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Fred Nadis, Universidade do Texas. Publicado no journal of millennial studies
Cartazes de publicidade para mágicos da virada do século XIX como Harry Kellar, John Nevil Maskelyne e depois, Harry Houdini, freqüentemente os mostravam trabalhando com pequenos demônios sussurrando segredos úteis em seus ouvidos. Um cartaz para o mágico Howard Thurston fazia a pergunta: “Os Espíritos Retornam?”. Apesar das possibilidades exóticas e sobrenaturais que tais cartazes insinuavam, os mágicos deixavam claro que seus efeitos eram o resultado de mecanismos de truque, prática e trabalho de palco. A negação deles do status “oculto” ofereceu vários ganhos. Primeiro, desviou a fascinação do público do Espiritualismo e o oculto para seus próprios atos. Segundo, os artistas não corriam mais o perigo das autoridades trancafiá-los como feiticeiros, como ocorreu ao ilusionista alemão Oehler em princípios do século 19 ao realizar um show no México.1 Finalmente, estabelecendo-se como as contrapartes honestas das fraudes Espiritualistas da época, os mágicos se posicionaram como aliados da ciência, ajudando a livrar o público da superstição.
Historiadores descrevem freqüentemente a virada do século como uma época à procura de ordem. A autoridade última, seja cívica, científica ou religiosa, estava indefinida. Este texto examinará como um mágico, Houdini, se posicionou como um individualista cuja humanidade “natural” o livrou da maioria das formas de autoridade: seja a organização invasiva e a “efeminização” da vida diária; os poderes da polícia e suas prisões; ou os charlatões dos mundos religioso ou oculto. Houdini, como mágicos de palco anteriores e desde então, posou como um seguidor viril de um tipo simples e positivista de ciência, aceitando o veredicto público de que os novos feiticeiros da época eram as pessoas como Thomas Edison, Luther Burbank, Nikola Tesla e Marie Curie.
O Espiritualismo foi lançado em 1848, quando as Irmãs Fox em Nova Iorque começaram a realizar sessões nas quais espíritos “estalavam” respostas a perguntas. Logo outras casas na área estavam sujeitas a “rappings” fantasmagóricos. Sociedades espiritualistas floresceram, e foram realizadas sessões, tanto como uma forma de adoração quanto como um método de fazer dinheiro para médiuns ajudarem suplicantes a se comunicar com os espíritos dos mortos. A invenção do telégrafo no mesmo ano que as Irmãs Fox começaram a receber suas mensagens forneceu uma metáfora fácil para tal interesse renovado em comunicação a longa distância – uma publicação Espiritualista pioneira foi chamada O Telégrafo Espiritual. Dentro de alguns anos, milhares de médiuns começaram seus negócios nos Estados Unidos. O advento da Guerra civil, com suas altas quantidades de vítimas, também ajudou o negócio.
O espiritualismo logo se ramificou no show business. Na década de 1850 e seguintes, “porta-vozes em transe” Espiritualistas, jovens e bonitas como Cora Hatch e Achsa White Sprague tornaram-se o equivalente a rockstars quando falavam em um estado inspirado e supostamente inconsciente sobre os direitos femininos. 2 O Espiritualismo também era natural para o entretenimento, e as Irmãs Fox foram apresentadas no Museu Barnum em Nova Iorque. O Mesmerismo que tinha anteriormente apontado o caminho para o “transe” dos espiritualistas estava freqüentemente envolvido no ato. Antes de uma sessão, assistentes ou manipuladores poderiam fazer passos de mesmerização diante dos médiuns para ajudá-las a alcançar o estado de transe. Mesmeristas e Espiritualistas insistiram que estavam conduzindo experiências científicas e pediam que os observadores tirassem suas próprias conclusões da evidência.
Mesmerismo e Espiritualismo tiveram detratores desde o princípio, mas nem todos os cientistas eram hostis. Muitos cientistas e inventores que tinham esperanças milenárias por sua disciplina se recusaram a traçar uma linha clara entre o sobrenatural e a ciência. O químico William Crookes, o psicólogo William James e os físicos Oliver Lodge e Joseph Thomson formaram a Sociedade para Pesquisa Psíquica, com a intenção de estudar e, se possível, verificar as forças ocultas. 3 O co-criador da teoria de Seleção Natural, Alfred Russell Wallace, era um crente no Espiritualismo, e o inventor Nikola Tesla mergulhou no misticismo. 4 Engenheiros introduziram aparelhos para medir auras, presenças de espírito ou força de vontade, e os nomeram Volômetros, Stenômetros, Uivadores e Motores Fluídicos.5 Quando testemunhas confiáveis começaram a descrever ocorrências maravilhosas em sessões espíritas, os mágicos de palco enxergaram uma abertura. Em seus atos de palco, eles começaram a duplicar os efeitos que os espiritualistas alcançavam em sessões supostamente por poder oculto. Mágicos de palco freqüentemente adotaram também técnicas “mesméricas”.
Quais são alguns exemplos de efeitos mesméricos e Espiritualistas emprestados por mágicos? Por volta do mesmo tempo em que o médico de Nova Iorque, David Reese, em seu livro de 1838 Fraudes de Nova Iorque [Humbugs of New York] estava fulminando sobre mesmeristas e seus assistentes em transe que alegavam habilidades clarividentes, o mágico francês Robert-Houdin acrescentou a atração “Segunda Visão” ao seu ato no qual o filho dele, vendado em palco, identificava itens que os membros da platéia davam para o mágico. No começo dos anos 1850, o mágico John Henry “Professor” Anderson escarneceu as Irmãs Fox, chamando-as de “conjuradoras em disfarce”, e logo acrescentou os rappings de espíritos ao seu próprio ato.6 Nessa época já era um clichê que antes de levitar uma moça usando camisola, um mágico tinha que fazer passos para colocá-la em um transe sonâmbulo, e então mostrar seu poder completo sobre ela ordenando-a a flutuar no ar, excitando a audiência com a dinâmica erótica. Este truque pode ser traçado de volta ao “Professor” Anderson que apresentou “a maravilha do século 19 SUPENSÃO MESMÉRICA” em um ingresso de 1852. Este ato de suspensão é uma reedição do truque “prancha humana” do transe mesmérico profundo – no qual um sujeito hipnotizado fica rijo e pode ser colocado como uma prancha sobre dois cavalos. O truque da prancha era o clímax da maioria dos espetáculos de hipnotismo de palco. Freqüentemente, o hipnotizador ficaria sobre o sujeito, ou colocaria uma pedra grande no tórax dele e a quebraria com uma marreta. Ou em um nível ainda menos sublime, o mágico americano Howard Thurston na virada do século incluiu “hipnotizando um pato” em algumas de suas performances.
Depois das Irmãs Fox, os Irmãos Davenport, também de Nova Iorque, eram talvez os mais famosos de todos espiritualistas que faziam shows. Em seu ato, que eles lançaram nos anos 1850, e executaram diante de sociedades espiritualistas, audiências variadas e a realeza, um “comitê” amarrava suas mãos atrás de suas costas e firmava seus tornozelos e eles foram colocados então dentro de um “gabinete” grande (essencialmente um guarda-roupa grande com assentos) que possuía instrumentos musicais suspensos. Logo após as luzes do palco diminuírem e as portas do gabinete fecharem, as audiências ouviam violões, violinos, sinos, e pandeiros tocando dentro do gabinete. Mas quando as portas do gabinete eram abertas, os Irmãos Davenport estavam sentados calmamente, mãos e pés amarrados no lugar.
Mágicos como o inglês John Nevil Maskelyne e o americano Harry Kellar – que tinha sido um assistente dos Davenports – estavam logo desmist
ificando a rotina da sessão de gabinete com efeitos de sessão de gabinete semelhantes realizados durante seus espetáculos. Com tal imitação, mágicos se tornaram as exibições divertidas da racionalidade, dando a suas audiências emoções iguais àquelas encontradas em sessões, com o sentimento adicional de superioridade inevitável em tal “desmascaramento” – ou desnudando os fenômenos do oculto. Um folheto de 1876 para Harry Kellar inclui a nota, “Kellar e o Gabinete Maravilhoso – introduzindo fenômenos surpreendentes e inexplicáveis realizados por meios invisíveis que, por ignorância e superstição, foram atribuídos a feitiçaria e demonologia”. 7 Uma caricatura de 1893 apresentando Maskelyne mostra ele em um canto estrangulando uma serpente com a palavra ‘fraude’ e a legenda: Ele é duro com os Espiritualistas. Mais abaixo algumas mulheres com aparência matronal cercam o conjurador sobre o subtítulo: As Senhoras das Sociedades Espiritualistas Continuarão a Alegar que Ele é um Delas. Uma das matronas diz, “Por que você não admite que é um médium?” 8
Houdini seguiu seu mentor Kellar em expor o Espiritualismo apenas na segunda fase de sua carreira. Como um performer jovem, ele tinha aparecido em museus baratos como um hipnotizador e administrou sessões enquanto viajava com um circo no Meio Oeste. Depois de tais começos ignóbeis, Houdini forjou suas imagens heróicas como “Rei das Algemas”, e depois como o grande “Investigador Psíquico.” Na primeira fase, ele organizou grandes fugas – livrando-se quando algemado, lacrado em um barril de leite e lançado em um rio; colocado em um recipiente grande; em um tanque grande de cerveja; ou depois de saltar de uma ponte com algemas. Então nos anos vinte, ele se tornou o grande “expositor” de falsos psíquicos e espiritualistas. Embora aparentemente discrepantes, estas duas fases da carreira dele compartilham um terreno comum.
Os Davenports – e outros espiritualistas que teimavam em ter suas mãos e pés amarrados ou que eram colocados em sacos pregados no palco para convencer as audiências de que nenhum truque estava envolvido — inspiraram diretamente o ato de fuga de Houdini.9 Enquanto outros mágicos tinham caçoado dos Espiritualistas, ou discretamente se uniram a eles, Kenneth Silverman, um recente biógrafo, argumenta que o gênio de Houdini foi distanciar completamente seu ato do espiritualismo. “Se Houdini tivesse mantido as fugas dele dentro do cenário do Espiritualismo, ele poderia ter perdido sua identidade na multidão de outros mágicos-médiuns da época”. 10 Enquanto as audiências poderiam ter aceitado de boa vontade que ele – como os Davenports ou alguns dos artistas indianos “yogis” do período – possuía poderes místicos, ao insistir que as fugas dele eram um produto de treinamento físico, habilidade, e uma força de vontade poderosa, Houdini se fixou mais firmemente nas correntes da sua época, e, ironicamente, ainda garantiu que suas escapadas assumiriam a aura de mito. Houdini exibia seu físico, condicionamento, engenhosidade e coragem em suas fugas, suas muitas fotografias de publicidade, e ilustrações de revistas baratas.
As fugas de Houdini de prisões e celas de prisão, atestadas por oficiais de polícia e funcionários de prisão, também apelavam a preocupações do público sobre a corrupção representada na autoridade cívica na virada do século. Exposições sem fim da era revelaram suborno policial, brutalidade e cumplicidade em prostituição e extorsão. Houdini manteve um arquivo de recortes de jornais ingleses e americanos intitulado “Polícia” que em grande parte descreve atos de desvio, má conduta, falsa prisão, e brutalidade policial. Policiais como ladrões eram um tema favorito. Por exemplo seu recorte de 1912 do New York Evening Telegram tem a manchete, “Preso, Acusado de Roubar Garagem Enquanto Policial.” Recortes de 1913 incluem tais artigos como: “Ação Contra um Inspetor de Polícia – Danos; ” e “Dois Policial Acusados de Roubos Noturnos.”
Alguns dos recortes são alegres, por exemplo uma história que descreve como “dois membros da força de polícia da cidade [de Bristol]… [foram] acusados de arrombar uma padaria, e roubar um bolo, com o valor de um centavo.” Mais ominosa é uma caricatura de primeira página de 1912 do New York Evening Journal, mostrando uma linha de policiais enormes, sem cabeça segurando bastões, com a palavra CHANTAGEM em cima de suas cabeças. Um corpo jaz no chão atrás deles, com o sinal “Um Homem Morto não Conta Nenhuma História”, enquanto uma figura pequena da Justiça diante deles é ignorada.11
Em uma era em que jornalistas investigativos e reformadores estavam expondo corrupção policial em dúzias de cidades, o público gostava de ouvir como Houdini, algemado e preso nu em uma cela de prisão, com suas roupas trancafiadas em outra cela, podia logo passear na rua completamente vestido, um homem livre que até mesmo tinha se poupado das taxas de advogados. Identificando-se com arrombadores, fugitivos e outros ladrões, Houdini assumiu a aura do anti-herói apropriada a uma era de exposição de corrupção. E insistindo que ele não atingia seus resultados por ‘magia’ mas por força, habilidade, e artifício, os feitos dele se tornaram símbolos sugestivos. Tais auto-liberações eram liberadoras a audiências em todo o mundo.
Se o culto do século dezenove da vida estrênua era baseado em temores de que a vida moderna era excessivamente arregimentada, efeminizando os homens e fazendo-os escravos da tecnologia e burocracia, Houdini era um dos exemplos do culto. Sua defesa da masculinidade e atração de publicidade trouxe uma confrontação divertida com as feministas de Londres. Em 1908 Houdini respondeu a um desafio público das sufragistas de Londres, que reclamaram que “até agora, só homens tentaram amarrá-lo”. Confiando em ferramentas da esfera doméstica, as seis desafiadoras prometeram prendê-lo “a um colchão com panos e bandagens.” Um biógrafo observou, “Ele considerou esta como uma das suas fugas mais difíceis”. 12
O interesse de Houdini no Espiritualismo, que coincidiu com seu desejo de meia-idade de passar menos tempo em camisas de força pendurado de cabeça para baixo em arranha-céus, também era oportuno para manter o nome dele no domínio público. O resultado da Primeira Guerra mundial conduziu a um ressurgimento de interesse em sessões espíritas e tentativas para contatar os mortos. Como Houdini comentou em um artigo de 1925 do New York American, “Há uma onda regular varrendo o mundo. Deveria haver uma lei passada de que qualquer um fingindo ser capaz de se comunicar com os espíritos deveria provar isto diante de um comitê qualificado”. 13 De fato, Boston, Chicago, e várias outras cidades aprovaram leis contra a previsão de sorte, e os funcionários incluíram freqüentemente sessões espíritas dentro da jurisdição de tais leis. Houdini testemunhou diante de sub-comitês congressionais no começo de 1926 quando uma lei semelhante para Washington estava sob debate.
Houdini se interessou primeiro pelo Espiritualismo depois de se tornar amigo do criador de Sherlock Holmes, o médico e autor, Sir Arthur Conan Doyle, que era defensor ardente do Espiritualismo nos anos vinte. De acordo com a maioria dos relatos, Doyle, conduzido ao Espiritualismo depois da morte de seu filho na Primeira Guerra Mundial, era um crédulo que médiuns fraudulentos enganavam facilmente. Alegando que tinha uma mente aberta no assunto, Houdini assistiu às primeiras sessões dele com ajuda de Doyle. O quarto filme de Houdini, The Man from Beyond [O Homem do Além] (1922), que se seguiu a The Master Mystery (1918), The Grim Game (1919) e Deep Sea Loot (1919), incluiu algumas influências Espiritualistas e uma referência aos livros de seu amigo.
No filme, Houdini interpreta um caçador
de focas, perdido no mar e congelado no gelo Ártico em 1820, que é então achado e ressuscitado em 1920 pelo cientista Dr. Strange [Dr Estranho]. O explorador interrompe o casamento da filha do cientista, desesperado para se casar com ela porque ela se parece precisamente com a noiva dele de um século atrás. O pai enfurecido o prende em um manicômio. Depois de lutar com cientistas loucos e escapar, o filme termina com o herói e o amor jovem dele em paz, enquanto uma imagem sobreposta “fantasmagórica” da noiva do século 19 aparece sobre o corpo de Felice Strange. Enquanto este milagre acontece, a câmera corta para um livro que Felice está lendo, The Vital Message de Doyle, e a citação, “Os grandes professores da terra – de Zoroastro até Moisés e Cristo… ensinaram a imortalidade e progressão da alma”. 14
Uma sessão espírita esteve no cerne da separação eventual de Houdini de Doyle. Houdini e sua esposa se uniram a Doyle e sua família em Atlantic City pelo verão de 1922, e durante uma sessão no quarto de hotel do escritor, a esposa de Doyle contatou a querida mãe falecida de Houdini, Cecília Weiss, e registrou os pronunciamentos dela em um turno de escrita automática. A transcrição de quinze páginas incluiu, “Deus o abençoe também, Sir Arthur, pelo que você está fazendo para nós – para nós, aqui em cima – que precisamos entrar em contato com nossos amados no plano terrestre”. 15 Enquanto Doyle pensou que a sessão havia sido um grande sucesso e sua esposa seguramente não quis fazer mal, Houdini se enfureceu. A elocução de sua “mãe” parecia estranhamente formal a ele; ele também disse que ela deveria ter falado em alemão, e não inglês que ela não falava; igualmente, o conteúdo da mensagem dela não incluiu nenhuma referência pessoal; além disso, Houdini tinha escolhido o aniversário da mãe dele para a sessão, e ele sentia “Se tivesse sido o Espírito de minha querida mãe comunicando uma mensagem, ela, sabendo que seu aniversário era meu feriado mais santo, seguramente teria feito um comentário sobre isto”. 16
Quando Doyle retornou para sua segunda excursão de conferências na América em 1923, Houdini finalmente começou a expor seu ceticismo sobre o Espiritualismo, e sobre a sessão de Atlantic City também. Logo, os dois amigos estavam trocando respostas iradas através da seção de cartas do New York Times, por vezes denunciando e apoiando tanto o Espiritualismo quanto um ao outro. A guerra de jornal continuou ao longo da excursão de conferências de Doyle, ajudando suas necessidades mútuas por publicidade, mas terminando qualquer resquício de uma amizade.
O livro de Houdini A Magician Among the Spirits [Um Mágico Entre os Espíritos], publicado em 1924, continuamente se referia à credulidade de Doyle. A cópia de Doyle do livro de Houdini, na página de título, tem este comentário manuscrito de Doyle, “Um livro malicioso, cheio de todo tipo de má representação”. Nos comentários de margem dele, Doyle usou freqüentemente as palavras “bosh!” e “lixo!”.17 Doyle nota que Houdini nunca explicou o que seria evidência crível. Aqui está Houdini: “se eu estivesse em uma sessão e não fosse capaz de explicar o que aconteceu isto não seria necessariamente um reconhecimento de que eu acreditaria que fosse Espiritualismo genuíno”. 18 A nota de margem exasperada de Doyle, “Isto realmente significa que nada poderia convencê-lo”.
Houdini seguiu em frente. Argumentando que era preciso um ilusionista para identificar outro ilusionista, ele se insinuou no olho público como escritor de artigos denunciando os espiritualistas na Popular Science Monthly, Scientific American e jornais diários. Ele também deu conferências desmascarando os espiritualistas fraudulentos, e serviu em comitês investigando – e rejeitando no final das contas como fraudes – espiritualistas que desejavam reivindicar prêmios para suas habilidades genuínas – freqüentemente médiuns que haviam sido previamente atestados por homens de ciência e negócios mais crédulos. Houdini também incorporou o desmascaramento de médiuns nos seus shows de palco. Como nos esforços do século 19 de Robert-Houdin, Kellar e Maskelyne para reproduzir efeitos ocultos através de meios naturais, Houdini ajudou a restabelecer a crítica positivista do mágico sobre o Espiritualismo. E em um paralelo aos seus atos de fuga anteriores, Houdini estava agora metaforicamente livrando o público da escravidão da superstição.
Os esforços de Houdini e outros mágicos de palco para replicar efeitos espiritualistas ou desmascará-los, realmente tinham um aspecto misógino, ao estar de acordo, talvez, com medos da “efeminização” da vida diária na era progressiva. O cartum mostrando Maskelyne, mencionado anteriormente, enfatizava que membros de sociedades Espiritualistas eram predominantemente mulheres e que eram cômicas. Se os mágicos de palco eram cavalheiros de cartola viris, os espiritualistas eram as mulheres matronais, supersticiosas – ou homens efeminados propensos a “intuições” e visões românticas do mundo.
Independente de suas intenções, Houdini abordou todo seu trabalho – sejam as fugas ou os desmascaramentos – com o fervor de um fetichista. Poderia-se dizer que ele estava tão interessado em ser preso com algemas, correntes, e panos durante seu reinado como o Rei das Algemas quanto ele estava em se libertar. Um testemunho datilografado de 1905 do Chefe de Polícia de Rochester, Nova Iorque, é sugestivo: “Nós, abaixo-assinados, certificamos que vimos Harry Houdini, o portador desta nota, despido nu, revistado, preso em uma das celas… algemado com três pares de algemas; também amarrado com uma mordaça se estendendo das algemas e presa às costas…. “19 Houdini abordou a segunda fase de sua carreira, como um investigador de espíritos, com um zelo fetichístico semelhante. O panfleto de 1924 dele “Houdini Expõe os Truques Usados pela médium de Boston “Margery” para ganhar o prêmio de $2500 oferecido pela Scientific American”, descreve alguns dos rigores que ele passou para revelar as fraudes dela; um dos feitos dela envolvia uma caixa com um sino elétrico que só poderia ser ativado quando o topo era apertado. Outros peritos acreditaram que Margery mantinha os pés dela longe da caixa quando o sino tocava na escuridão debaixo da mesa de sessão. Houdini pensou o contrário e se preparou cuidadosamente:
Antecipando o tipo de trabalho que eu teria que fazer para detectar os movimentos do pé dela eu havia enrolado a perna de minha calça direita bem abaixo de meu joelho. Todo aquele dia eu havia usado uma bandagem de borracha de seda ao redor daquela perna abaixo do joelho. À noite a parte abaixo da bandagem havia ficado inchada e dolorosamente tenra, dando-me assim um sentido muito mais acurado de tato e tornando mais fácil de notar o deslizar mais leve do tornozelo da Sra. Crandon ou uma flexão de seus músculos.20
Ele observou que para a sessão ela “usou meia-calças de seda e durante a sessão teve suas saias puxadas para bem acima de seus joelhos”. E quando ele realmente sentiu o pé dela se movendo na escuridão, o momento de reconhecimento teve um tom concebivelmente erótico. “Eu poderia sentir distintamente o tornozelo dela deslizando lenta e espasmodicamente enquanto ele se pressionava contra o meu.” A emoção de Houdini durante este jogo de pés era no mínimo o do caçador que tinha finalmente capturado sua presa. A dor a que ele tinha se submetido ajudou a garantir este prazer.
O interesse de Houdini no Espiritualismo também se tornou uma parte de seus tours finais. Um bilhete para uma noite de magia de Houdini no Shubert Princess Theatre em Chicago em 1925, incluiu grandes ilusões de palco e fugas nos primeiros dois atos, e um terceiro ato dedicado à exposição dos truques de médiuns fraudulentos. Com o sub-t�
�tulo de “Os Mortos Retornam?”, o programa notava, “Ele não é um cético e respeita os crentes genuínos. Ele não diz que não há nada dessas coisas, mas que nunca conheceu um médium genuíno.” O programa também incluiu o Desafio de Houdini de $10,000, “aberto a qualquer médium no mundo (homem ou mulher). Ele dará a supracitada soma, o dinheiro indo para a caridade, se os espiritualistas apresentarem um médium exibindo qualquer fenômeno físico que ele não possa reproduzir ou explicar através de meios naturais”. 21 Talvez refletindo as frustrações com espectadores insistentes que ele tinha enfrentado durante seus tours, o bilhete incluía a notificação, “… Em nenhum hora, porém, ela irá discutir a Bíblia, ou citações Bíblicas, diante da audiência”.
Enquanto nenhum médium conseguiu os $10,000 do desafio de Houdini, um desafiador de um tipo diferente provou sua abolição. Em 1926, quando Houdini trouxe o espetáculo dele para o Canadá, vários estudantes da McGill University o visitaram nos bastidores em Montreal. Um dos estudantes, Wallace Whitehead, sujeitou Houdini a uma série de questionamentos. Ele primeiro testou a habilidade divulgada de Houdini de poder predizer todo o enredo de um romance de mistério, sabendo apenas um resumo dos eventos das primeiras páginas. Em seguida perguntou a Houdini “sua opinião dos milagres expressos na Bíblia, e pareceu desapontado quando Houdini se recusou comentar em ‘assuntos desta natureza’”. E enquanto Houdini se deitava de lado em um sofá, para lidar com uma perna quebrada, Whitehead perguntou se era verdade que o artista podia resistir a socos fortes no abdômen. Antes que Houdini pudesse se levantar, Whitehead começou a esmurrá-lo viciosamente. O apêndice do mágico foi rompido e ele morreu algumas semanas depois. O próprio mito de invencibilidade física de Houdini, anunciado em dúzias de romances baratos e cartazes de publicidade, finalmente conduziram à sua morte.22
Muitos livros de ensino dirão que o “realismo” reinou na América na virada do século e que noções de progresso baseadas em fatos simples e leis racionais prevaleciam. Porém, ao longo da maior parte do século dezenove, a visão científica de progresso se sobrepôs a uma visão mais mística do progresso da alma. O Espiritualismo, assim como o mesmerismo e outros fenômenos psíquicos, eram levados a sério por muitas pessoas sérias. Até mesmo alguns cientistas e inventores tiveram esperanças milenárias por sua disciplina, e recusaram-se a traçar uma linha clara entre o sobrenatural e o natural.
Contudo a época também era uma de industrialização, de religiões populares crescentemente diluídas e, como sociólogo Max Weber diagnosticou, de um “desencanto” da vida diária. Os mágicos de palco escolheram seu lado adequadamente. Embora mascarados em cartazes e palco como necromancers – os discípulos de swamis, curandeiros chineses – e mestres de conhecimento egípcio oculto, eles também se declaravam publicamente “ilusionistas honestos” que só simulavam maravilhas ocultas por meios naturais. Estranhamente, ao distanciar-se do oculto como uma explicação, Houdini e outros mágicos de palco aumentaram a “emoção” da audiência. Este homens não só podiam duplicar os efeitos espetaculares dos Espiritualistas, mas eles também ofereciam outra forma – possivelmente misógina – de emoção – como o mágico masculino que perseguia, e então despia a aparência de honestidade da médium Espiritualista, expondo-a como uma fraude nua. Eles não estavam exatamente educando suas audiências, mas deixando-as mais “espertas”. Tendo reconhecido o desencantamento do mundo, os mágicos de palco estavam oferecendo uma forma nova de encanto: uma fundada firmemente no mundo natural e na engenhosidade e potencial humano.
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Notas:
- 1 Milbourne Christopher and Maurine Christopher, The Illustrated History of Magic. (Portsmouth, N.H., 1996), 61. Unless otherwise indicated, most of my information about the history of stage magic comes from this sourcebook.
- 2 Ann Braude, Radical Spirits: Spiritualism & Women’s Rights in 19th Century America. (Boston, Beacon Press: 1989), 84-98.
- 3 Marc J. Seifer, Wizard: The Life and Times of Nikola Tesla. (Secaucus, New Jersey: Carol Publishers, 1996), 93.
- 4 In 1876, Wallace appeared as a witness for the defense at the trial of American psychic Dr. Henry Slade, accused of defrauding seance participants. English magician John Nevil Maskelyne tried to help the prosecution unmask Slade. The psychic was convicted, but that ruling was later overturned. See Richard Milner, “Charles Darwin and Associates, Ghostbusters,” Scientific American, October, 1996, 96-100.
- 5 Kenneth Silverman, Houdini!!! (New York: Harper Collins, 1996), 259.
- 6 Christopher, 118-20.
- 7 Ibid., 209.
- 8 Christopher., 173.
- 9 Silverman, 39-41.
- 10 Ibid., 42.
- 11 These clippings are from the police file in the Houdini Collection, cabinet 112, at the Harry Ransom Humanities Research Center, University of Texas, Austin.
- 12 Walter S. Gibson, The Original Houdini Scrapbook. (New York: Sterling Publishing, 1976), 39. One challenge that might elude any attempt at cultural analysis came from the Hogan Envelope Company of Chicago, as follows, “We believe a giant envelope can be made by us which will enclose Houdini and successfully prevent his escape.” Gibson, 32.
- 13 August 15, 1925. Humanities Research Center, Houdini Collection, Box 11.
- 14 Silverman, 263-4.
- 15 Houdini, A Magician Among the Spirits. (New York: Harper and Brothers, 1924), 154.
- 16 Ibid., 152.
- 17 The copy of A Magician Among the Spirits in the Sir Arthur Conan Doyle collection at the Humanities Research Center is full of Doyle’s—sometimes lengthy—margin comments.
- 18 Houdini, Magician, 247.
- 19 Humanities Research Center, Houdini Collection, Box 11.
- 20 Harry Houdini, Houdini Exposes the Tricks…(New York, 1924), 6. Humanities Research Center, Box 11.
- 21 Humanities Research Center, Houdini Collection, Box 11.
- 22 Silverman, 407-09.
Trabalhos citados:
Braude, Ann. Radical Spirits: Spiritualism & Women’s Rights in 19th Century America. Boston, Beacon Press, 1989.
Christopher, Milbourne and Maurine Christopher. The Illustrated History of Magic. Portsmouth, N.H.: Crowell, 1973.
Gibson, Walter. The Original Houdini Scrapbook. Sterling Publishing, New York, 1976.
Houdini, Harry. A Magician Among the Spirits. Harper and Brothers, New York, 1924.
Houdini, Harry. “Houdini Exposes the tricks Used by Boston Medium “Margery” to win the $2500 prize offered by the Scientific American.” New York, 1924.
Houdini, Harry. “Spiritualists Who Prey on Rich Exposed.” New York American, 15 August, 1925.
Jay, Ricky. Learned Pigs & Fireproof Women. Warner Books, New York, 1986.
Milner, Richard. “Charles Darwin and Associates, Ghostbusters.” Scientific American, October, 1996, 96-100.
Reese, David Meredith. Humbugs of New-York.
1838. Books for Libraries Press, Freeport, N.Y., 1971.
Seifer, Marc J. Wizard: The Life and Times of Nikola Tesla. Carol Publishers, Secaucus N.J., 1996.
Silverman, Kenneth. Houdini!!! New York: Harper Collins, 1996.
Houdini playbills, clippings files, pamphlets, from the Houdini Collection at the Harry Ransom Humanities Research Center, University of Texas at Austin.