Compreender.
Conceitos da natureza e da ciência, questões do ser e da verdade, meditação sobre a linguagem, invenção da lógica, problemas do bem e da justiça: O pensamento antigo, que apareceu na Grécia 500 anos antes de J.C., formulou as grandes questões filosóficas que nos agitam ainda hoje.
A lição dos sábios antigos
O matemático e filósofo Alfred North Whitehead escreveu um dia que a filosofia ocidental é apenas uma série de notas embaixo das páginas de Platão. È exagerado. Mas, se nós incluírmos o nome de Aristóteles, isso seria mais verdadeiro. E se nós disséssemos que a filosofia moderna é uma vasta nota embaixo das páginas da filosofia antiga, nós roçaríamos a verdade.
Vamos começar por um fato bem simples: a filosofia antiga começou mais ou menos 500 anos antes de J.C. Ela cessou de ser pagã 500 anos depois. Isso já faz mil anos de história.
Além disso, dois filósofos gregos do século IV antes de nossa era, Platão e Aristóteles dominaram a cena até mais ou menos 1500. Suas obras e comentários sobre elas foram traduzidos em latim, em árabe, em hebreu. Na Idade Média, todos aqueles que filosofavam em grego (Byzance), em latim (Europa), em árabe (Islam), ou em hebreu (os judeus), os consideravam como autoridades. A filosofia antiga não é um simples prelúdio um pouco exótico e rapidamente esquecido: Se nós a consideramos com seus prolongamentos, ela representa os quatro "cinquièmes" de toda a história da filosofia.
È justamente porque ela durou tanto tempo, que ela nos impregnou tão profundamente, que nos é difícil de compreender o que ela nos legou, e que nós ainda vivemos.Vamos tentar dizê-lo em algumas palavras. "Olhar": Os Gregos nos ensinaram a atitude teórica. Quer dizer o quê? Ver, unicamente ver. Nada mais natural. Isso exige ao contrário um adestramento contínuo: Vamos lembrar do que as pessoas nos diziam quando éramos crianças: "Toque com os olhos!" Isso queria dizer: olhe, mas sem intervir sobre o que se passa. Nós sentíamos que isso não era de maneira alguma natural, e nos exasperávamos. Théôrein, isso quer dizer em grego ser ao espetáculo, ser ao teatro. Essa palavra vem, aliás, da mesma raiz: o teatro é o lugar onde nós olhamos simplesmente sem intervir, e nós rimos do "naïf" (ingênuo) que adverte o gentil quando o traidor chega. Mais exatamente ainda, théôrein queria dizer: se deslocar para ir ver alguma coisa, ir em delegação, por exemplo aos Jogos Olímpicos. Para ver desse olhar teórico, é preciso se desorientar, deixar seus hábitos.
Os povos antes da Grécia sentiam-se integrados ao mundo; assim, os Egípcios acreditavam que a boa ordem do movimento do sol dependia da intervenção deles, por exemplo, da maneira escrupulosa em que eles cumpriam os rituais ou, simplesmente, da solidariedade deles na cidade dos homens. Os Gregos compreenderam que o mundo não depende de nós, que ele faz o que ele faz sem a gente.Para nomear o que está presente antes da gente, e que não precisa da gente, eles forjaram a palavra "natureza", em grego phusis, que nós fizemos "física". Dessa natureza, os Gregos decidiram de fazer um catálogo. Para eles, a filosofia englobava também o que nós chamamos "ciência". Eles procederam com a passagem dos séculos a um vasto inventário do que existe: dos deuses (Hésiode), dos animais (Aristóteles), das plantas (Théophraste), das estrelas (Ptolêmée).
Com Heródoto, eles pesquisaram (em grego, historia) em direção do passado deles. Eles fizeram o mesmo com outros países. Eles queriam ver, por eles mesmos, sem aceitar com confiança o que os outros diziam.
A natureza e o ser
"Questionar": diante uma coisa que nós renunciamos a apreender e a manipular, uma questão se apresenta: "O que é isso?". Questão um pouco bizarra. Só a fazemos, de hábito, quando nós não sabemos para o que serve uma coisa, e para poder utilizá-la. Os Gregos continuaram a fazer essa pergunta igualmente uma vez que as coisas tornaram-se simples objetos para olhar.
Ela tem então um outro sentido: "O que é isso, verdadeiramente? "O que é isso, profundamente?" O que quer dizer que as coisas talvez não sejam o que elas tem a aparência de ser. As aparências podem nos enganar. É preciso ir além.
Nós somos todos gregos na medida em que nós situamos a verdade em um outro domínio que o das aparências sensíveis. Assim, a física moderna, que nos diz que as coisas são feitas de partículas invisíveis, herdou a sua maneira desse jeito de ver. Se "tudo o que é, é", e se tudo o que não é necessariamente o que ele tem a aparência de ser, será que todas as coisas que parecem tão diferentes sejam no fundo uma única e mesma realidade?
O primeiro daqueles que nós chamamos filósofos, Thalès, propôs essa hipótese: em última analise, tudo é água. O que não é uma besteira, nós vemos a água se transformar em gelo e se evaporar; todos os sólidos e todos os gases não teriam sua origem de um mesmo líquido elementar?
Após ele, os filósofos gregos propuseram outras hipóteses: outros elementos, eventualmente no fundo de uma mesma matéria, dita "primeira" ou ainda como Démocrite, partículas indivisíveis, que nós guardamos o nome: os átomos. Mas em cada caso, o importante é a idéia de uma unidade de tudo o que é. Essa unidade não pode ser constatada pela observação, mas corresponde a uma exigência da razão.
"Falar", entre tudo o que o homem "faz", uma atividade tem isso de particular que ela não "faz" nada propriamente falando. Ela é tão teórica quanto o olhar. É a linguagem. Falar das coisas não as modifica, da mesma maneira que olha-las não as modificava. Mas a linguagem se distingue também do olhar: quando eu olho, eu não faço nada; quando eu falo, eu "faço" alguma coisa, eu produzo algo novo. E o que eu faço, é justamente fazer ver. Eu digo: "Uma flor", e todo mundo se representa alguma coisa. Falando, eu dou dos objetos uma sorte de olhar que não é dos olhos. A segunda descoberta da filosofia grega é a linguagem.
Linguagem e lógica
Claro, nós não esperamos os Gregos para falar e para escrever. Mas são eles que perceberam tudo o que implicava o fato de falar e de escrever.
Eles compreenderam que nós não podemos falar de qualquer maneira. Existem condições que permitem a linguagem de fazer ver coisas consistentes, que não se dissolvem se nós as fixamos intensamente.
Se eu digo: "O maior de todos os homens", eu faço ver alguma coisa que existe, pois,mesmo se eu nunca o encontrei, existe realmente um homem que é maior que todos os outros. Mas se eu digo: "O maior de todos os números", eu formo uma expressão que não existe: assim que eu acreditar ter encontrado esse número, eu poderei sempre lhe acrescentar uma unidade.
Um "compte-rendu", um relatório que nós fazemos sobre alguma coisa, isso se chama em grego um logos. A disciplina que impede de dizer as coisas de qualquer maneira ou de se contradizer, os Gregos a chamavam a lógica. Aristóteles foi o primeiro a dar a lógica uma apresentação sistemática.
Mas todos os filósofos gregos antes dele refletiram sobre o que implicava a linguagem. Heráclito parte de um fato fundamental: o que nós dizemos contem bem mais coisas do que nós temos consciência. Seu contemporâneo, Parmênides, propõe um critério: para saber se alguma coisa é verdadeiramente, devemos nos perguntar se nós podemos dizê-la; é preciso "distinguir através da linguagem" (Krinai[...]logô). O Sócrates, que Platão bota em cena constata que nós falamos daquilo que não se vê. A mesma ação pode ser justa ou injusta: pegar o dinheiro de alguém, pode ser roubar, mais pode ser também recuperar o que ele roubou. A justiça então não é jamais na ação ela mesma, mas unicamente no que nós dizemos dela.
E quando nós dizemos que uma ação é bela, piedosa, corajosa, nós não vemos nada mais nessa ação do que nós dizemos. O que se torna visível do único fato que nós falamos, Platão chama o "rosto" das coisas, em grego eidos, que nós fizemos as "idéias".
"Contar": quando nós olhamos as coisas, nós podemos contá-las. Mas o número delas não depende do que nós vemos: cinco maçãs são também "cinco" como cinco cavalos, a conta (isso também se diz logos) é exata. Da mesma maneira, as tumbas dos pharaos tem a mesma forma que o bolo d'orge dos doceiros gregos, essa, justamente, de uma pirâmide.
Nós compreendemos os números e as figuras antes mesmo de ter visto do que eles são os números e as figuras.
Em grego, a atividade de apreender e de compreender se diz "manthanein", e seu objeto chama-se "mathèma". As matemáticas têm seu nome nele. Os Gregos praticaram e sistematizaram com Euclides. Os filósofos também as utilizaram como prova da capacidade que nós temos de nos ocupar das coisas invisíveis. Os números serviram a Platão como modelo para aprender como funcionam as "idéias". Seus discípulos, como Plotin, levaram a meditação sobre os números e sobre o mais misterioso de todos, Um, até fazer todo um sistema de metafísica.
A ética e a questão do bem
"Exceler": uma vez que nós compreendemos que o que existe constitui uma "natureza" e não depende do que nós fazemos, nós compreendemos que o que nós fazemos não depende do que existe. A escolha de uma atitude teórica provoca uma liberação da ação humana com relação a "natureza". Em conseqüência, a ação não pode mais lhe emprestar suas regras. É preciso doravante, as procurar nelas mesmas.
Uma boa ação não será nada mais do que uma ação bem feita. O que lhe permite de ser bem feita, os Gregos a chamaram "aretè", a "excelência". Ela designa a qualidade do que faz bem o que nós esperamos: o cavalo que corre rápido, a faca que corta bem. O homem também tem uma excelência, e ele a alcança quando ele cumpre bem sua obra de homem. Nós podemos se quisermos chamá-la de "virtude", mas a condição de compreender antes de tudo o "virtuosismo".
As três disciplinas gregas
Os filósofos gregos então procuraram a maneira mais excelente de viver. Não é suficiente de agir bem, pois nós podemos fazê-lo por acaso, por interesse ou por astúcia. As belas ações devem vir do interior mesmo de nosso caráter. Os Gregos o chamavam "ethos". Eles chamaram então a disciplina que responde a questão da melhor maneira de viver a "ética". Aristóteles descreveu e definiu as virtudes. Os filósofos que o seguiram propuseram todos, fórmulas de uma vida boa e a situaram na felicidade, no prazer, ou na sabedoria.
Assim, nós herdamos dos problemas que os Gregos nos deixaram, na física, na lógica, na ética, três disciplinas de nome grego. Nossas soluções não são necessariamente as deles. Mas as dos Gregos merecem talvez nossa admiração, sem duvida nosso respeito, pelo menos um estudo sério.
- Rémi Brague, professor de filosofia árabe e medieval em Paris - I, e de filosofia das religiões na universidade de Munich. Entre suas últimas publicações, "A sabedoria do mundo", "Introdução ao mundo grego", e "A lei de Deus".
Conceitos da natureza e da ciência, questões do ser e da verdade, meditação sobre a linguagem, invenção da lógica, problemas do bem e da justiça: O pensamento antigo, que apareceu na Grécia 500 anos antes de J.C., formulou as grandes questões filosóficas que nos agitam ainda hoje.
A lição dos sábios antigos
O matemático e filósofo Alfred North Whitehead escreveu um dia que a filosofia ocidental é apenas uma série de notas embaixo das páginas de Platão. È exagerado. Mas, se nós incluírmos o nome de Aristóteles, isso seria mais verdadeiro. E se nós disséssemos que a filosofia moderna é uma vasta nota embaixo das páginas da filosofia antiga, nós roçaríamos a verdade.
Vamos começar por um fato bem simples: a filosofia antiga começou mais ou menos 500 anos antes de J.C. Ela cessou de ser pagã 500 anos depois. Isso já faz mil anos de história.
Além disso, dois filósofos gregos do século IV antes de nossa era, Platão e Aristóteles dominaram a cena até mais ou menos 1500. Suas obras e comentários sobre elas foram traduzidos em latim, em árabe, em hebreu. Na Idade Média, todos aqueles que filosofavam em grego (Byzance), em latim (Europa), em árabe (Islam), ou em hebreu (os judeus), os consideravam como autoridades. A filosofia antiga não é um simples prelúdio um pouco exótico e rapidamente esquecido: Se nós a consideramos com seus prolongamentos, ela representa os quatro "cinquièmes" de toda a história da filosofia.
È justamente porque ela durou tanto tempo, que ela nos impregnou tão profundamente, que nos é difícil de compreender o que ela nos legou, e que nós ainda vivemos.Vamos tentar dizê-lo em algumas palavras. "Olhar": Os Gregos nos ensinaram a atitude teórica. Quer dizer o quê? Ver, unicamente ver. Nada mais natural. Isso exige ao contrário um adestramento contínuo: Vamos lembrar do que as pessoas nos diziam quando éramos crianças: "Toque com os olhos!" Isso queria dizer: olhe, mas sem intervir sobre o que se passa. Nós sentíamos que isso não era de maneira alguma natural, e nos exasperávamos. Théôrein, isso quer dizer em grego ser ao espetáculo, ser ao teatro. Essa palavra vem, aliás, da mesma raiz: o teatro é o lugar onde nós olhamos simplesmente sem intervir, e nós rimos do "naïf" (ingênuo) que adverte o gentil quando o traidor chega. Mais exatamente ainda, théôrein queria dizer: se deslocar para ir ver alguma coisa, ir em delegação, por exemplo aos Jogos Olímpicos. Para ver desse olhar teórico, é preciso se desorientar, deixar seus hábitos.
Os povos antes da Grécia sentiam-se integrados ao mundo; assim, os Egípcios acreditavam que a boa ordem do movimento do sol dependia da intervenção deles, por exemplo, da maneira escrupulosa em que eles cumpriam os rituais ou, simplesmente, da solidariedade deles na cidade dos homens. Os Gregos compreenderam que o mundo não depende de nós, que ele faz o que ele faz sem a gente.Para nomear o que está presente antes da gente, e que não precisa da gente, eles forjaram a palavra "natureza", em grego phusis, que nós fizemos "física". Dessa natureza, os Gregos decidiram de fazer um catálogo. Para eles, a filosofia englobava também o que nós chamamos "ciência". Eles procederam com a passagem dos séculos a um vasto inventário do que existe: dos deuses (Hésiode), dos animais (Aristóteles), das plantas (Théophraste), das estrelas (Ptolêmée).
Com Heródoto, eles pesquisaram (em grego, historia) em direção do passado deles. Eles fizeram o mesmo com outros países. Eles queriam ver, por eles mesmos, sem aceitar com confiança o que os outros diziam.
A natureza e o ser
"Questionar": diante uma coisa que nós renunciamos a apreender e a manipular, uma questão se apresenta: "O que é isso?". Questão um pouco bizarra. Só a fazemos, de hábito, quando nós não sabemos para o que serve uma coisa, e para poder utilizá-la. Os Gregos continuaram a fazer essa pergunta igualmente uma vez que as coisas tornaram-se simples objetos para olhar.
Ela tem então um outro sentido: "O que é isso, verdadeiramente? "O que é isso, profundamente?" O que quer dizer que as coisas talvez não sejam o que elas tem a aparência de ser. As aparências podem nos enganar. É preciso ir além.
Nós somos todos gregos na medida em que nós situamos a verdade em um outro domínio que o das aparências sensíveis. Assim, a física moderna, que nos diz que as coisas são feitas de partículas invisíveis, herdou a sua maneira desse jeito de ver. Se "tudo o que é, é", e se tudo o que não é necessariamente o que ele tem a aparência de ser, será que todas as coisas que parecem tão diferentes sejam no fundo uma única e mesma realidade?
O primeiro daqueles que nós chamamos filósofos, Thalès, propôs essa hipótese: em última analise, tudo é água. O que não é uma besteira, nós vemos a água se transformar em gelo e se evaporar; todos os sólidos e todos os gases não teriam sua origem de um mesmo líquido elementar?
Após ele, os filósofos gregos propuseram outras hipóteses: outros elementos, eventualmente no fundo de uma mesma matéria, dita "primeira" ou ainda como Démocrite, partículas indivisíveis, que nós guardamos o nome: os átomos. Mas em cada caso, o importante é a idéia de uma unidade de tudo o que é. Essa unidade não pode ser constatada pela observação, mas corresponde a uma exigência da razão.
"Falar", entre tudo o que o homem "faz", uma atividade tem isso de particular que ela não "faz" nada propriamente falando. Ela é tão teórica quanto o olhar. É a linguagem. Falar das coisas não as modifica, da mesma maneira que olha-las não as modificava. Mas a linguagem se distingue também do olhar: quando eu olho, eu não faço nada; quando eu falo, eu "faço" alguma coisa, eu produzo algo novo. E o que eu faço, é justamente fazer ver. Eu digo: "Uma flor", e todo mundo se representa alguma coisa. Falando, eu dou dos objetos uma sorte de olhar que não é dos olhos. A segunda descoberta da filosofia grega é a linguagem.
Linguagem e lógica
Claro, nós não esperamos os Gregos para falar e para escrever. Mas são eles que perceberam tudo o que implicava o fato de falar e de escrever.
Eles compreenderam que nós não podemos falar de qualquer maneira. Existem condições que permitem a linguagem de fazer ver coisas consistentes, que não se dissolvem se nós as fixamos intensamente.
Se eu digo: "O maior de todos os homens", eu faço ver alguma coisa que existe, pois,mesmo se eu nunca o encontrei, existe realmente um homem que é maior que todos os outros. Mas se eu digo: "O maior de todos os números", eu formo uma expressão que não existe: assim que eu acreditar ter encontrado esse número, eu poderei sempre lhe acrescentar uma unidade.
Um "compte-rendu", um relatório que nós fazemos sobre alguma coisa, isso se chama em grego um logos. A disciplina que impede de dizer as coisas de qualquer maneira ou de se contradizer, os Gregos a chamavam a lógica. Aristóteles foi o primeiro a dar a lógica uma apresentação sistemática.
Mas todos os filósofos gregos antes dele refletiram sobre o que implicava a linguagem. Heráclito parte de um fato fundamental: o que nós dizemos contem bem mais coisas do que nós temos consciência. Seu contemporâneo, Parmênides, propõe um critério: para saber se alguma coisa é verdadeiramente, devemos nos perguntar se nós podemos dizê-la; é preciso "distinguir através da linguagem" (Krinai[...]logô). O Sócrates, que Platão bota em cena constata que nós falamos daquilo que não se vê. A mesma ação pode ser justa ou injusta: pegar o dinheiro de alguém, pode ser roubar, mais pode ser também recuperar o que ele roubou. A justiça então não é jamais na ação ela mesma, mas unicamente no que nós dizemos dela.
E quando nós dizemos que uma ação é bela, piedosa, corajosa, nós não vemos nada mais nessa ação do que nós dizemos. O que se torna visível do único fato que nós falamos, Platão chama o "rosto" das coisas, em grego eidos, que nós fizemos as "idéias".
"Contar": quando nós olhamos as coisas, nós podemos contá-las. Mas o número delas não depende do que nós vemos: cinco maçãs são também "cinco" como cinco cavalos, a conta (isso também se diz logos) é exata. Da mesma maneira, as tumbas dos pharaos tem a mesma forma que o bolo d'orge dos doceiros gregos, essa, justamente, de uma pirâmide.
Nós compreendemos os números e as figuras antes mesmo de ter visto do que eles são os números e as figuras.
Em grego, a atividade de apreender e de compreender se diz "manthanein", e seu objeto chama-se "mathèma". As matemáticas têm seu nome nele. Os Gregos praticaram e sistematizaram com Euclides. Os filósofos também as utilizaram como prova da capacidade que nós temos de nos ocupar das coisas invisíveis. Os números serviram a Platão como modelo para aprender como funcionam as "idéias". Seus discípulos, como Plotin, levaram a meditação sobre os números e sobre o mais misterioso de todos, Um, até fazer todo um sistema de metafísica.
A ética e a questão do bem
"Exceler": uma vez que nós compreendemos que o que existe constitui uma "natureza" e não depende do que nós fazemos, nós compreendemos que o que nós fazemos não depende do que existe. A escolha de uma atitude teórica provoca uma liberação da ação humana com relação a "natureza". Em conseqüência, a ação não pode mais lhe emprestar suas regras. É preciso doravante, as procurar nelas mesmas.
Uma boa ação não será nada mais do que uma ação bem feita. O que lhe permite de ser bem feita, os Gregos a chamaram "aretè", a "excelência". Ela designa a qualidade do que faz bem o que nós esperamos: o cavalo que corre rápido, a faca que corta bem. O homem também tem uma excelência, e ele a alcança quando ele cumpre bem sua obra de homem. Nós podemos se quisermos chamá-la de "virtude", mas a condição de compreender antes de tudo o "virtuosismo".
As três disciplinas gregas
Os filósofos gregos então procuraram a maneira mais excelente de viver. Não é suficiente de agir bem, pois nós podemos fazê-lo por acaso, por interesse ou por astúcia. As belas ações devem vir do interior mesmo de nosso caráter. Os Gregos o chamavam "ethos". Eles chamaram então a disciplina que responde a questão da melhor maneira de viver a "ética". Aristóteles descreveu e definiu as virtudes. Os filósofos que o seguiram propuseram todos, fórmulas de uma vida boa e a situaram na felicidade, no prazer, ou na sabedoria.
Assim, nós herdamos dos problemas que os Gregos nos deixaram, na física, na lógica, na ética, três disciplinas de nome grego. Nossas soluções não são necessariamente as deles. Mas as dos Gregos merecem talvez nossa admiração, sem duvida nosso respeito, pelo menos um estudo sério.
- Rémi Brague, professor de filosofia árabe e medieval em Paris - I, e de filosofia das religiões na universidade de Munich. Entre suas últimas publicações, "A sabedoria do mundo", "Introdução ao mundo grego", e "A lei de Deus".
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