domingo, 18 de fevereiro de 2007

Carta escrita de Constantinople aos irmãos

"Nossos irmãos, que estão difundidos na terra, e não dissipados,que moram na ilha de Niphon e nas de Cassitériades,que são unidos nos mesmos sentimentos sem tê-los se comunicado, adoradores de um Deus ùnico,piedosos sem superstição,religiosos sem cerimônias, zelosos sem entusiasmo, recebam esse testemunoho de nossa união e de nossa amizade;nòs amamos todos os homens;mas nòs gostamos mais de vocês que de todos os outros, e nòs oferecemos com vocês nossas puras homenagens ao Deus de todos os globos,de todos os tempos e de todos os seres.
Nossos cruéis inimigos, os "brames", os "fakirs", os "bonzes", os "talapoins", os "derviches", os "marabousts",não cessam de elevar contra nòs suas vozes discordantes; divididos entre eles e em suas fàbulas, eles parecem reunidos contra nossa verdade simples e augusta.Esses cegos, que brigam entre si às apalpadelas, são todos animados contra nòs, que andamos serenamente em direção à luz.
Eles não sabem quais são as nossas forças,.Nòs cobrimos toda a terra, os templos não poderiam nos conter, e nosso templo é o universo.Nòs existiamos antes que nenhuma dessas seitas tivessem nascido.Nòs somos ainda como foram nossos primeiros pais saìdos das mãos do Eterno; nòs oferecemos a ele como nossos pais votos simples em inocência e na paz.Nossa verdadeira religião viu nascer e morrer mil cultos fantàsticos, os de "Zoroastre", de "Osiris", de "Lamalxis", de "Orphé", de "Numa", de "Odir", e de tantos outros.Nòs subsistimos sempre os mesmos no meio de sectàrios de "Fo",de "Brama", de "Xaca", de "Vistnou", de "Mahomet". Eles nos chamam de ìmpios, e nòs respondemos a eles adorando Deus com piedade.
Nòs gememos de ver que aqueles que acreditam que Mahomet botou a metade da lua na sua manga estejam sempre secretamente dispostos a empalhar àqueles que pensam que Mahomet sò botou um quarto.
Nòs não temos nenhuma inveja das riquezas das mesquitas, que os imans sempre tremem sò de pensar em perdê-las;ao contràrio,nòs desejamos que todos eles desfrutem de uma vida suave e cômoda, que lhes inspire costumes fàceis e indulgentes.
O mufti sò tem oito mil sequins de salàrio;nòs gostarìamos que ele tivesse mais para sustentar sua dignidade, com a condição que ele não abuse.
Suposto que os Estados do grande lama sejam bem gouvernados, que as artes e o comércio floresçam neles, que a tolerância seja nele bem estabelecida,nòs perdoamos aos povos do Thibet de acreditar que o grande lama sempre tem razão quando ele diz que dois e dois fazem quatro - ( e quando outros dizem que três fazem um) - . Nòs os perdoamos de acreditar que ele é imortal,quando eles o vêm enterrado;mais se ainda existisse na terra um povo inimigo de todos os povos,que pensasse que Deus, o pai comum de todos os homens,lhe tirou por bondade do paìs fértil da India para conduzi-lo nas areias de Rohoda, e para lhe ordenar de exterminar todos os habitantes do paìs vizinho,nòs declaramos essa nação de ladrões a mais abominàvel do globo, e nòs detestamos suas superstições profanas, tanto quanto nòs deploramos os "ignicoles" caçados injustamente de seu paìs por Omar.
Se ainda existisse um povinho que imaginasse que Deus sò fez o sol, a lua, e as estrelas unicamente para ele;que os habitantes dos outros globos sò estiveram ocupados que para lhe fornecer a luz, o pão, o vinho, e o orvalho, e que ele foi criado para colocar o dinheiro a usura,nòs poderìamos permitir a essa tropa de fanàticos imbecis de nos vender de vez em quando "cafetans" e "dolimans"; mas nòs terìamos por ele o desprezo que ele merece.
Se existisse algum outro povo a quem foi dito que o que fora verdadeiro é falso;se ele pensa que a àgua do Gange é absolutamente necessària para estar reunido ao Ser dos seres;se ele se prosterna diante os ossos dos mortos e diante alguns trapos; se seus fakirs estabeleceram um tribunal que condena a expiar nas chamas àqueles que duvidaram um momento de algumas das opiniões dos fakirs; se um tal povo existe,nòs derramamos làgrimas sobre ele.Nòs somos informados que agora vàrias nações adotaram um culto mais razoàvel, que elas dirigem suas homenagens ao Deus suprêmo,sem adorar a jumenta Borak que levou Mahomet ao terceiro céu; que esses povos comem ousadamente porco e "anguilles", sem acreditar que eles ofendem o Criador. Nòs os exortamos a aperfeiçoar cada vez mais a pureza de seu culto.
Nòs sabemos que nossos inimigos gritam, hà séculos que é preciso enganar o povo;mais nòs acreditamos que o povo mais baixo é capaz de conhecer a verdade.Porque os mesmos homens a quem nòs não podemos enganar dizendo que um sequin vale dois, acreditariam que o deus sammonocodam cortou uma floresta inteira brincando com uma arraia ?
Seria tão difìcil de acostumar os "bachas" e os carvoeiros, os sultães e os lenhadores, que são todos igualmente homens, a se contentar de acreditar em um Deus infinito,eterno, justo,misericordioso,recompensando além do mérito, e punindo severamente o vìcio sem coléra e sem tirania ?
Qual seria o homem que a razão possa se revoltar quando lhe recomendamos a adoração do Ser suprêmo, o amor ao pròximo e à justiça ?
Que incentivo terìamos a mais à virtude,quando nos degolaremos para saber se a mãe do deus Fo deu a luz pela orelha ou pelo nariz ?.Seremos dessa maneira um pai melhor,um filho melhor, um cidadão melhor?
As relìquias do urinol do dalai-lama são distribuìdas ao povo do Thibet ; elas são engastadas no marfim;as santas mulheres as usam no pescoço:não poderìamos,com toda força,ser agradàveis a Deus atravéis uma vida pura,sem se enfeitar com esses belos ornamentos,que finalmente são estrangeiros à moral ?
Nòs não pretendemos de maneira alguma ofender os lamas, os bonzes,os talapoints,os derviches,que Deus nos livre;mas nòs pensamos que se nòs fizessemos carvoeiros,tecedores de lã,pedreiros,carpinteiros,eles seriam bem mais ùteis ao genero humano:pois nòs temos uma necessidade contìnua de bons operàrios,e não temos uma necessidade tão grande de ter uma multiplicidade inùmera de lamas e de fakirs.
Orem a Deus por eles e por nòs.
Feito a Constantinople, no 10 da lua de sheval,ano de l'Hégire 1215 (sheval é o nome do décimo mês do ano mahometano.O ano 1215 de l'Hégire começou dia 25 de maio de 1800.Voltaire não ignorava a concordância dos dois calendàrios,pois ele a escreveu no seu livro da Història de Charles XII".
- Voltaire - Textos sur l'Orient - 1. L'Empire Ottoman e le Monde Arabe

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