terça-feira, 13 de novembro de 2007

Progresso e liberdade - Kant

Deve produzir-se na espécie humana alguma experiência que, na qualidade de evento, indica sua aptidão e seu poder de ser a causa de seu progresso, e (como deve ser de uma pessoa dotada de liberdade) de ser a autora dela. [....] Não esperem que esse evento consista em altos gestos ou crimes importantes cometidos pelos homens, tendo como conseqüência, que o que era grande entre os homens tornou-se pequeno, ou o que era pequeno tornou-se grande, nem em antigos e brilhantes edifícios políticos que desaparecem como por magia, enquanto que no lugar deles surgem outros de uma certa maneira das profundezas da terra. Não, nada disso. Trata-se apenas da maneira de pensar dos espectadores que se trai publicamente nesse jogo de grandes revoluções e que, mesmo correndo o risco de um perigo que poderia lhes atrair uma tal parcialidade, manifesta, todavia um interesse universal, que, no entanto não é egoísta, para os jogadores de um partido contra os jogadores de um outro partido, demonstrando dessa maneira (por causa da universalidade) um caráter do gênero humano na sua totalidade e ao mesmo tempo (por causa do desinteresse) um caráter moral dessa humanidade, pelo menos nas suas disposições; caráter que não somente permite de esperar o progresso, mas representa nele mesmo um tal progresso na medida onde é atualmente possível de alcançá-lo.
Pouco importa que a revolução de um povo repleto de espírito, que nós vimos se efetuar nos dias de hoje, seja um sucesso ou um fracasso, pouco importa se ela acumula misérias e atrocidades do ponto de vista de um homem sensato que a referia com a esperança de leva-la ao sucesso, e não se resolveria jamais, no entanto a tentar a experiência e esse preço, - essa revolução, eu digo, encontra assim mesmo nos espíritos de todos os espectadores (que não estão eles mesmos engajados nesse jogo) uma simpatia de aspiração que toca o entusiasmo e de qual a própria manifestação comportava um perigo; essa simpatia, por conseguinte, não pode ter outra causa a não ser uma disposição moral do gênero humano. Essa causa moral é dupla: primeiro é a causa do direito que tem um povo de não ser impedido por outras potências de se dar uma constituição política conforme sua vontade; em segundo é a causa do fim (que também é um dever): só é em si mesma conforme ao direito e moralmente boa à constituição de um povo que é própria por sua natureza a evitar segundo alguns princípios a guerra ofensiva; só pode ser a constituição republicana, pelo menos teoricamente - por conseqüência própria a se colocar nas condições que afastam a guerra (fonte de todos os males e de toda corrupção dos costumes), e que asseguram dessa maneira negativamente o progresso do gênero humano, apesar de toda sua enfermidade, lhe garantindo que, pelo menos, ele não será entravado no seu progresso. Isso então, assim que a participação apaixonada ao Bem, o entusiasmo, que, no entanto não comporta uma aprovação sem reserva, do fato que toda emoção como tal merece uma admoestação, permite, no entanto, graças a essa história, de fazer a seguinte observação, que tem sua importância para a antropologia: o verdadeiro entusiasmo se relaciona sempre com o que é ideal, mais especialmente ao que é puramente moral, o conceito de direito, por exemplo, e ele não pode se acrescentar ao interesse. Apesar das recompensas pecuniárias, os adversários dos revolucionários não podiam se elevar até o zelo e a grandeza da alma que despertava nos últimos o puro conceito de direito; e mesmo o conceito de honra da velha nobreza guerreira (parente próxima do entusiasmo) acabou se esvanecendo diante as armas daqueles que tinham em vista o direito do povo de quem eles pertenciam, e se consideravam como seus defensores; exaltação com a qual simpatizava o público que do exterior assistia em espectador, sem a mínima intenção de se associar a eles efetivamente.

- Le Conflit des Facultés (1798), 2 Section, VI - Kant - Trad. S. Piobetta, & Garnier- Flammarion.


Progresso e liberdade

A reflexão de Kant sobre a história preenche uma função de esperança, não de conhecimento. O homem não pode ser indiferente nem as violações dos direitos do homem nem à possibilidade do progresso da humanidade: mesmo se o reino universal do direito me parecesse longínquo, eu devo, na qualidade de membro de uma espécie moral, compartilhar a esperança de sua realização.


Razões de esperar

Na segunda seção do livro Conflit des Facultés (1798), Kant retoma a questão: o gênero humano está em progresso constante? Estando compreendido que a noção de progresso designa aqui o progresso moral, diferente segundo Rousseau, do progresso da cultura, três respostas parecem possíveis: o gênero humano pode ser apresentado como perpetuamente em regressão, em progressão ou em estagnação. Kant recusa as três hipóteses, que têm em comum de negar a imprevisibilidade do futuro: em razão dos limites do poder de conhecimento, mas, sobretudo da indeterminação que a liberdade humana introduz na natureza, é impossível conhecer o futuro da humanidade. A filosofia tem, todavia por tarefa de pensá-lo, a fim de determinar as razões de esperar a realização do ideal da razão.Kant concebe a esse ponto de vista duas argumentações, que é preciso ao mesmo tempo distinguir e articular, em vista de justificar o otimismo do progresso. A primeira é fundada na hipótese do "projeto da natureza" que visa mostrar que o mecanismo dos interesses pode ser suficiente para paliar a ausência de boa vontade dos homens. A segunda repousa ao contrario na convicção que o progresso moral depende da vontade - quer dizer da presença de uma "disposição moral" no homem e da manifestação da liberdade na história. Os dois pontos de vista, em aparência, contraditórios, podem coexistir se nós temos consciência que trata-se apenas de pontos de vista: nem a tese segundo a qual o real alcançará dele mesmo o ideal, nem a que faz depender a realização do ideal de eficacidade da liberdade na história não podem com efeito pretender à certeza de um conhecimento. No texto acima, Kant se coloca no segundo ponto de vista e procura defender a possibilidade do progresso dando a prova da presença no homem de uma disposição moral. O filósofo apresenta a Revolução francesa como "um evento de nosso tempo" que prova a "tendência moral da humanidade". O argumento, sutil, é reflexivo. O julgamento dado ao evento ele mesmo é nuançado: Kant afirma que um "homem sábio" não poderia se resolver a reiterar o processo revolucionário, mesmo se ele estivesse assegurado de conseguir realizar dessa maneira o ideal republicano. O que testemunha da possibilidade para o homem de ser a causa de seu progresso na qualidade de agente livre, não é o ato revolucionário ou reformador ele mesmo, mas o efeito que ele produz nos espectadores neutros: uma "simpatia desinteressada e universal" (o interesse do espectador não está ligado à história de uma nação, mas à universalidade do ideal do direito)


Disposição moral

Através esse argumento surpreendente, revela-se que a prova demonstrando a possibilidade do progresso moral reside na subjetividade do filósofo: Kant, refletindo sobre o entusiasmo que ele sentiu diante o espetáculo da Revolução, descobre nele mesmo essa prova que atesta a presença em todos os homens de uma disposição moral susceptível de animar as ações deles.
É ademais paradoxalmente essa mesma disposição - resultado do progresso futuro - que anima os discursos lamentando as insuficiências e as descontinuidades do progresso moral da humanidade.
- E. D.

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