Em As Cartas dos Mahatmas é afirmado muito definidamente que Espírito é Vida indivisa. Se isto é assim, então o que é chamado Espírito não é uma abstração mas uma realidade, cuja natureza pode ser experimentada dentro de nós mesmos. O relacionamento entre Matéria e Espírito, os quais se afirma naquelas mesmas Cartas serem apenas dois lados da mesma coisa, a saber, o Elemento ou Substância una da qual tudo mais no universo é derivado, é um relacionamento de vida e contém em si mesmo todas as qualidades que a vida pode exibir. A vida é uma energia que polariza-se em Espírito e Matéria. A matéria nós percebemos, mas a natureza do Espírito é compreendida e experimentada somente em nossa própria consciência.
Pode-se dizer que em todo o universo manifestado a vida é a única coisa primária, uma energia que está em toda à parte e latente ou ativa em graus variados. Num pólo, esta energia manifesta uma natureza de unidade e então ela é a vida indivisa; no outro pólo há divisão e diversidade e a vida manifesta-se como uma diversidade de processos. Em seu aspecto objetivo, quer seja numa planta, num animal ou num corpo humano, ela é uma síntese de forças e é por isso que o cientista fala da vida sintetizante. Mas em sua natureza profundamente subjetiva ela é uma unidade absoluta e sua natureza somente pode ser conhecida pela experiência direta.
Em cada forma viva, em cada organismo individual, há uma unidade e há uma diversidade. Isto é reconhecido pelos cientistas, mas suas observações estão no nível da diversidade, os vários processos químicos e biológicos; são somente estes que podem ser observados. Na maior parte eles pensam que a unidade é criada pela diversidade, que reunião das partes, as quais desenvolvem várias reações entre elas próprias, cria uma certa unidade ou totalidade. Mas como a conseqüência, que possui uma natureza tão diferente, surge de um padrão material?
A reunião das partes é de acordo com um padrão específico em cada caso e é mantida e reproduzida com várias modificações. Será que tudo isso é uma questão de química, geração espontânea, não no sentido da vida surgindo da lama, mas do encontro acidental de certos elementos e da sobrevivência do mais apto para um ambiente particular, o que é chamado de seleção natural? Ou a vida possui uma natureza que em muito transcende o que é visto no nível biológico, com uma inteligência inerente à sua natureza, que organiza e usa o material disponível e, ao assim fazer, manifesta apenas um fragmento de sua potencialidade? Esta última é a visão antiga e oculta por que não podemos observar com sentidos físicos a ação da natureza que é atribuída a ela.
Se Espírito e Matéria são os dois pólos, uma visão remonta a vida, com toda sua potencialidade, àquilo que chamamos de Espírito, e a outra visão baseia-se completamente na atividade que é vista ocorrer no campo da matéria. Entre os antigos, aqueles que reivindicavam falar com autoridade do conhecimento direto – e suas afirmações foram aceitas por muitos, até mesmo dentre aqueles que investigaram muito minuciosamente toda hipótese possível – consideravam a vida como uma efusão divina. Isto é, ela descende de alturas muito grandes, ou surge de profundezas muito grandes – duas maneiras de dizer a mesma coisa. A altura ou a profundidade são abrangidas na relação entre Espírito e Matéria, a distância entre os dois pólos eternos não sendo espacial, mas representando uma enorme faixa em gradações de expressão, ação e qualidade. A Matéria, que é capaz de divisão, diferenciação e combinações, provendo a forma, e o Espírito, que é Vida indivisa, possuindo qualidades que ele confere à energia que atua através da forma e expressa em cada caso aquele aspecto de sua natureza que pode aparecer através da forma. Podemos ver que enormes possibilidades abrem-se a partir desta visão.
Todas as qualidades incluídas na profundidade podem ser manifestadas na consciência desenvolvida. Elas pertencem àquela consciência ou, mais categoricamente, à consciência como manifestada no homem. Quando examinamos muito cuidadosamente a natureza da vida, podemos ver que ela não é separada da consciência. Viver é ser cônscio em algum grau. No nível puramente físico é “senciência”; você sente a picada de uma agulha ou uma sensação agradável, excitante. Mas há muitos outros níveis, a natureza dos quais é expressa na ação que ocorre no campo de nossa própria consciência, não apenas pensamento e todas as qualidades que podem caracterizá-lo, mas também imaginação, resposta à beleza, amor, o sentimento de absoluta liberdade e a experiência de um estado de “absoluteidade” em nosso próprio ser. Tudo isto surge da vida, sendo parte de sua natureza e ação. Atribuir tudo isto a combinações moleculares, por mais que a vida possa parecer surgir delas, é uma explicação que não pode ser chamada de razoável ou convincente.
O cientista estuda e especula, na medida em que ele especula, sobre a vida em sua natureza ordinária, a natureza da vestimenta material que ela usa, não sua natureza extraordinária que não pode ser medida por sua régua e compasso ou pelos instrumentos mais sofisticados que ele inventou. A vida, restrita por uma organização material, a natureza que exibe nessa organização, é uma coisa: mas a vida fora dos limites dessa organização, o que ela pode manifestar de sua natureza à parte das limitações às quais torna-se sujeita, pode ser alguma coisa muito diferente. O que é extraordinário é completamente omitido quando o cientista confina sua atenção àquilo que ele pode observar na matéria física. Ele não pode conhecer dessa forma a outra dimensão que está compreendida no Espírito, uma palavra com significados desconhecidos, que pode ser compreendido somente através da auto-experiência. Mesmo no nível físico há vários processos para os quais não há explicação adequada. Como as partes se ajustam num todo progressivamente significativo, como um desenho específico variando de uma família ou ordem para outra, e o que mantém a unidade deste desenho enquanto o reproduz e o modifica todo o tempo, com adaptações de uma natureza muito complicada e engenhosa, tudo isso é um mistério. É difícil imaginar que um tal resultado inteligente possa advir de um processo de mero ajuste sem um padrão anterior ao qual as partes são atraídas.
A Teosofia em seu aspecto central é essencialmente a ciência da Vida, sua natureza, potencialidade e ação. Ela também tem sido designada como a ciência do Eu. Mas quando o eu no sentido ordinário desaparece então há Vida aparecendo em seu lugar, em toda sua extraordinariedade, sua beleza, sua profundidade, sua inteligência e todas as outras características de sua natureza e poder. Podemos usar a palavra “Espírito” quando nos referimos a tudo isto. Assim, o Espírito é vida em sua fonte, onde ela existe em sua pureza, sua plenitude, sua plena potência e superlatividade, e não como ela aparece um qualquer forma condicionada. Talvez possamos chamá-la então de o elixir da vida.
Alguns anos atrás, Sir John Eccles, o célebre pesquisador e professor de fisiologia, particularmente do cérebro, ministrou uma série de conferências que foram transmitidas pelo rádio para toda a Austrália, no curso das quais ele disse:
Demasiado freqüentemente temos afirmações de que o homem é apenas um animal esperto e inteiramente explicável materialmente. E novamente, nos é freqüentemente dito que o homem não é nada mais do que uma máquina extremamente complexa e que os computadores logo estarão competindo com ele pela supremacia como as máquinas mais complexas em existência e que eles terão desempenhos que o sobrepujarão em tudo o que importa.
Quero duvidar de tais afirmações dogmáticas e fazer com que vocês percebam quão tremendo é o mistério da existência de cada um de nós... Minha aproximação da experiência consciente é, em primeiro lugar, baseada em minha experiência direta de minha própria autoconsciência. Acredito ser esta a única maneira válida na qual falar a vocês...
“A única maneira válida”, da qual Sir John fala, pode ser considerada como especulativa, não estando aberta à demonstração, mas é o caminho para o conhecimento direto e certo. Em outro lugar ele diz: “Nós (os cientistas) não podemos dizer-lhes como os presumidos padrões na rede neuronal num dado momento dão surgimento à consciência”.
Mas os antigos resolveram esta dificuldade.
À medida que a vida, em seu aspecto de consciência, desenvolve-se num ser humano, o amor aparece e manifesta-se e da mesma forma que a vida possui um aspecto que é ordinário e outro que é extraordinário, o amor também tem dois aspectos similares. O amor que é ordinário é o tipo que encontramos muito comumente no mundo e é basicamente uma questão de gostar ou de gozo e posse. Mas há também amor que é extraordinário. A diferença realmente repousa entre as qualidades que são baseadas na matéria e aquelas que são puramente espirituais.
Aquele princípio no homem que é chamado Manas, grosseiramente traduzido por mente, pode ser baseado na matéria bom como espiritual. Imagine um cone, cuja base está na terra e seu vértice acima da base estando conectado com cada ponto na base. Isto pode simbolizar o relacionamento entre Manas e as coisas particulares no campo da matéria com as quais está relacionado, para as quais sua atenção é atraída, nas quais ela desenvolve um interesse. Todas as linhas que conectam o vértice com os pontos inumeráveis na base representariam as reações da mente, seus apegos e medos. Mas podemos imaginar o prolongamento deste cone, fazendo um outro cone com seu vértice no mesmo ponto e a base em algum lugar lá em cima. Este outro cone abrindo-se ao espaço representaria Manas expandindo-se no mundo do Espírito, isto é, um mundo de verdade e beleza, uma expansão que pode ocorrer somente quando a mente está livre das modificações às quais entrega-se no cone inferior baseado na matéria.
Manas, sendo o princípio central no homem, não o mais elevado, mas o que realmente constitui o homem, o pensador, pode associar-se quer ao mais elevado ponto em sua constituição ou ao mais inferior. A Dra. Annie Besant descreveu o homem como uma entidade que une em si mesma o supremo Espírito com a matéria mais inferior. A palavra “mais inferior” não significa neste contexto alguma coisa desprezível, vil ou má, mas significa que nas gradações que separam o Espírito da matéria estamos nos referindo ao grau mais inferior da matéria, da mesma forma que o ponto mais elevado refere-se à suprema qualidade no Espírito. É possível se viver em condições de matéria, como todos nós vivemos, sem tornar-se sujeito às suas pressões e influências insidiosas, sem passar por um processo de materialização ou degradação em si mesmo. Portanto, não necessitamos concluir que a matéria é necessariamente má ou grosseira em qualquer sentido depreciativo.
Certas qualidades e faculdades vêm à manifestação somente num mundo de distinções. No mundo da Natureza física, cada coisa é distinta e diferente das outras de uma maneira ou de outra e mantém sua diferença com uma medida de estabilidade. Há muitas tonalidades e matizes de cor e a capacidade de percebê-los é desenvolvida somente quando se dá atenção a eles. Similarmente, há diferenças em tons e formas, movimentos, idéias e qualidades. O artista nota alguma delas mas nós não. Também no reino da mente pode haver movimentos extraordinariamente sutis, cada um com sua qualidade, como uma nota musical, distinto de outros, distinções entre uma idéia e outra e distintas gradações em sentimentos e emoções. Processos mentais tais como razão, julgamento, rapidez em pensamento, são evocados ao se tratar com distinções. Estas qualidades, incluindo a capacidade de agir com precisão, presteza e habilidade surgem do relacionamento entre a mente à matéria.
A natureza de Manas, que é um aspecto da consciência ou um modo de sua ação, é ver o particular, à parte. Ele nota as diferenças entre uma coisa e outra em suas propriedades, movimentos, ação, relacionamentos e assim por diante. O cientista faz isso de uma maneira notável. Mas quando ele quer compreender a natureza de alguma coisa que é um todo, ele a julga a partir do que ele conhece das partes.
É um aspecto diferente da consciência que abarca o todo de uma só vez e experimenta a natureza da unidade que aquele todo corporifica. O todo, se ele não é uma mera reunião, possui uma qualidade, uma beleza, que não está nas partes. Uma construção nobre, tal como o Taj Mahal ou uma bela catedral, possui uma dignidade, um caráter próprio, que as partes, embora belas em si mesmas, não manifestam separadamente. Este outro aspecto da consciência, que é espiritual e que podemos chamar de Buddhi, sempre funciona em termos de um todo perfeito e em suas criações expressa a natureza ou a beleza do Espírito.
Se identificamos Espírito com consciência em sua pureza, podemos ver como ele pode atuar em um número infinito de maneiras. Se a afirmação é feita “A beleza do Espírito é infinita”, talvez muitos a aceitarão porque é um pensamento que tem sido expresso muito freqüentemente. Mas em que modos ela pode ser infinita, como sua beleza é manifestada? É somente quando compreendemos a natureza da consciência é que vemos de sua substância e movimentos pode surgir uma forma bela após a outra e que seu poder de criação pode ser infinito. Tal ação ocorre com uma facilidade sem esforço quando não há nela nenhuma partícula de um impedimento: então ela pode mostrar a cada vez uma criação singularmente bela. Sua ação é muito semelhante ao florescimento de uma planta na Natureza física. Podemos chamá-la a ação do Espírito ou da Consciência. É este florescimento desde o interior, cada vez com uma nova beleza, que constitui o lado extraordinário da vida, de seu aspecto espiritual ou divino, que é muito mais uma realidade ou mais próximo da realidade do que a ação no campo da matéria.
Mesmo no nível da matéria a vida sempre assume uma forma individual. Ela não é apenas uma quantidade de energia num reservatório. No corpo material vivo há perfeita coordenação de partes e processos e o corpo manifesta em seu nível uma certa unidade correspondente à individualidade da vida que nele habita. Assim, há uma reflexão no caráter e nos processos da vida na matéria, de uma unidade inata que é a unidade do Espírito. Mas a unidade que é espiritual não é uma unidade morta ou de uma natureza mecânica, mas é a unidade de uma “absoluteidade” tal como é experimentada numa exaltada condição da consciência, no amor ou numa total resposta à beleza. Cada estado desses possui uma qualidade singularmente sua, como a unidade de uma qualidade que permeia e satura uma criação artística ou a unidade de uma expressão maravilhosa na face de alguém.
De acordo com o ensinamento oculto, em cada ponto no espaço há matéria e em cada ponto há também Espírito. Uma partícula de poeira é matéria mas há também Espírito nela. Eles coexistem, ambos são eternos, unos e auto-existentes, mas em cada ponto o significado, a beleza, a maravilha que é manifestada pertence ao Espírito. Ele é o Logos, no velho sentido grego, presente em cada ponto no fluxo da vida, que dá direção àquele ponto para o processo evolutivo posterior. A matéria existe como um meio de expressão.
Hoje em dia freqüentemente a pergunta é feita: “Qual é o significado da vida?” Nesta pergunta a palavra “vida” é usada num sentido altamente generalizado, incluindo todos os incidentes que afetam a vida interior. A palavra “significado” é difícil de traduzir. O que uma flor significa para nós, ou ela nada significa afinal? Quando há uma resposta extraordinariamente vital de nosso coração à flor ou ao movimento de uma nuvem ou a uma personalidade humana ou a alguma ação de sua parte, como esse fenômeno nos afeta, seu impacto sobre nós, é o significado sentido e experimentado. Se sentimos sua beleza, seu encanto, se somos realmente cativados por ela, a coisa é significativa num grau extraordinário. Este é o ápice de significado que uma coisa pode possuir. Você apenas olha para ela e ela mostra sua beleza a você e isto é o suficiente, ela não necessita fazer mais nada. O fato que ela existe e que você a conhece é o bastante. O “significado”, então, está na natureza inata de um fenômeno ou objeto. Não é uma questão de construção pela mente. Cada fenômeno, cada pessoa e coisa possuem uma qualidade que é comunicada à mente que está realmente aberta. Cada pintura ou gravura, se ela é uma real obra de arte, possui uma beleza que ela irradia. O artista conhece isto como um fato, embora possa haver pessoas que pensem que a gravura é meramente uma mistura de cores. Quando falamos da verdade com relação a alguma coisa objetiva, esta verdade inclui todo o que pertence à sua forma, sua substância e propriedades, bem como o significado daquela forma para uma mente e coração receptivos, a qualidade que permeia a forma, quando ela é uma forma perfeita.
No processo da evolução, que é um processo universal, há uma sucessão de formas. Há também uma manifestação ou liberação de significado. Uma qualidade mais elevada, uma inteligência superior, uma beleza que não estava presente antes, aparece no mapa da existência. A essência de uma forma que é perfeita e significativa, isto é, se ela é verdadeiramente evoluída, está naquilo que ela expressa e esta essência pertence à vida, ao Espírito-na-matéria. A natureza do Espírito deve ser percebida no significado que a coisa viva torna manifesto. Se em toda a parte há vida latente ou ativa, tudo que podemos ver ou tocar deve ter esta qualidade-vida, mesmo que tenuemente.Um cachorro cheira o que não podemos cheirar e os instrumentos registram variações magnéticas que afetam nossos corpos, mas dos quais somos totalmente inconscientes. Similarmente, pode haver radiações presentes, presenças sutis, às quais não somos sensíveis. A forma é sempre pretendida ser uma expressão da vida. Há esta expressão quando ela incorpora um padrão específico sobre o qual a expressão pode ser baseada. No curso da evolução, na medida em que o padrão é elaborado, a expressão torna-se mais definida, mais modulada, carregada com nuanças. Há uma infinidade de significado, de amor, de beleza no Espírito e a natureza na qual esta infinidade está armazenada pode ser conhecida em nosso coração quando ele for puro o suficiente e humilde o suficiente para conhecê-la.