fogueiras da Idade Média, nos fogos de São João, e em todas as ações que tenham a intenção da purificação. Assim, o fogo é a menos imperfeita imagem de Deus, a menos imperfeita das suas representações, e que existe em abundância na simbólica teológica.

Na Índia, os grandes determinantes da Luz, que são o fogo, o raio e o Sol, têm lugar de destaque e fundamental. Agni, Indra, Sürya, são os intermediários celestes do Fogo. O Fogo ritual simboliza as paixões, os espírito e o conhecimento intuitivo. Os taoístas se lançam na fogueira para se libertar dos erros humanos e unirem-se ao Eterno; o sacerdote lhes garante que o fogo não queima o santo. Este Fogo sacrificial do hinduísmo é sagrado. Nas religiões judaica e cristã, numerosos são os círios, os castiçais, as lamparinas, as velas das procissões, dos templos, dos pedidos ou dos pagamentos de promessas.

Desde a alta antiguidade os templos são orientados para o Oriente, para receber a primeira luz solar. O Oriente é o símbolo da Luz incriada.


OS TEMPOS BÍBLICOS E O VERBO

O livro do Gênesis diz: Iahweh criou a Luz pelo Verbo. Iahweh disse: “Haja luz”. “E viu Deus que a luz era boa; e fez a separação entre a luz e as trevas”. Iahweh disse ainda: “Que haja luzeiros no firmamento dos céus para alumiar a Terra”. E Ele criou o Sol “o grande luzeiro”, para presidir o dia; e a Lua, para presidir a noite; e as estrelas do firmamento para brilhar no céu.

A criação da Luz determina o início do tempo. A Luz original não é a do Sol. Os astros são apenas luzeiros; a Luz de Iahweh é universal, é a desejada pelo Criador. Os salmistas, os profetas, os Reis, todos cantaram a Luz divina, que determina o Conhecimento. No Salmo CXIX, Davi assim se expressa: “Tua palavra é uma lâmpada para iluminar os meus pés, uma Luz para brilhar sobre o meu caminho”. Em Provérbios, VI:23, lemos: “O mandamento divino é uma Lâmpada, a Thorah é Luz”.
O salmista diz ainda que “Iahweh se veste de Luz como de um manto (Sl., CIV:3)”. Os comentaristas rabínicos do pensamento judaico explicam a existência de uma “Luz escondida”. Existe uma Luz do espírito, criada e separada do Criador. Encontramo-la na Thorah. O Rabi Simeão via cinco Luzes desde a origem dos tempos:

- Elohim diz: “que seja a Luz! E foi o Gênesis”
- E foi a Luz = Livro do Êxodo.
- Elohim viu a Luz = Livro do Levítico.
- Elohim separou a Luz = Livro dos Números.
- Elohim invocou a Luz = Livro do Deuteronômio.

Homem de Luz, Moisés extasiou-se diante da sarça ardente. A descer do Monte Sinai, ele resplandecia de luz. A Thorah contém a Luz divina. O estudo das Sephiroth provará que “ a Luz é essencialmente Amor”. A Luz do Amor.



O SOL ESPIRITUAL

Segundo René Guénon, “A irradiação do Sol espiritual é o verdadeiro coração do mundo”. Claude San-Martin dizia que a Luz do verdadeiro Sol deve ser recebida sem refração, isto é, sem nenhum intermediário que a deforme, mas sim por intuição direta. Esta é a Iluminação Iniciática. Jacoh Boehme dizia que a Luz contém a Revelação, pois “na Luz há um Deus misericordioso e bom e, na força da Luz, Ele se chama Deus”.

A China e a Índia assimilam no Budismo a Luz e o Conhecimento. Para o Islã, Em-Nur (a Luz) corresponde a Em-Rhu (o espírito). O Evangelho o Alcorão, os textos taoístas e budistas garantem que a Luz sucede às trevas, dualidade universal do Yang e do Yin. O próprio Cristo dotou-se de apelativos simbólicos, tais como: “Sol de Justiça, Grande Luz, Luz do Mundo”. A data estabelecida para o seu nascimento, 25 de dezembro, na Roma pagã, era a festa do Sol renascente, ou Solis Invictus.



A LUZ DA ÁRVORE DA VIDA

No centro do paraíso viam-se a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Essa antiga lenda babilônica veio da antiga Mesopotâmia e foi atribuída à Epopéia de Gilgamesh.

Uma outra árvore era venerada pelos antigos: o carvalho, que recebia o raio, a arma e o símbolo da Luz e do Fogo de Deus. Todas as mitologias consagram o lugar onde caía o raio. O carvalho de Zeus em Dodona, de Júpiter em Roma, o carvalho de Perun entre os eslavos. A sarça ardente do Êxodo é uma manifestação de Iahweh a Moisés que, espantado, lhe perguntou: “Qual é o Seu Nome”? E Iahweh lhe respondeu: Eheieh Asher Eheieh! Traduzido por “Eu Sou Aquele que Sou”. Melhor traduzido seria: “Eu sou a Luz que É”.

Também o Alcorão exalta “a Árvore bendita”. A mesma imagem, a da Árvore da Vida, é encontrada na Cabala; dela emana “o orvalho de Luz”. Para René Guénon, essa Árvore é a oliveira, cujo óleo é utilizado na Luz da lamparina, Luz que vem de Alá “e que é o próprio Alá”. Assim, a Árvore que dá a Luz é a própria Árvore da Luz. Na Índia, os Upanishads apresentam a Árvore da Vida como o próprio Brahma. O Alcorão afirma que há nisso “Luz sobre a Luz”. O mesmo Alcorão, na surata XXIV, que tem por título A Luz, demonstra em 64 versículos, que “Deus é o iluminador do Sol, da Lua dos astros, das criaturas celestes e terrestres e de tudo o que existe. Eis algumas das frases desta surata: “Deus é a Luz dos céus e da terra”; “Deus guia para a Sua Luz quem Lhe apraz, e fala aos homens com alegorias”.



AS LUZES DA IDADE MÉDIA

Todas as soberbas catedrais góticas da Europa, construídas pelos maçons operativos, são luminosas. Iluminados eram também os seus construtores. Elas representam um autêntico hino à Luz. Nestas catedrais, os vitrais projetam raios de diversas cores: à tarde, “as rosáceas iluminam os templos com os últimos raios do Sol poente”.

Estas rosáceas proporcionam às catedrais uma Luz feérica, digna da divindade, sob o signo da beleza da rosa. A Iluminação ao nascer do Sol inspirou os construtores a orientar estes templos para o Sol levante, assim como sobre o altar mor, o oficiante se voltava simbolicamente para Jerusalém. Deus é Luz, proclamou João. A Catedral, sua morada, resplandece com esta Luz.



ANÁLISE, FILOSOFIA E PSICANÁLISE DA LUZ E DA ILUMINAÇÃO

Mais do que uma analogia, a semelhança do fenômeno físico da irradiação da Luz e do repentino afluxo psíquico dos eflúvios dos abrasamentos mentais, como os de Santa Tereza D’Ávila, são motivo de permanente pesquisa sobre a motivação desse duplo fato enigmático - tanto um quanto o outro - sobre a sua fonte e sobre a sua natureza. A Iluminação, que é o resultado dessa Luz do Espírito, resplandece como um sol que transfigura o sujeito sensibilizado, inconsciente, mas que tem o seu Conhecimento. Um sonho acordado. Uma exaltação que assombra os psicanalistas, tanto ela desconcerta a análise.

Esta transformação do ser procede, como na natureza, de três estágios: a penumbra e a noite fecham os olhos; o nascer do dia faz descobrir e discernir a matéria, o movimento, o acontecimento; depois, o banho de sol que amplifica, doura, transpõe tudo através do seu brilho, e cria no homem um deslumbramento.

Da mesma forma, o espírito confuso, lerdo, e até incompreensivo, desperta com certos agentes, move-se e progride, torna-se mais leve, raciocina, vê mais claro; ele sai da noite para chegar a clarões de inteligência; enfim, ele se irradia, se magnífica, se sublima. “Ciência! Clarões fulgurantes!”, exclamava René Descartes. “Possessão dos mundos interestelares!”, exclamava Goethe, que ao morrer, pedia: Luz, mais Luz. Se os olhos do corpo sabem distinguir os objetos, os olhos do Espírito redobram as suas faculdades; a dupla visão magnifica o sujeito; muitas vezes, ele acreditará estar vendo, não pelo sentido visual, mas pela inflamação exaltante de sua visão interior.

O ser humano, exaltado pela Luz, elevado, transportado, como em estado de levitação, dirige-se para uma transcendência que será mística, metafísica ou artística. Um outro fato a observar é a propensão natural do homem para procurar a Luz. No século XVIII, a Luz foi um fogo do espírito que conjugava ao mesmo tempo um fervor intelectual, que descobre nos caminhos cartesianos o gozo do raciocínio livre, os imensos horizontes da ciência, das novas possibilidades humanas, devidas a uma evolução e a uma revolução morais, em que tudo se tornava possível; e, também, ao mesmo tempo, com esse fogo de artifício do espírito, aparecem um fervor e um refúgio nas fraternidades iniciáticas iluminativas, cujos maravilhosos segredos da Gnose os rosa-cruzes e os maçons detinham nos seus Rituais. Esse foi o século das Luzes. O Conhecimento intuitivo, tradicional, pela Luz dos Rituais.

Não somente o pensador que medita atingirá alturas insuspeitáveis de espírito, não só a alma mística alçará vôo, mas também o eleito aniquilará totalmente a própria vontade para se submeter a um imperativo mais elevado. O sacrifício dos Iluminados pelo fogo é um rito admitido e encorajado por Buda. Essa imolação voluntária no paroxismo do transporte metafísico marca a ascese voluntária ao além, pela recusa da vida, pela aceitação do martírio e pela entrada na morte física.

Esse é o prodígio da transubstanciação, que a Luz visível, conjugada na Luz invisível, opera para grande felicidade do sujeito, aniquilado no seu êxtase espiritual.

Deste modo, pode-se esquematizar o fenômeno da Luz: no primeiro plano, a aquisição de clarões espirituais, um enriquecimento do Eu Superior, um embelezamento pela libertação, pela elevação do Espírito. As sociedades iniciáticas conhecem o seu desenvolvimento nos seus Altos Graus. Acesso à Gnose, através da Estrela Flamejante.
Para o místico, esta é a ascensão, o sentimento da noção de imanência, da sublimação divina. Iluminação será, assim, chegar face a face com a divindade.

Por outro lado, mesmo nas sociedades iniciáticas, exclamava Oswald Wirth, ignora-se a Luz e perde-se o sentido iluminativo dos mistérios tradicionais! É o que se pode chamar de recusa da Luz. Mas, o universo que se descobre pelo encontro com a Luz opõe-se e transcende o universo do mundo profano.

Esta é a Luz, esta é a Iluminação que todo o Maçom deve buscar na ingente caminhada até à sua integração total com Deus, o Grande Arquiteto do Universo.


ANTÓNIO ROCHA FADISTA
M.'.I.'., Loja Cayrú 762 GOERJ / GOB - Brasi

OSÍRIS


Osíris é, indubitavelmente a mais célebre deidade do panteão egípcio e igualmente uma das mais complexas, pelo que não é, pois, de estranhar que os teólogos tenham procurado sintetizar os díspares aspectos desta personagem, através da criação de uma lenda. Para infortúnio de todos os amantes da mitologia egípcia a denominada “Lenda de Osíris” não é relatada integralmente por nenhum documento egípcio, fragmentando-se assim em trechos esparsos que relatam uma ou outra circunstância. Na realidade, a descrição completa das suas aventuras é nos oferecida por Plutarco, filósofo e escritor grego, através da sua obra “Ísis e Osíris”, na qual podemos verificar que a lenda se encontra dividida em três momentos fundamentais: o ímpio assassinato de Osíris; o nascimento e a infância de Hórus, seu filho; e o recontro entre este e Seth, aquele que lançara Osíris nos braços da morte.

Mas quem é afinal este deus, venerado por reis e plebeus, cujo coração encarnava a felicidade eterna, oferecida por seu pulsar a todos aqueles que o escutassem? Osíris despontou do seio da famigerada éneade de Heliópolis, denominação concedida à família divina criada por Átum-Rá, e na qual se reuniam nove poderosas deidades, cujas origens são narrados num mito arcaico da criação: Do caos inerte, que envolvia o universo, sob a forma do primitivo oceano Nun, emergiu uma colina de lodo, na qual poisou, latente no corpo de um escaravelho ou serpente, o deus- criador Átum, "Senhor Uno de nome misterioso", que através do seu sémen, gerou o primeiro casal divino, constituído por Shu, a atmosfera, e Tefnut, a humidade, os quais, por ser turno, procriaram Geb, a Terra, e Nut, o céu, cujos corpos achavam-se fundidos em eternas núpcias de luz. Devido à intervenção de Ra, a quem desagradava a visão de tal amor, Shu foi coagido a separar o céu e a terra. Porém, ao apartar tão sublimes amantes, o deus estava igualmente a sonhar uma imagem poética, incessantemente, representada pela arte egípcia, na qual, acima de Geb, surge um homem nu, alongado e enfeitado com plumas, erguendo nos braços Nut, de corpo semeado de estrelas.

O nascimento de Osíris, fruto dos amores entre o céu e a terra é nos relatado por um mito que não carece de originalidade: Quando o deus- sol Ra abraçou a percepção de que no jardim da alma de Nut, desabrochava a rosa do desejo, cujo perfume incensava os seus encontros clandestinos com Geb, ele tomou a resolução de confiná-lo ao álgido Inferno de uma maldição: a deusa é proibida de dar à luz no período de tempo compreendido pelo calendário oficial. Desesperada, Nut, que se encontrava grávida de quíntuplos, resolve então pedir ajuda a Thot, senhor do tempo, que segundo alguns referem, lhe dedica uma paixão secreta. Após haver meditado sobre todas as soluções plausíveis, Thot enlaça então a resolução de jogar aos dados com a Lua. Abençoado pela Fortuna, o deus ganha a partida e obtém cinco dias suplementares no calendário. Nestes cinco dias, considerados como distintos do ano de doze meses, a maldição perdia o seu efeito, pelo que Osíris pôde enfim sublimar o mundo com seu nascimento, ocorrido no primeiro destes dias. Segundo a lenda, no instante em que Osíris floresceu para a vida, uma voz incendiou os céus com o fogo da seguinte anunciação: “O Senhor de tudo veio ao mundo!”. Algumas fontes referem também que um certo Pamyles escutou uma voz provinda de um templo tebano, que, num grito tonitruante lhe anunciou que o magnânimo Osíris, rei dos céus e da terra, havia nascido. No segundo dos dias suplementares, Nut deu à luz Hórus, o Antigo; no terceiro, o deus Seth; no quarto, Ísis; e, por fim, no quinto, Néftis, desposada por Seth.

THOTÉ na qualidade de primogénito, que Osíris herda a soberania terrestre, pelo que, após unir-se a Ísis em esponsais divinos, ascendeu ao trono do Egipto, iluminando este país com o Sol de magnanimidade e indulgência que dourava a sua alma. Reinando como soberano da terra, Osíris arrebatou os egípcios às garras da selvajaria que os escravizara até então, concedeu-lhes leis e fê-los descobrir a arte de prestar culto aos deuses. Por seu turno, Ísis, a quem a corrente prática de canibalismo horrorizava, ofereceu aos Homens o trigo e a cevada, que Osíris os ensinou a cultivar, levando-os a abdicar dos seus costumes antropófagos, em prole de uma dieta de cereais. Para além disso, Osíris é conhecido por haver sido o primeiro a colher frutos das árvores, a assentar a vinha em estacas e a pisar as uvas, visando a confecção de vinho. Na ânsia de enriquecer o tesouro da humanidade com a jóia rara do conhecimento, Osíris delegou a Ísis todas as responsabilidades subjacentes ao governo do Egipto e percorreu o mundo, saciando a sua sede com o cálice da civilização e a sua fome com o desvendar dos segredos da agricultura. O seu reinado foi assim uma sonata de harmonia perfeita, tocada no piano de luz da felicidade suprema. Todavia, em breve um artífice das trevas consagrado mestre da sua eterna confraria de sombras e medos, iria esculpir o mais nefasto silêncio, pois apesar dos poderes inerentes à sua divindade, Osíris viria a aproximar-se da humanidade, ao partilhar com ela a vereda da morte. Seu irmão Seth, esposo de Néftis, cuja alma era escrava da inveja, cobiça e ódio, ofereceu um fausto banquete, no qual exibiu uma extraordinária urna, prometendo oferecê-la, a quem nela coubesse.

Quando Osíris aceitou o desafio, Seth selou a urna e arremessou-a ao Nilo. Ao aperceber-se de que, após uma apaixonada busca, Ísis a havia encontrado, Seth tornou a apoderar-se dela, retalhando o corpo do irmão, para lançá-lo, novamente, ao rio. Desesperada, Ísis tomou então a resolução de recuperar os catorze fragmentos do cadáver de Osíris, percorrendo, para tal efeito, todo o país. Após conquistado o sucesso, Anúbis, deus do embalsamamento, possuidor de uma cabeça de chacal, e que muitos proclamam como filho de Osíris e de Néftis, reuniu os catorze fragmentos do cadáver do poderoso deus, enrolando-os em ligaduras, com o fito de criar a primeira múmia. Ísis tomou então a forma de um falcão fêmea, de cujas asas o seu esposo recebeu, uma vez mais, a vida que havia perdido, podendo então gerar o deus- falcão, Hórus, herdeiro do trono que o seu tio Seth havia usurpado. Ultimado este acto, Osíris necessitou de regressar ao submundo, tornando-se no "Senhor da Eternidade", soberano dos mortos, que preside aos julgamentos do além. É representado na arte egípcia como um homem de rosto esverdeado, qual lodo que concebe a vida do Egipto, ostentando as insígnias do poder: coroa, ceptro em gancho e chicote. Contudo, o seu corpo assemelha-se rígido, dado surgir como uma múmia enfaixada. Este mito reflecte flagrantemente uma paixão, representando Osíris como um ser que, na terra, foi vítima de uma traição que o teria confinado à extinção eterna, caso um amor isento de limites não se houvesse oposto a tão lúgubre fortuna, reinventando em seu corpo a arte perdida da vida, através de uma esplendorosa ressurreição. Compreende-se assim que todos procurem a benção deste deus, uma vez que somente ele coroa o firmamento da vida com o arco-íris da eternidade. Assim, não constitui qualquer surpresa verificar que no Antigo Império, o faraó defunto, na ânsia de com o deus se identificar, recebia o epíteto de Osíris, enquanto que o regente abraçava a denominação de Hórus. Todavia, vicissitudes político- sociais ocorridas no final do mesmo, permitiram que a benção de Osíris deixasse de ser prerrogativa exclusiva dos soberanos, estendendo-se assim a todos funcionários. No entanto, nem sempre Osíris usufruiu desta fama, sendo pois fruto de uma prolixa evolução.

OFERENDASNa realidade, Osíris foi venerado desde uma época muito antiga, principiando por encarnar um deus da fertilidade, relacionado com o milho, com o ciclo do seu enterramento como semente, o seu tempo de repouso debaixo da terra, a sua germinação e, finalmente, o seu retorno à vida. Era sua, portanto, a incumbência de propiciar aos egípcios uma boa colheita, sendo também responsável pela inundação do Nilo. À medida que a sua importância aumentava, Osíris assimilou características de outros deuses, os quais substituiu gradualmente. Em Mênfis, por exemplo, adoptou as características funerárias de Sokaris e, em Abidos, usurpou a identidade e o culto de Khentiamentiu, deus dos mortos e soberano das necrópoles. Posteriormente, integrou a cosmogonia de Heliópolis, transformando-se no legítimo herdeiro de Geb e Nut. Como símbolo da ressurreição, Osíris supervisionava as entradas no seu mundo, surgindo como um Sol, durante o poente. O culto de Osíris e Isís proliferou-se, com surpreendente popularidade, na bacia mediterrânea, durante a Época Baixa (664-332 a.C./ XXVI- XXX Dinastias), influenciando, segundo muitos historiadores também o cristianismo, com os seus ensinamentos sobre morte e ressurreição. Osíris, Ísis e Hórus formaram a Tríade (família constituída por três divindades) de Abidos, cidade onde se centralizou o seu culto, celebrado num dos maiores santuários egípcios, em cujo interior jazia a cabeça do deus da morte. Era de facto naquela que viria a tornar-se na capital da oitava província do Alto Egipto, que decorria o festival anual de Osíris, ao longo do qual a barca do deus era levada em procissão e a vitória de Osíris sobre os seus inimigos celebrada.

Todavia, também outras cidades foram iluminadas pela benção de Osíris, ao receberem partes do corpo retalhado do deus, salientando-se Busíris (“Domínio de Osíris” ou “Lugar de Osíris”, no Delta Central, como uma das mais famosas, dada a sua relação com a espinha dorsal de Osíris. Por seu turno, Per- Medjed, capital da 19ª capital do Alto Egípcio, estava ligada ao mito de Osíris, através do seu falo, que, segundo a tradição, jamais foi descoberto por Ísis.


Detalhes e Vocabulário Egípcio:
Eneada de Heliópolis: família divina constituída por Átum, deus criador, Tefnu, humidade, Shu, atmosfera, Geb, terra, Nut, céu, Osíris, Ísis, Néftis e Seth.
Ousir- Osíris
Neb djed- O Senhor da Eternidade.
Douat- submundo
Sah- múmia


Verónica Freitas

HÓRUS


Hórus, mítico soberano do Egipto, desdobra as suas divinas asas de falcão sob a cabeça dos faraós, não somente meros protegidos, mas, na realidade, a própria incarnação do deus do céu. Pois não era ele o deus protector da monarquia faraónica, do Egipto unido sob um só faraó, regente do Alto e do Baixo Egipto? Com efeito, desde o florescer da época história, que o faraó proclamava que neste deus refulgia o seu ka (poder vital), na ânsia de legitimar a sua soberania, não sendo pois inusitado que, a cerca de 3000 a. C., o primeiro dos cinco nomes da titularia real fosse exactamente “o nome de Hórus”. No panteão egípcio, diversas são as deidades que se manifestam sob a forma de um falcão. Hórus, detentor de uma personalidade complexa e intrincada, surge como a mais célebre de todas elas. Mas quem era este deus, em cujas asas se reinventava o poder criador dos faraós? Antes de mais, Hórus representa um deus celeste, regente dos céus e dos astros neles semeados, cuja identidade é produto de uma longa evolução, no decorrer da qual Hórus assimila as personalidades de múltiplas divindades.

Originalmente, Hórus era um deus local de Sam- Behet (Tell el- Balahun) no Delta, Baixo Egipto. O seu nome, Hor, pode traduzir-se como “O Elevado”, “O Afastado”, ou “O Longínquo”. Todavia, o decorrer dos anos facultou a extensão do seu culto, pelo que num ápice o deus tornou-se patrono de diversas províncias do Alto e do Baixo Egipto, acabando mesmo por usurpar a identidade e o poder das deidades locais, como, por exemplo, Sopedu (em zonas orientais do Delta) e Khentekthai (no Delta Central). Finalmente, integra a cosmogonia de Heliópolis enquanto filho de Ísis e Osíris, englobando díspares divindades cuja ligação remonta a este parentesco. O Hórus do mito osírico surge como um homem com cabeça de falcão que, à semelhança de seu pai, ostenta a coroa do Alto e do Baixo Egipto. É igualmente como membro desta tríade que Hórus saboreia o expoente máximo da sua popularidade, sendo venerado em todos os locais onde se prestava culto aos seus pais. A Lenda de Osíris revela-nos que, após a celestial concepção de Hórus, benção da magia que facultou a Ísis o apanágio de fundir-se a seu marido defunto em núpcias divinas, a deusa, receando represálias por parte de Seth, evoca a protecção de Ré- Atum, na esperança de salvaguardar a vida que florescia dentro de si.

Receptivo às preces de Ísis, o deus solar velou por ela até ao tão esperado nascimento. Quando este sucedeu, a voz de Hórus inebriou então os céus: “ Eu sou Hórus, o grande falcão. O meu lugar está longe do de Seth, inimigo de meu pai Osíris. Atingi os caminhos da eternidade e da luz. Levanto voo graças ao meu impulso. Nenhum deus pode realizar aquilo que eu realizei. Em breve partirei em guerra contra o inimigo de meu pai Osíris, calcá-lo-ei sob as minhas sandálias com o nome de Furioso... Porque eu sou Hórus, cujo lugar está longe dos deuses e dos homens. Sou Hórus, o filho de Ísis.” Temendo que Seth abraçasse a resolução de atentar contra a vida de seu filho recém- nascido, Ísis refugiou-se então na ilha flutuante de Khemis, nos pântanos perto de Buto, circunstância que concedeu a Hórus o epíteto de Hor- heri- uadj, ou seja, “Hórus que está sobre a sua planta de papiro”. Embora a natureza inóspita desta região lhe oferecesse a tão desejada segurança, visto que Seth jamais se aventuraria por uma região tão desértica, a mesma comprometia, concomitantemente, a sua subsistência, dada a flagrante escassez de alimentos característica daquele local. Para assegurar a sua sobrevivência e a de seu filho, Ísis vê-se obrigada a mendigar, pelo que, todas as madrugadas, oculta Hórus entre os papiros e erra pelos campos, disfarçada de mendiga, na ânsia de obter o tão necessário alimento. Uma noite, ao regressar para junto de Hórus, depara-se com um quadro verdadeiramente aterrador: o seu filho jazia, inanimado, no local onde ela o abandonara. Desesperada, Ísis procura restituir-lhe o sopro da vida, porém a criança encontrava-se demasiadamente débil para alimentar-se com o leite materno. Sem hesitar, a deusa suplica o auxílio dos aldeões, que todavia se relevam impotentes para a socorrer.

OLHO DE HÓRUSQuando o sofrimento já quase a fazia transpor o limiar da loucura, Ísis vislumbrou diante de si uma mulher popular pelos seus dons de magia, que prontamente examinou o seu filho, proclamando Seth alheio ao mal que o atormentava. Na realidade, Hórus ( ou Harpócrates, Horpakhered- “Hórus menino/ criança”) havia sido simplesmente vítima da picada de um escorpião ou de uma serpente. Angustiada, Ísis verificou então a veracidade das suas palavras, decidindo-se, de imediato, e evocar as deusas Néftis e Selkis (a deusa- escorpião), que prontamente ocorreram ao local da tragédia, aconselhando-a a rogar a Ré que suspendesse o seu percurso usual até que Hórus convalescesse integralmente. Compadecido com as suplicas de uma mãe, o deus solar ordenou assim a Toth que salvasse a criança. Quando finalmente se viu diante de Hórus e Ísis, Toth declarou então: “ Nada temas, Ísis! Venho até ti, armado do sopro vital que curará a criança. Coragem, Hórus! Aquele que habita o disco solar protege-te e a protecção de que gozas é eterna. Veneno, ordeno-te que saias! Ré, o deus supremo, far-te-á desaparecer. A sua barca deteve-se e só prosseguirá o seu curso quando o doente estiver curado. Os poços secarão, as colheitas morrerão, os homens ficarão privados de pão enquanto Hórus não tiver recuperado as suas forças para ventura da sua mãe Ísis. Coragem, Hórus. O veneno está morto, ei- lo vencido.”

Após haver banido, com a sua magia divina, o letal veneno que estava prestes a oferecer Hórus à morte, o excelso feiticeiro solicitou então aos habitantes de Khemis que velassem pela criança, sempre que a sua mãe tivesse necessidade de se ausentar. Muitos outros sortilégios se abateram sobre Hórus no decorrer da sua infância (males intestinais, febres inexplicáveis, mutilações), apenas para serem vencidos logo de seguida pelo poder da magia detida pelas HÓRUS sublimes deidades do panteão egípcio. No limiar da maturidade, Hórus, protegido até então por sua mãe, Ísis, tomou a resolução de vingar o assassinato de seu pai, reivindicando o seu legítimo direito ao trono do Egipto, usurpado por Seth. Ao convocar o tribunal dos deuses, presidido por Rá, Hórus afirmou o seu desejo de que seu tio deixasse, definitivamente, a regência do país, encontrando, ao ultimar os seus argumentos, o apoio de Toth, deus da sabedoria, e de Shu, deus do ar. Todavia, Ra contestou-os, veementemente, alegando que a força devastadora de Seth, talvez lhe concedesse melhores aptidões para reinar, uma vez que somente ele fora capaz de dominar o caos, sob a forma da serpente Apópis, que invadia, durante a noite, a barca do deus- sol, com o fito de extinguir, para toda a eternidade, a luz do dia. Ultimada uma querela verbal, que cada vez mais os apartava de um consenso, iniciou-se então uma prolixa e feroz disputa pelo poder, que opôs em confrontos selváticos, Hórus a seu tio. Após um infrutífero rol de encontros quase soçobrados na barbárie, Seth sugeriu que ele próprio e o seu adversário tomassem a forma de hipopótamos, com o fito de verificar qual dos dois resistiria mais tempo, mantendo-se submergidos dentro de água.

Escoado algum tempo, Ísis foi incapaz de refrear a sua apreensão e criou um arpão, que lançou no local, onde ambos haviam desaparecido. Porém, ao golpear Seth, este apelou aos laços de fraternidade que os uniam, coagindo Ísis a sará-lo, logo em seguida. A sua intervenção enfureceu Hórus, que emergiu das águas, a fim de decapitar a sua mãe e, acto contíguo, levá-la consigo para as montanhas do deserto. Ao tomar conhecimento de tão hediondo acto, Rá, irado, vociferou que Hórus deveria ser encontrado e punido severamente. Prontamente, Seth voluntariou-se para capturá-lo. As suas buscas foram rapidamente coroadas de êxito, uma vez que este nem ápice se deparou com Hórus, que jazia, adormecido, junto a um oásis. Dominado pelo seu temperamento cruel, Seth arrancou ambos os olhos de Hórus, para enterrá-los algures, desconhecendo que estes floresceriam em botões de lótus. Após tão ignóbil crime, Seth reuniu-se a Rá, declarando não ter sido bem sucedido na sua procura, pelo que Hórus foi então considerado morto. Porém, a deusa Hátor encontrou o jovem deus, sarando-lhe, miraculosamente, os olhos, ao friccioná-los com o leite de uma gazela. Outra versão, pinta-nos um novo quatro, em que Seth furta apenas o olho esquerdo de Hórus, representante da lua. Contudo, nessa narrativa o deus-falcão, possuidor, em seus olhos, do Sol e da lua, é igualmente curado.

Em ambas as histórias, o Olho de Hórus, sempre representado no singular, torna-se mais poderoso, no limiar da perfeição, devido ao processo curativo, ao qual foi sujeito. Por esta razão, o Olho de Hórus ou Olho de Wadjet surge na mitologia egípcia como um símbolo da vitória do bem contra o mal, que tomou a forma de um amuleto protector. A crença egípcia refere igualmente que, em memória desta disputa feroz, a lua surge, constantemente, fragmentada, tal como se encontrava, antes que Hórus fosse sarado. Determinadas versões desta lenda debruçam-se sobre outro episódio de tão desnorteante conflito, em que Seth conjura novamente contra a integridade física de Hórus, através de um aparentemente inocente convite para o visitar em sua morada. A narrativa revela que, culminado o jantar, Seth procura desonrar Hórus, que, embora precavido, é incapaz de impedir que um gota de esperma do seu rival tombe em suas mãos. Desesperado, o deus vai então ao encontro de sua mãe, a fim de suplicar-lhe que o socorra. Partilhando do horror que inundava Hórus, Ísis decepou as mãos do filho, para arremessá-las de seguida à água, onde graças à magia suprema da deus, elas desaparecem no lodo. Todavia, esta situação torna-se insustentável para Hórus, que toma então a resolução de recorrer ao auxílio do Senhor Universal, cuja extrema bonomia o leva a compreender o sofrimento do deus- falcão e, por conseguinte, a ordenar ao deus- crocodilo Sobek, que resgatasse as mãos perdidas. Embora tal diligência haja sido coroada de êxito, Hórus depara-se com mais um imprevisto: as suas mãos tinham sido abençoadas por uma curiosa autonomia, incarnando dois dos filhos do deus- falcão.

Novamente evocado, Sobek é incumbido da taregfa de capturar as mãos que teimavam em desaparecer e levá-las até junto do Senhor Universal, que, para evitar o caos de mais uma querela, toma a resolução de duplicá-las. O primeiro par é oferecido à cidade de Nekhen, sob a forma de uma relíquia, enquanto que o segundo é restituído a Hórus. Este prolixo e verdadeiramente selvático conflito foi enfim solucionado quando Toth persuadiu Rá a dirigir uma encomiástica missiva a Osíris, entregando-lhe um incontestável e completo título de realeza, que o obrigou a deixar o seu reino e confrontar o seu assassino. Assim, os dois deuses soberanos evocaram os seus poderes rivais e lançaram-se numa disputa ardente pelo trono do Egipto. Após um recontro infrutífero, Ra propôs então que ambos revelassem aquilo que tinham para oferecer à terra, de forma a que os deuses pudessem avaliar as suas aptidões para governar. Sem hesitar, Osíris alimentou os deuses com trigo e cevada, enquanto que Seth limitou-se a executar uma demonstração de força. Quando conquistou o apoio de Ra, Osíris persuadiu então os restantes deuses dos poderes inerentes à sua posição, ao recordar que todos percorriam o horizonte ocidental, alcançando o seu reino, no culminar dos seus caminhos. Deste modo, os deuses admitiram que, com efeito, deveria ser Hórus a ocupar o trono do Egipto, como herdeiro do seu pai. Por conseguinte, e volvidos cerca de oito anos de altercações e recontros ferozes, foi concedida finalmente ao deus- falcão a tão cobiçada herança, o que lhe valeu o título de Hor-paneb-taui ou Horsamtaui/Horsomtus, ou seja, “Hórus, senhor das Duas Terras”.

Como compensação, Rá concedeu a Seth um lugar no céu, onde este poderia desfrutar da sua posição de deus das tempestades e trovões, que o permitia atormentar os demais. Este mito parece sintetizar e representar os antagonismos políticos vividos na era pré- dinástica, surgindo Hórus como deidade tutelar do Baixo Egipto e Seth, seu oponente, como protector do Alto Egipto, numa clara disputa pela supremacia política no território egípcio. Este recontro possui igualmente uma cerca analogia com o paradoxo suscitado pelo combate das trevas com a luz, do dia com a noite, em suma, de todas as entidades antagónicas que encarnam a típica luta do bem contra o mal. A mitologia referente a este deus difere consoante as regiões e períodos de tempo. Porém, regra geral, Hórus surge como esposo de Háthor, deusa do amor, que lhe ofereceu dois filhos: Ihi, deus da música e Horsamtui, “Unificador das Duas Terras”. Todavia, e tal como referido anteriormente, Hórus foi imortalizado através de díspares representações, surgindo por vezes sob uma forma solar, enquanto filho de Atum- Ré ou Geb e Nut ou apresentado pela lenda osírica, como fruto dos amores entre Osíris e Ísis, abraçando assim diversas correntes mitológicas, que se fundem, renovam e completam em sua identidade. É dos muitos vectores em que o culto solar e o culto osírico, os mais relevantes do Antigo Egipto, se complementam num oásis de Sol, pátria de lendas de luz, em cujas águas d’ ouro voga toda a magia de uma das mais enigmáticas civilizações da Antiguidade.

Detalhes e vocabulário egípcio:
culto de Hórus centralizava-se na cidade de Edfu, onde particularmente no período ptolomaico saboreou uma estrondosa popularidade;
culto do deus falcão dispersou-se em inúmeros sub- cultos, o que criou lendas controversas e inúmeras versões do popular deus, como a denominada Rá- Harakhty;
as estelas (pedras com imagens) de Hórus consideravam-se curativas de mordeduras de serpentes e picadas de escorpião, comuns nestas regiões, dado representarem o deus na sua infância vencendo os crocodilos e os escorpiões e estrangulando as serpentes. Sorver a água que qualquer devotado lhe houvesse deixado sobre a cabeça, significava a obtenção da protecção que Ísis proporcionava ao filho. Nestas estelas surgia, frequentemente, o deus Bes, que deita a língua de fora aos maus espíritos. Os feitiços cobrem os lados externos das estelas. Encontramos nelas uma poderosa protecção, como salienta a famigerada Estela de Mettenich: “Sobe veneno, vem e cai por terra. Hórus fala-te, aniquila-te, esmaga-te; tu não te levantas, tu cais, tu és fraco, tu não és forte; tu és cego, tu não vês; a tua cabeça cai para baixo e não se levanta mais, pois eu sou Hórus, o grande Mágico.”.
out- embalsamadores
vabet- lugar de purificação

John Milton (1608 - 1674)




Representante do classicismo inglês e autor do célebre livro O Paraíso Perdido, um dos mais importantes poemas épicos da literatura Universal. Foi politico, dramaturgo e estudioso de Religião. Apoiou Oliver Cromwell durante o período republicano inglês. Porém foi preso e ficou cego. Na prisão, dita a sua obra prima, "O Paraíso Perdido", que conta a história da queda de Lúcifer, e foi publicado em 1667. Quatro anos mais tarde, lança o livro Paraíso Reconquistado, uma seqüência do primeiro poema, trata da vinda de Cristo à Terra reconquistar o que Adão teria perdido.

Biografia

O pai de John Milton, John Milton Senior (c. 15621647) mudou-se para Londres cerca de 1583 depois de ser deserdado pelo seu devoto católico pai Richard Milton, um próspero proprietário agrícola em Oxfordshire, por ter revelado o seu protestantismo. Cerca de 1600, o pai do poeta casa-se com Sara Jeffrey (15721637), e John Milton nasce a 9 de Dezembro de 1608, em Cheapside, Londres, Inglaterra.

Milton foi educado na St Paul's School, em Londres. Estava destinado originalmente a uma carreira eclesiástica, mas a sua independência de espírito levaram-no a desistir. Matriculou-se no Christ's College, Cambridge em 1625 e ali estudou durante sete anos, antes de tornar mestre em Artes cum laude (com louvor) a 3 de Julho de 1632. Em Cambridge, Milton foi tutor do teólogo americano Roger Williams em hebreu, por troca com lições em holandês.

Aparentemente, a sua experiência em Cambridge não foi a mais positiva, como se comprova nos seus escritos mais tarde sobre educação. Ao terminar os seus estudos, em discíplinas como teologia, filosofia, história, política,literatura e ciência, Milton foi considerado um dos mais bem preparados e educados poetas ingleses de sempre. Num poema em latim, provavelmente composto na década de 1630, Milton agradece ao seu pai todo o apoio que recebeu no seu período escolar.

Após terminar os seus estudos, em 1638, Milton realiza uma viagem por França e Itália, tendo tido oportunidade de conhecer o astrónomo italiano Galileu Galilei. Em Junho de 1642, com 33 anos, Milton casa-se com Mary Powell, de 16 anos de idade. Um mês depois, ela visita os seus pais e não regressa. Nos três anos seguintes Milton publica uma série de panfletos defendo a legalidade e moralidade do divórcio. O primeiro, intitulado The Doctrine and Discipline of Divorce (A doutrina e disciplina do divórcio), no qual ele ataca a lei do casamento inglesa (a qual era uma quase completa transcrição das leis medievais da Igreja Católica, sancionando o divórcio apenas em casos de consaguinidade). Em 1645, Mary finalmente regressa. Em 1646, a sua família, tendo sido expulsa de Oxford por apoiar Carlos I durante a Guerra Civil Inglesa, muda-se, juntamente com o casal. Tiveram quatro filhos: Anne, Mary, John, e Deborah. A sua esposa Mary morreu a 5 de Maio de 1652, de complicações de parto, após o nascimento de Deborah a 2 de Maio, o que afectou profundamente Milton, como se torna evidente no seu 23º soneto. Em Junho, John morre com 15 meses; as suas irmãs sobeviem até à idade adulta. A 12 de novembro de 1656, Milton casa-se com Katherine Woodcock. Ela faleceu a 3 de Fevereiro de 1658, menos de quatro meses de dar à luz a sua filha Katherine, que igualmente faleceu a 17 de Março. A 24 de Fevereiro de 1663, Milton casa-se com Elizabeth Minshull, que dele cuidou até ao seu falecimento, a 8 de Novembro de 1674.

Obras Principais

  • L'Allegro (1631)
  • Il Penseroso (1633)
  • Comus (a masque)(1634)
  • Lycidas (1638)
  • Areopagitica (1644)
  • Paradise Lost (O Paraíso Perdido) (1667)
  • Paradise Regained (Paraíso Reconquistado) (1671)
  • Samson Agonistes (Sansão Guerreiro) (1671)

http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Milton

http://www.luminarium.org/sevenlit/milton/
http://facultystaff.richmond.edu/~creamer/milton/
http://www.dartmouth.edu/~milton/
http://www.kirjasto.sci.fi/jmilton.htm


John Milton

One of the greatest poets of the English language, best-known for his epic poem PARADISE LOST (1667). Milton's powerful, rhetoric prose and the eloquence of his poetry had an immense influence especially on the 18th-century verse. Besides poems, Milton published pamphlets defending civil and religious rights.
"Of Man's first disobedience, and the fruit
Of that forbidden tree whose mortal taste
Brought death into the world, and all our woe,
With loss of Eden."

(from Paradise Lost)

John Milton was born in London. His mother, Sarah Jeffrey, a very religious person, was the daughter of a merchant sailor. Milton's father, named John, too, had risen to prosperity as a scrivener or law writer - he also composed madrigasl and psalm settings. The family was wealthy enough to afford a second house in the country. Milton's first teachers were his father, from whom he inherited love for art and music, and the writer Thomas Young, a graduate of St Andrews University. Milton took part in small domestic consorts, he played often a small organ and he had "delicate, tuneable voice". At the age of twelve Milton was admitted to St Paul's School near his home. Five years later he entered Christ's College, Cambridge. While considering himself destined for the ministry, he began to write poetry in Latin, Italian, and English. One of Milton'e earliest works, 'On the Death of a Fair Infant' (1626), was written after his sister Anne Phillips had suffered from a miscarriage. 'In inventorem bombardae' (On the inventor of gunpowder), a piece in a series on the occasion of the Gunpowder Plot, contains Milton's first portrayal of Satan.

Milton did not adjust to university life. He was called, half in scorn, "The Lady of Christ's", and after starting a fist fight with his tutor, he was expelled for a term. On leaving Cambridge Milton had given up his original plan to become a priest. He adopted no profession but spent six years at leisure in his father's home, writing during that time L'ALLEGRO, IL PENSEROSO (1632), COMUS (1634), and LYCIDAS (1637), about the meaning of death, which was composed after the death of his friend Edward King. Milton wrote in Latin as was usual for the time. His first published poem was the sonnet 'An Epitaph on the Admirable Dramatic Poet, W. Shakespeare', which was printed anonymously in the Second Folio of Shakespeare's works (1632).

In 1635 the Miltons moved to Horton, Buckinghamshire, where John pursued his studies in Greek, Latin, and Italian. He traveled in France and Italy in the late 1630s, meeting in Paris the jurist and theologian Hugo Grotius and the astronomer Galileo Galilei in Florence - there are references to Galileo's telescope in Paradise Lost. His conversation with the famous scientist Milton recorded in his celebrated plea for a free speech and free discussion, AREOPAGITICA (1644), in which he stated that books "preserve as in a vial the purest efficacy and extraction of that living intellect bred in them." Milton returned to London in 1639, and set up a school with his nephews and a few others as pupils. He had planned to write an epic based on the Arthurian legends, but then gave up his literary pursuits, partly due to the Civil War, which divided the country as Oliver Cromwell fought against the king, Charles I.

Concerned with the Puritan cause, Milton published a series of pamphlets against episcopacy (1642), on divorce (1643), in defense of the liberty of the press (1644), and in support of the regicides (1649). He also served as the secretary for foreign languages in Cromwell's government. After the death of Charles I, Milton expressed in THE TENURE OF KINGS AND MAGISTRATES (1649) the view that the people have the right to depose and punish tyrants.

In 1651 Milton became blind, but like Jorge Luis Borges centuries later, blindness helped him to stimulate his verbal richness. "He sacrificed his sight, and then he remembered his first desire, that of being a poet," Borges wrote in one of his lectures. One of his assistants was the poet and satirist Andew Marvell (1621-78), who spoke for him in Parliament, when his political opinions stirred much controversy. After the Restoration of Charles II in 1660, Milton was arrested as a noted defender of the Commonwealth, but was soon released. However, for his opposition Milton was forced to pay a massive fine. Besides public burning of EIKONKLASTES (1649) and the first DEFENSIO (1651) in Paris and Toulouse, Milton escaped from more punishment, but he became a relatively poor man. The manuscript of Paradise Lost he sold for £5 to Samuel Simmons, and was promised another £5 if the first edition of 1,300 copies sold out. This was done in 18 months.

Milton was married three times. His first marriage started unhappily; this experience promted the poet to write his famous essays on divorce. He had married in 1642 Mary Powell, seventeen at that time. She grew soon bored with her busy husbandand went back home where she stayed for three years. Their first child, Anne, was born in 1646. Mary died in 1652 and four years later Milton married Katherine Woodcock; she died in 1658. For her memory Milton devoted the sonnet 'To His Late Wife'. In the 1660s Milton moved with his third wife, Elizabeth Minshull, again a much younger woman, to what is now Bunhill Row. The marriage was happy, in spite of the great difference of their ages. Milton spent in Bunhill Row the remaining years of his life, apart from a brief visit to Chalfont St Giles in 1665 during a period of plague. His late poems Milton dictated to his daughter, nephews, friends, disciples, and paid amanuenses.

In THE DOCTRINE AND DISCIPLINE OF DIVORCE (1643), composed after Mary had deserter him, Milton argued that a true marriage was of mind as well as of body, and that the chaste and modest were more likely to find themselves "chained unnaturally together" in unsuitable unions than those who had in youth lived loosely and enjoyed more varied experience. Though Milton morally austere and conscientious, some of his religious beliefs were very unconventional, and came in conflict with the official Puritan stand. Milton who did not believe in the divine birth, "believed perhaps nothing", as Ford Madox Ford says in The March of Literature (1938).

Milton died on November 8, 1674. He was buried beside his father in the church of St Giles, Cripplegate. It has been claimed that Milton's grave was desecrated when the church was undergoing repairs. All the teeth and "a large quantity of the hair" were taken as souvenirs by grave robbers.

Milton's achievement in the field of poetry was recognized after the appearance of Paradise Lost. Before it the writer himself had showed some doubt of the worth of his work: "By labor and intent study (which I take to be my portion in this life), joined with the strong propensity of nature, I might perhaps leave something so written to after-times, as they should not willingly let it die." (from The Reason of Church Government, 1641) Milton's cosmic vision has occasionally provoked critical discussion. Even T.S. Eliot has attacked the author and described him as one whose sensuousness had been "withered by book-learning." Eliot claimed that Milton's poetry '"could only be an influence for the worse."

The theme of Fall and expulsion from Eden had been in Milton's mind from the 1640s. His ambition was to compose an epic poem to rival the ancient poets, such as Homer and Virgil, whose grand vision in Aeneid left traces in his work. Originally it was issued in 10 books in 1667, and in 12 books in the second edition of 1674. Milton, who wanted to be a great poet, had also cope with the towering figure of Shakespeare, who had died in 1616 - Milton was seven at that time. In his own hierarchy, Milton placed highest in the scale the epic, below it was the drama.

Paradise Lost is not easy to read with its odd syntax, difficult vocabulary, and complex, but noble style. Moreover, its cosmic vision is not actually based on the Copernican system, but more in the traditional Christian cosmology of its day, where the Earth (and man) is the center of the universe, not the sun. The poem tells a biblical story of Adam and Eve, with God, and Lucifer (Satan), who is thrown out of Heaven to corrupt humankind. Satan, the most beautiful of the angels, is at his most impressive: he wakes up, on a burning lake in Hell, to find himself surrounded by his stunned followers. He has been defeated in the War of Heaven. "All is not lost; th' unconquerable Will, / And study of revenge, immortal hate, / And courage never to submit or yield... /" Milton created a powerful and sympathetic portrait of Lucifer. His character bears similarities with Shakespeare's hero-villains Iago and Macbeth, whose personal ambition is transformed into metaphysical nihilism.

Milton's view influenced deeply such Romantic poets as William Blake and Percy Bysshe Shelley, who regarded Satan as the real hero of the poem - a rebel against the tyranny of Heaven. The troubled times, in which Milton lived, is also seen on his theme of religious conflict. In The Marriage of Heaven and Hell Blake stated that Milton is "a true Poet, and of the Devil's party without knowing it." Many other works of art have been inspired by Paradise Lost, among them Joseph Haydn's oratorio The Creation, Alexander Pope's The Rape of the Lock and The Dunciad, John Keat's poem Endymion, Lord Byron's The Vision of Judgment, the satanic Sauron in J.R.R. Tolkien's saga The Lord of the Rings. Noteworthy, Nietzsche's Zarathustra has more superficial than real connections with Milton's Lucifer, although Nietzsche knew Milton's work.

For further reading: The Miltonic Setting by E.M.W. Tillyard (1938); The Living Milton, ed. by F. Kermode (1960); Milton's Grand Style by C. Ricks (1963); Milton and the English Revolution by C. Hill (1977); also full biographies by D. Masson (1859-94) and W.R. Parker (1968); John Milton, a Literary Life by Cedric C. Brown (1995); Divided Empire: Milton's Political Imagery by Robert Thomas Fallon (1996); Milton Unbound by John P. Rumrich (1966); Eden Renewed: The Public and Private Life of John Milton by Peter Levi (1997); John Milton: The Prose Works by Thomas N. Corns (1998); John Milton: A Comprehensive Research and Study Guide, ed. by Harold Bloom (1999) - Note: Milton appears himself in William Blake's visionary Milton (c. 1814) and in Rober Graves's Wife to Mr Milton (1944) - Note: Alastair Fowler's annotated edition of Paradise Lost is considered among the best guides to Milton's poem - first edition in 1968, second edition in 1998.

Selected works:

  • ODE ON THE MORNING OF CHRIST'S NATIVITY, 1627
  • L'ALLEGRO, 1632
  • IL PENSEROSO, 1632
  • EPITAPH ON SHAKESPEARE, 1632
  • ARCADES, 1633
  • COMUS, 1634
  • LYCIDAS, 1637
  • THE REASON OF CHURCH GOVERNMENT, 1641
  • AN APOLOGY FOR SMECTYMNUUS, 1642
  • THE DOCTRINE AND DISCIPLINE OF DIVORCE, 1643
  • OF EDUCATION, 1644
  • AREOPAGITICA, 1644
  • POEMS, 1645
  • THE TENURE OF KINGS AND MAGISTRATES, 1649
  • EIKONOKLASTES, 1649
  • PRO POPULO ANGLICANO DEFENSIO, 1651
  • DEFENSIO SECUNDA / THE SECOND DEFENCE OF THE PEOPLE OF ENGLAND, 1654
  • A TREATISE OF CIVIL POWER IN ECCLESIASTICAL CAUSES, 1659
  • THE READY AND EASY WAY TO ESTABLISH A FREE COMMONWEALTH, 1660
  • PARADISE LOST, 1667 - Kadotettu paratiisi (suom. Yrjö Jylhä, 1933)
  • HISTORY OF BRITAIN, 1670
  • SAMSON AGONISTES, 1671
  • PARADISE REGAINED, 1671
  • A BRIEF HISTORY OF MOSCOVIA, 1682
  • DE DOCTRINA CHRISTIANA, 1825
  • COMMONPLACE BOOK, 1874
  • COMPLETE ENGLISH POEMS, OF EDUCATION, AREOPAGITICA, 1919

quinta-feira, 17 de julho de 2008

A ilha da Páscoa


Localizada no oceano Pacífico a 3200 km da costa do Chile, a Ilha da Páscoa, ou Rapa Nui como a chamam os polinésios, intrigou os europeus antes ainda que o primeiro deles pussesse os pés na ilha. No dia da páscoa do ano de 1722 o capitão Jacob Roggeveen ao avistar a desconhecida ilha, intimidou-se com o que, sob a difusa luz do entardecer, pareciam ser ameaçadores gigantes protegendo a costa. Os gigantes, descobriu o cauteloso capitão na manhã do dia seguinte, eram impressionantes estátuas de pedra, construídas por um povo que chamava à sua ilha de "Te-Pito-Te-Henua", ou "Umbigo do Mundo".

O nome de "umbigo do mundo" não poderia ser mais apropriado. A Ilha da Páscoa é um dos pontos mais remotos da Terra; está a quase 2000 km da civilização mais próxima, a ilha Pitcairn. Esta pequena ilha vulcânica, que se pode percorrer a pé em apenas um dia, reservou aos arqueólogos vários enigmas:

(1) De onde teriam vindo os primeiros habitantes da Ilha da Páscoa e como fizeram para chegar a um ponto tão isolado do oceano Pacífico sem dispor de grandes navios e instrumentos de navegação?

(2) Por que a ilha estava praticamente deserta quando foi visitada pela segunda vez em 1774? O que acontecera aos seus habitantes nos 50 anos que se passaram após sua descoberta?

(3) E finalmente, quem construiu e por quê, os colossais gigantes de pedra chamados pelos nativos de moai? E como fizeram para transportar e erguer estas estátuas, a maior delas de 90 toneladas, por distâncias que podiam chegar a 20 km?

Enquanto os pesquisadores falharam em dar respostas definitivas a estas questões, a Ilha da Páscoa foi alvo das mesmas especulações místicas/extraterrestres que atingiram outros sítios arqueológicos famosos como as pirâmides do Egito, as civilizações dos Maias e Incas, as linhas da planície de Nazca, etc. Entretanto, para desapontamento de grande quantidade de ufólogos e paranormais nenhuma das três questões permanece atualmente um mistério. Vejamos uma a uma.

Os mistérios (I)

De onde vieram os habitantes de Rapa Nui?

Muitos acreditam que os antigos habitantes da Ilha da Páscoa vieram do continente perdido da Lemuria. A Lemuria é uma terra mitológica, uma utopia como a famosa obra escrita por Thomas More, que segundo alguns teria existido no oceano Pacífico há "um ano galáctico atrás, ou 26000 anos, durante a Era de Ouro do Império do Sol". Esta sociedade tropical espiritualmente avançada e baseada no poder feminino teria vivido em perfeita paz e harmonia até ser submersa por uma inundação global (o dilúvio de Noé?). Diz a lenda que seus habitantes, que "praticavam comumente a levitação, a viagem astral e o teletransporte, de maneira que veículos não eram necessários" teriam sido os responsáveis por erguer os moai da Ilha da Páscoa, num local que outrora, antes do cataclisma, teria sido uma alta montanha da Lemuria (segundo os crentes, alguns locais da Terra como a cidade de Los Angeles e a Ilha da Páscoa seriam as pontas imersas deste continente submerso, e isso explicaria porque nestes locais há "tantas pessoas espirituais com tantas idéias de elevada consciência"). Esta explicação e toda a teoria "lemuriana" vai de encontro ao fato amplamente aceito pelos geólogos de que as ilhas polinésias não são parte de um continente afundado, mas os topos de extintos vulcões.

Outra explicação, esta com um pouco mais de embasamento teórico e experimental foi dada pelo arqueólogo Thor Heyerdahl nos anos 50. Intrigado com a existência de pés de tomate na ilha, uma planta nativa da América do Sul, e pela perfeição dos muros construídos, semelhantes aos dos Incas, Heyerdahl propôs que o povo de Rapa Nui seria descendente de uma civilização anterior aos Incas, que teria se lançado ao mar na costa do Peru e alcançado por acidente a remota ilha. Heyerdahl mostrou que a viagem seria possível organizando ele mesmo uma expedição que se tornou famosa, a Kon Tiki, que após três meses no mar chegou aos recifes da Ilha de Puka Puka (bastante ao norte de Rapa Nui). Mesmo tendo provado ser possível navegar grandes distâncias no oceano Pacífico utilizando canoas semelhantes a dos primitivos navegadores, esta teoria não foi amplamente aceita pela comunidade científica por falta de evidências arqueológicas e linguísticas. Hoje está definitivamente provado, através do exames de DNA de esqueletos encontrados na ilha, que os primeiros habitantes da Ilha da Páscoa não vieram do Peru mas das ilhas Polinésias, por volta do ano 400 D.C.

Por que desapareceram?

Este é ao mesmo tempo o "mistério" mais bem resolvido de todos e o mais inquietante. Estudos de pólen mostram que na época em que os polinésios chegararam à Rapa Nui, por volta do ano 400 D.C., a ilha era inteiramente coberta por florestas. No entanto quando os europeus chegaram em 1722, encontraram uma ilha completamente desmatada a não ser por umas poucas árvores nas regiões mais altas.

Os arqueólogos sabem hoje que enquanto houve abundância de recursos, a população de Rapa Nui cresceu e floresceu como uma das mais avançadas de seu tempo. Mas assim que a madeira, utilizada para cozinhar, para construir barcos e casas e especialmente para mover as pesadas estátuas esgotou-se, a civilização ruiu e a barbárie se instalou. Sem poder construir casas o povo passou a viver em cavernas. Sem redes (que assim como as roupas eram feitas à partir da madeira) não havia como pescar e o frango tornou-se praticamente a única fonte de alimento que tinha que ser defendido contra os saques. Com o alimento escasso e vivendo um estado de guerra constante, muitos apelaram para o canibalismo. E o mais trágico é que sem barcos para vencer os milhares de quilômetros até a ilha mais próxima, o povo de Rapa Nui se tornou prisioneiro em sua própria iha. Em poucos anos a população, que em seu auge tinha sido de quase 10.000 pessoas, reduziu-se para algumas centenas de sobreviventes apenas.

A trágica história do povo da Ilha da Páscoa tem sido muitas vezes usada como metáfora para a história da própria humanidade. Assim como os antigos habitantes de Rapa Nui nós também estamos ilhados em nosso planeta e dispomos de uma quantidade finita de recursos naturais. Será que podemos aprender com o fracasso daquele povo e descobrir um meio de evitar o colapso de nossa civilização antes de exaurir nossos recursos?



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Os mistérios (II) - os moai


O caos que reinou após o esgotamento de seus recursos naturais não foi a única tragédia pela qual passou o povo de Rapa Nui. No século XIX, sucessivos saques dos espanhóis levaram como escravos quase todos os sobreviventes da ilha para trabalhar em minas de guano (um tipo de fertilizante). É natural portanto que não tenham restado registros orais de como os moai foram construídos. O pouco do folclore que resistiu conta que alguns sacerdotes como o rei Tuu Ku Ihu e seu deus Make Make podiam dar vida às estátuas usando mágica, ou mana. Animadas por esta energia divina as estátuas criavam vida e simplesmente andavam até o seu local. Os atuais moradores da Ilha da Páscoa compreensivelmente acreditam nestas lendas contadas por seus antepassados. O prefeito da ilha (em abril de 1998) dá voz ao pensamento geral: "Quando se vive em um lugar isolado do mundo por gerações e gerações tem-se mais tempo para levar sua mente a um máximo. É possível que naquele tempo existisse o fenômeno chamado mana. Nós, como seres humanos, não usamos nem um quarto de nossos cérebros. Eles aperfeiçoaram isso porque eram capazes de se concentrar mais do que somos capazes hoje". Não se pede que o povo simples de Rapa Nui abandone suas tradições já tão maltratadas, mas é uma pena ver como estas histórias perdem sua beleza e poesia quando se tenta justificá-las por falácias como o tal mito de que usamos apenas parte do nosso cérebro.

Mesmo longe do isolamento cultural da Ilha da Páscoa pode-se encontrar pessoas que creêm em estátuas de pedra que criam vida (o que nos parece um pouco mais grave). Há alguns livros, felizmente não muitos, que ensinam como usar a energia das pedras, lápitus, ou energia akásica, e "como ouvir o que nos têm para contar as pedras".

Quando as pedras voavam

O livro "Quando as pedras voavam" (São Paulo: Mandala Livreiros, Editores e Importadores - 1977) do espanhol José Ramon Molinero (Supremo Grão Mestre da Ordem do Limão Branco) ensina estes e outros segredos, como por exemplo o que são os petrus: "seres elementais, guardiães de segredos que, vivendo dentro das pedras, confundindo-se com elas, movendo-as, dão-lhes a condição de objetos mágicos." Para obter diretamente a explicação de como esta energia pétrea foi usada para movimentar os gigantes da Ilha da Páscoa pode-se ler o outro livro do Prof. Molinero: O Mistério das Estátuas Tombadas". Mas houve tentativas de explicações ainda mais bizarras: O psicólogo Werner Wolff chegou a propor em seu livro "Island of Death" (Hacker Art Books, N.Y., 1948), que as estátuas teriam sido confeccionadas no interior do vulcão existente na ilha, aonde permaneceram até serem lançadas ao ar por uma erupção, caindo exatamente sob os pedestais onde jazem hoje (!). Para dizer o mínimo sob esta teoria, o vulcão de Rapa Nui já estava extinto muitos milhares de anos antes da data atribuída às estátuas.

Considerando-se as alternativas até aqui podemos considerar um avanço as teorias do conhecido escritor Erich Von Däniken. Däniken já vendeu mais de 40 milhões de cópias do seu livro de 1968 "Eram os Deuses Astronautas?" e desinformou pelo menos 40 milhões de pessoas com sua tese de que grandes obras de antigas civilizações, incluindo a pirâmide de Queops e os moai da Ilha da Páscoa, teriam sido construídas com a OVNIs e moai supervisão técnica de extraterrestres. Não cabe a este artigo discutir esta teoria dos deuses-astronautas, mas pelo menos no que diz respeito a Ilha da Páscoa, Däniken cometeu vários erros capitais: em seu livro "The Gold of Gods" ele diz que a ilha é composta de solo vulcânico estéril, sem vegetação nem árvores, e que as estátuas foram cortadas "como manteiga" à partir de pedras que não são encontradas na ilha. Claramente o sr. Däniken nunca pisou na Ilha da Páscoa antes de escrever seu livro senão teria constatado facilmente que nada disso é verdade: o solo da ilha é excelente para plantio, sabe-se mesmo que em tempos remotos havia abundante vegetação sobre a ilha; as pedras utilizadas na construção dos moai são sim, encontradas no vulcão da ilha, tanto é assim que no local de onde eram retiradas podem ser vistas centenas de estátuas inacabadas; e já foi provado que este material vulcânico é macio o bastante para ser trabalhado mesmo com ferramentas rudimentares. Com tantas inverdades impressas em milhões de livros Däniken é o grande responsável por propagar o "mistério" da Iha da Páscoa, mas não é o único. Celeste Korsholm (Jananda@sedona.net) que diz receber mensagens telepáticas do Conselho Interplanetário, segundo ela um conselho formado por representantes de cada um dos planetas do sistema solar (mais um representante para o cinturão de asteróides), também acredita que boa parte da mitologia das civilizações antigas, incluindo a dos habitantes da Ilha da Páscoa, são na verdade histórias de contatos imediatos com seres de outros planetas que têm nos visitado nos últimos 40000 anos.


Movendo os moai

Felizmente todas estas teorias podem hoje ser arquivadas sob o rótulo de "mitos sem fundamento" (ou sob a letra "X" se os ufólogos preferirem?); já está definitivamente provado que para mover os moai, os antigos habitantes da Ilha de Páscoa não precisaram do domínio de poderes telepáticos, mágicos ou extraterrestres.

Desde dos anos 50 os cientistas tentam descobrir como os moai poderiam ser transportados utilizando apenas cordas, madeira e força muscular. Nem todas as tentativas foram bem sucedidas: algumas técnicas se revelaram adequadas apenas para as estátuas menores, outras danificavam demais a rocha macia da base das estátuas e outras só teriam sido possível em terrenos planos, o que não é sempre o caso em Rapa Nui. Mas em 1998, um grupo de pesquisadores, incluindo vários arqueólogos, um engenheiro mecânico, um arquiteto e cerca de 75 voluntários, transportou e ergueu a réplica de um moai de 10 toneladas utilizando apenas material disponível na ilha. A história completa, com fotos e vídeos mostrando a técnica utilizada, bem como as técnicas usadas sem sucesso no passado, podem ser vistas no site do programa de televisão que patrocionou a empreitada.

Logicamente o experimento conduzido pelo time de pesquisadores não prova que os antigos habitantes empregaram a mesma técnica, mas prova que os gigantes de pedra da Ilha da Páscoa não eram tão inertes quanto se pensava; eles podiam ser movidos sem mágica nem ajuda extraterrestre, simplesmente através do esforço coletivo de seu povo. Neste aspecto a experiência foi muito além de desvelar um antigo mistério e desmitificar mitos sem fundamento; ela deu o justo crédito a quem o merece: o povo de Rapa Nui.

Movendo os moai 1 Movendo os moai 2

Movendo os moai 3 Movendo os moai 4