quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Moralistas: ascese e utopia

Todos nòs temos em nòs mesmos um lado de utopia, como aqueles que tem uma pequena horta ao lado da casa deles. Isso não é suficiente para alimenta-los mas lhes dà pequenos prazeres.
È nessa pequena horta que nòs podemos cultivar uma das sabedorias antigas, Èpicure ou então o estoicìsmo. Elas não transformarão nossas vidas, nòs não nos tornaremos bem-aventurados ou heròis, mas nòs podemos sonhar.....


De amizade e àgua fresca


Utopias da felicidade: essas sabedorias não são nem religiões nem morais, e também não são apenas filosofias ou explicações do mundo: elas eram, queriam e diziam ser primeiro métodos razoàveis de felicidade individual. Elas tiveram uma influência tão grande quanto a religião na vida das classes letradas. Elas ensinavam como tornar-se definitivamente feliz aqui na terra. Ao preço de uma transformação dele mesmo, o discìpulo de Èpicure ou dos estòicos, podia alcançar um ponto de perfeição onde ele teria matado nele mesmo todo desejo, todo transtorno e todo temor, e onde a morte não seria mais nada para ele. Ele regozijaria então de uma felicidade que faria dele o igual de um deus que seria mortal. Essas sabedorias são pròximas das doutrinas estrêmo-orientais de transfiguração de si mesmo.
Vejam os epicurianos que não se parecem com a legenda deles. Hà 2310 anos atràs, no seu jardim perto de Athènes, Èpicure começou a ensinar que a felicidade consistia a viver de amizade e de àgua fresca. Nòs constatamos que espontaneamente os homens e os animais fogem da infelicidade e procuram a felicidade. Mas o que é a felicidade ? È o prazer fìsico e nada mais: vamos acabar com as complicações que fazem nossa infelicidade. Se vocês desejam ser ricos ou governar os povos vossa infelicidade começa. Pois o que é o prazer ? A volùpia ? Oh não ! È puramente negativo, é a ausência de sofrimento. A fome é um sofrimento, quando nòs não sofremos mais da fome nòs nos sentimos felizes, ora um pedaço de pão basta para isso; " com um pedaço de pão e um pouco de àgua nòs somos tão felizes quanto Jupiter". Se vocês querem mais que o não-sofrimento, se vocês desejam a gastronomia ou o amor-paixão, então acabou a felicidade e bem-vindas às frustrações e aos temores.
A doutrina acabou com o mito dos desejos ruinosos, ela dissolve também as superstições confusas, como a pretendida imortalidade da alma e o medo dos Infernos.
Permanecem algumas dificuldades. Todos os homens não sendo sàbios, nossa felicidade està sob a ameaça da malevolência de outrem; nòs podemos remediar tendo amigos que nos ajudarão. O prazer sendo o ùnico princìpio, a amizade se explica pela segurança que ela dà, ela é então um prazer, um dos mais fortes que existem ! Um epicuriano vive em companhia de seus amigos, afastado dos outros homens, escondido na medida do possìvel do olhar deles. Apenas o prazer pode também fundar a moral: não é permitido matar ou roubar, pois nòs nunca cessarìamos de ter medo do policial.



Afrontar serenamente a morte


Nòs vemos a dupla utopia que fundamenta o epicurismo: que o homem procura a felicidade e que ele pode se transformar até alcançar um ponto de perfeição onde ele a encontrarà. Na realidade, diz Nietzche, o homem não procura a felicidade, mas a potência, quer dizer, de uma maneira geral, sua infelicidade; toda a infelicidade dos homens vem de não saber ficar em repouso em um quarto, diz Pascal. E o homem não pode se despojar tão voluntariamente de seus desejos nem de seus temores. A morte não é nada, segundo Èpicure, pois, se nòs tememos a morte, é porque estamos vivos e, se nòs estamos mortos, nòs não pensamos mais nada. O sofrimento também não deve causar temor, pois, se é uma tortura, ele faz logo morrer e, se ele dura, ele é leve e suportàvel.
È duvidoso que esses argumentos sejam suficientes para nos transformar. Muitos homens afrontaram com intrepidez a morte e a tortura, mas não foi pela razão de ter meditado essas màximas; as raìzes da coragem deles eram menos intelectuais e mais profundas......



Moral dos "ofìcios"


O intelectualismo e a utopia de uma perfeição inatingìvel se encontram, na mesma época, na moral dos estòicos, sob um clima mais seguro, que é todavia severo. Para eles como para seu adversàrio Èpicure, é preciso nos conformar a nossa natureza para ser feliz, sem deturpa-la para nossa infelicidade. Mas essa natureza nos ensina, não o ascetismo do prazer epicuriano, mas as funções que nòs devemos realizar, as de marido, de pai, de cidadão e de cidadão do mundo. Nòs encontraremos nelas a calma; longe das agitações passionais, nossa vida serà um longo rio tranquilo se nòs realizamos todos esses "ofìcios" e sò realizar eles. Tudo o que não é ofìcio ultrapassa a norma natural; é excessivo de se divertir; o sàbio não se diverte, ele se descontrai antes de retomar o curso de seus deveres.
È dessa maneira porque o cosmos estòico não é, como o de Èpicure, uma formação do acaso de qual os deuses se desinteressam. È uma cidade perfeitamente organizada pelo govervo divino ("o deus") ou por seus ministros (" os deuses" , como também era dito : o monoteìsmo não era um verdadeiro problema). Cada homem recebeu dele suas funções, do soberano ao operàrio. A felicidade é de seguir sua pròpria natureza, de fazer aquilo que cada um é destinado a fazer e de respeitar os regulamentos dessa cidade. Como diz galantemente Èpictète, não se deve roubar a esposa de outrem pois, em uma festa bem organizada, as porções de alimento foram distribuìdas e nòs não devemos roubar a do vizinho. Nesse cosmos completamente racionalizado, felicidade e moral se confundem. Nòs ganhamos de sentir que nòs estamos " no senso do cosmos", da mesma maneira que um dia outros vão querer estar " no senso da història".


Da necessidade e do desprendimento



Para se colocar nesse senso, é preciso, como no epicurismo, se despojar dos preconceitos inculcados pela mà educação. È felizmente possìvel acabar com eles, pois nossas sensações e paixões comportam dois momentos: nòs experimentamos a màgoa ou então o prazer, nòs julgamos que essa màgoa é ou não é um mal, que esse prazer é ou não é um bem. Os prazeres do amor são uma sensação, mas em quê eles se reduzem ? Ao contato de duas epidermes, julgava Marc Aurèle. Ora, se não depende de nòs de sermos torturados, depende de nòs de julgar se nosso sofrimento é ou não é uma infelicidade verdadeira.
A célebre distinção entre o que depende de nòs e o que não depende ( Èpictète ) permite a felicidade em todas as circuntâncias: graças ao nosso discernimento sobre o que nos acontece, nòs atravessaremos o oceano do mundo, revestidos com um escafandro.
Disso a anedota, aliàs apòcrifa, de Èpictète sendo torturado e considerando de sangue frio sua perna que o carrasco estava quebrando. Feliz sob a tortura ? Os estòicos estavam tão conscientes da utopia deles que eles sò admitiam que três sàbios, Hercule, Sòcrates e Diogène, alcançaram esse ponto de perfeição. Que importa ? Eles acreditavam, eles sonhavam, e o grande sonho estòico fez parte da metade de um milenàrio de cultura pagã.
Um dos maiores inventores de idéias que a terra teve, santo Augustin, ao mesmo tempo Pai da Igreja e leitor de um pensador pagão genial que também foi um mestre de espiritualidade, Plotin, serà o primeiro a negar a possibilidade humana de se elevar até uma perfeição inatingìvel.Ele colocarà um final no pensamento antigo.



- Paul Veyne - professor honoràrio no Collège de France, especialista da Antiguidade latina e autor de numerosas obras, entre outras, Comment on écrit l'histoire ( Le Seuil, 1970), Les Grecs ont-ils cru à leurs mythes ? ( Le Seuil, 1983) et Sexe et pouvoir à Rome ( Taillandier, 2005 )

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