"No século XIX, o liberalismo se diversifica subindo ao poder. Na França, Guizot favorece um Estado forte e centralizado em nome do interesse geral. Defensores dos direitos individuais, os liberais ingleses e americanos se apóiam, no entanto, no Parlamento e na Constituição"
O liberalismo a prova do poder
Convém distinguir a tradição filosófica do liberalismo e as idéias liberais presentes no combate político entre 1800 e os anos 1880; pois as lógicas de pensamento, os riscos e as respostas não são idênticas.
O liberalismo na filosofia pensou a autonomia do indivíduo e, nisso, ele é portador de toda a modernidade, a partir de Montaigne, de Bayle e de Locke.
Na política, a tendência majoritária do liberalismo francês, que Guizot é o fundador, tentou disciplinar e frear a independência do julgamento individual, no qual ele temia os fermentos da "anarquia".
A filosofia de Montesquieu visa a preservar os direitos da propriedade privada face a potência pública ( Do espírito das leis, VI, 5 e XXVI, 15), e os "doctrinaires" no poder (grupo de Guizot) temem os "interesses particulares" e protegem as prerrogativas do "Conseil d'Ètat" criadas por Napoleão primeiro; trata-se do "contentieux" administrativo, em relação aos conflitos entre o indivíduo, ou o cidadão, e a administração. É um cavalo de batalha do liberalismo defensor do indivíduo - Constant, Tocqueville - contra o liberalismo de Guizot, protetor da preeminência “etàtica”, em nome do interesse geral. Curioso "governo da burguesia" na monarquia de Julho (1830 - 1848) que restringe a independência individual (prensa, associação, ensino, direitos, face a administração) e privilegia, para o recrutamento parlamentar, os funcionários, os juízes, os militares, os professores da universidade - em vez dos financistas, os empresários e o mundo do câmbio-livre.
A aliança dos notáveis e da administração engendra um "liberalismo pelo Estado" e não contra o Estado, que é a marca francesa do liberalismo post-revolucionário (com equivalentes na Itália e na Alemanha). Essa primeira tendência ganhou com sucesso para o que foi criado por Mme. de Staël e Benjamin Constant, liberalismo do indivíduo e do sujeito crítico (quer dizer julgando as leis e o poder), em aliança também com um constitucionalismo que não recusa o Estado mas o limita: o estado deve ser poderoso na sua esfera, diz Constant, mas limitado a essa esfera.
O Orleanismo triunfante
O liberalismo pelo estado, do tipo Orleanista, ganhou também para o "catolicismo liberal" - representado por Lamenais, Lacordaire e Montalembert, terceira tendência, muito revelador das tensões francesas.
O catolicismo liberal é a favor das liberdades de 1789 (reunião, prensa, ensino, etc.) e ele reclama outras (direito de associação, não reconhecido em 1789, descentralização), mas é a fim de servir, em última analise, o "poder espiritual" do papa e os "direitos da Verdade". Pois até Vatican II (1962 - 1965) "só a verdade tem direitos", e o erro não tem nenhum direito na doutrina da Igreja.
Está claro que o liberalismo francês, marcado pela importância acordada ao Estado desde a monarquia absoluta, é muito diferente do liberalismo de Will.
Este pode dialogar com Tocqueville, segundo laços de amizade importantes a uma certa época, mas encontra-se afastado de um Guizot ou ainda de um Montalembert (que tem seu equivalente na Inglaterra, um católico liberal, na pessoa de Lord Acton).
È revelador que a escola "écossaise" do "Common sense", que surgiu no século XVIII, receba mais queixas do que homenagens do filósofo Cousin, quando ela se caracteriza por um liberalismo do tipo empirista muito atento a economia do mercado e que ela desenvolve uma teoria da "simpatia", com a preocupação de uma moral fundada na importância do elo social.
Cousin, crítico de Hume e de Smith, e apoio do orleanismo na política, vai dominar a vida universitária francesa durante mais de cinqüenta anos, primeiro graças as suas funções de professor, de ministro da instrução pública e de presidente do juri da agregação de filosofia, em seguida por suas obras e através seus discípulos.
No século XX, o filósofo Bergson testemunha ainda dos ecos do cousanismo, doutrina "eclética" e espiritualista.
Na prática, o liberalismo político britânico soube mostrar uma grande capacidade de adaptação.
O partido "whig" pega a apelação de liberal em 1845, reencontrando um termo que apareceu na Espanha (Constituição de Cadix, 1812), que viajou na Inglaterra e desenvolveu-se particularmente na França.
É característico que Mme. de Staël fale no "De l'Allemangne" da "liberdade de julgamento" para caracterizar a independência de espírito a qual ela aspira, e antes de tudo contra o "despotismo" de Napoleão, que proíbe o livro em 1810; ela então utiliza um termo que veio da Inglaterra, a palavra liberality.
O liberalismo parlamentar britânico soube se reformar, integrar progressivamente no voto as "couches populaires" através várias leis judiciosas: o filósofo alemão Hegel consagra "toda uma escrita" ao célebre "Reform Bill " de 1838.
L'exception française
Assim, o "divorcio entre o liberalismo e a democracia" constantemente sublinhado atualmente por seus adversários, não tem nada de estrutural na realidade. Ele responde as condições sociológicas nas quais aparece na França, após Napoleão, uma força política liberal (a esquerda do "échiquier" político na Restauração).
O teste, mas também o fracasso, foi em 1830 a monarquia "tricolore" de Julho, nascida das barricadas contra o "coup" de força de Charles X ao encontro da imprensa e das eleições.
Tornando-se estranhamente surdo à sociedade, o brilhante historiador e teórico do político que foi Guizot, uma vez no poder, reforçou o antigo duc d'Orléans, que se tornou o rei Louis-Philippe em seus preconceitos e suas imprudências.
O improvável monarca republicano
As liberdades, o parlamentarismo, a educação primária e o desenvolvimento de uma política cultural foram as realizações do liberalismo orleanista. Mas, sob o impacto de insurreições incessantes, ele restringiu as liberdades, ele manteve o "poder pessoal" do rei - segundo a expressão da época que Guizot reivindicava.
Caindo em 1848 sob a pressão revolucionária, quando ele tinha nascido ele mesmo da revolução de 1830, o liberalismo orleanista vai doravante ter uma imagem desvalorizada, que ele ainda paga através certos leaders políticos importantes do século XX, como Valéry Giscard d'Estaing.
É preciso notar que o "monarca republicano", síntese difícil mas insistente, paira sobre nós após os debates de setembro 1789, em que Mirabeau Fils defendia essa visão: a união das liberdades e do poder forte é a maneira da qual os Franceses receberam a mensagem liberal, o que torna-se evidentemente problemático no momento da mundialização e da Europa.
Na França, contrariamente á Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos, a questão essencial que o liberalismo tinha que resolver na política e na economia pode enunciar-se assim: o que é preciso fazer das instituições legadas por Napoleão?
A resposta do orleanismo foi que em vez de abolir as instituições, era preciso "liberá-las", e guardar o caráter central do Estado.
Os liberais ingleses geraram a situação deles através do parlamentarismo e do pragmatismo de uma aristocracia aberta as classes médias, os americanos estabeleceram a supremacia da Constituição e o controle do juiz como poder político.
- Lucien James - diretor de pesquisas no CNRS, professor no Instituto de estudos políticos de Paris, autor, entre outros, de "L'individu effacé" ou o "Paradoxe du liberalisme français" ( Fayard,1997) e de "La Liberté et la loi" ( Fayard,2000) - France -
O liberalismo a prova do poder
Convém distinguir a tradição filosófica do liberalismo e as idéias liberais presentes no combate político entre 1800 e os anos 1880; pois as lógicas de pensamento, os riscos e as respostas não são idênticas.
O liberalismo na filosofia pensou a autonomia do indivíduo e, nisso, ele é portador de toda a modernidade, a partir de Montaigne, de Bayle e de Locke.
Na política, a tendência majoritária do liberalismo francês, que Guizot é o fundador, tentou disciplinar e frear a independência do julgamento individual, no qual ele temia os fermentos da "anarquia".
A filosofia de Montesquieu visa a preservar os direitos da propriedade privada face a potência pública ( Do espírito das leis, VI, 5 e XXVI, 15), e os "doctrinaires" no poder (grupo de Guizot) temem os "interesses particulares" e protegem as prerrogativas do "Conseil d'Ètat" criadas por Napoleão primeiro; trata-se do "contentieux" administrativo, em relação aos conflitos entre o indivíduo, ou o cidadão, e a administração. É um cavalo de batalha do liberalismo defensor do indivíduo - Constant, Tocqueville - contra o liberalismo de Guizot, protetor da preeminência “etàtica”, em nome do interesse geral. Curioso "governo da burguesia" na monarquia de Julho (1830 - 1848) que restringe a independência individual (prensa, associação, ensino, direitos, face a administração) e privilegia, para o recrutamento parlamentar, os funcionários, os juízes, os militares, os professores da universidade - em vez dos financistas, os empresários e o mundo do câmbio-livre.
A aliança dos notáveis e da administração engendra um "liberalismo pelo Estado" e não contra o Estado, que é a marca francesa do liberalismo post-revolucionário (com equivalentes na Itália e na Alemanha). Essa primeira tendência ganhou com sucesso para o que foi criado por Mme. de Staël e Benjamin Constant, liberalismo do indivíduo e do sujeito crítico (quer dizer julgando as leis e o poder), em aliança também com um constitucionalismo que não recusa o Estado mas o limita: o estado deve ser poderoso na sua esfera, diz Constant, mas limitado a essa esfera.
O Orleanismo triunfante
O liberalismo pelo estado, do tipo Orleanista, ganhou também para o "catolicismo liberal" - representado por Lamenais, Lacordaire e Montalembert, terceira tendência, muito revelador das tensões francesas.
O catolicismo liberal é a favor das liberdades de 1789 (reunião, prensa, ensino, etc.) e ele reclama outras (direito de associação, não reconhecido em 1789, descentralização), mas é a fim de servir, em última analise, o "poder espiritual" do papa e os "direitos da Verdade". Pois até Vatican II (1962 - 1965) "só a verdade tem direitos", e o erro não tem nenhum direito na doutrina da Igreja.
Está claro que o liberalismo francês, marcado pela importância acordada ao Estado desde a monarquia absoluta, é muito diferente do liberalismo de Will.
Este pode dialogar com Tocqueville, segundo laços de amizade importantes a uma certa época, mas encontra-se afastado de um Guizot ou ainda de um Montalembert (que tem seu equivalente na Inglaterra, um católico liberal, na pessoa de Lord Acton).
È revelador que a escola "écossaise" do "Common sense", que surgiu no século XVIII, receba mais queixas do que homenagens do filósofo Cousin, quando ela se caracteriza por um liberalismo do tipo empirista muito atento a economia do mercado e que ela desenvolve uma teoria da "simpatia", com a preocupação de uma moral fundada na importância do elo social.
Cousin, crítico de Hume e de Smith, e apoio do orleanismo na política, vai dominar a vida universitária francesa durante mais de cinqüenta anos, primeiro graças as suas funções de professor, de ministro da instrução pública e de presidente do juri da agregação de filosofia, em seguida por suas obras e através seus discípulos.
No século XX, o filósofo Bergson testemunha ainda dos ecos do cousanismo, doutrina "eclética" e espiritualista.
Na prática, o liberalismo político britânico soube mostrar uma grande capacidade de adaptação.
O partido "whig" pega a apelação de liberal em 1845, reencontrando um termo que apareceu na Espanha (Constituição de Cadix, 1812), que viajou na Inglaterra e desenvolveu-se particularmente na França.
É característico que Mme. de Staël fale no "De l'Allemangne" da "liberdade de julgamento" para caracterizar a independência de espírito a qual ela aspira, e antes de tudo contra o "despotismo" de Napoleão, que proíbe o livro em 1810; ela então utiliza um termo que veio da Inglaterra, a palavra liberality.
O liberalismo parlamentar britânico soube se reformar, integrar progressivamente no voto as "couches populaires" através várias leis judiciosas: o filósofo alemão Hegel consagra "toda uma escrita" ao célebre "Reform Bill " de 1838.
L'exception française
Assim, o "divorcio entre o liberalismo e a democracia" constantemente sublinhado atualmente por seus adversários, não tem nada de estrutural na realidade. Ele responde as condições sociológicas nas quais aparece na França, após Napoleão, uma força política liberal (a esquerda do "échiquier" político na Restauração).
O teste, mas também o fracasso, foi em 1830 a monarquia "tricolore" de Julho, nascida das barricadas contra o "coup" de força de Charles X ao encontro da imprensa e das eleições.
Tornando-se estranhamente surdo à sociedade, o brilhante historiador e teórico do político que foi Guizot, uma vez no poder, reforçou o antigo duc d'Orléans, que se tornou o rei Louis-Philippe em seus preconceitos e suas imprudências.
O improvável monarca republicano
As liberdades, o parlamentarismo, a educação primária e o desenvolvimento de uma política cultural foram as realizações do liberalismo orleanista. Mas, sob o impacto de insurreições incessantes, ele restringiu as liberdades, ele manteve o "poder pessoal" do rei - segundo a expressão da época que Guizot reivindicava.
Caindo em 1848 sob a pressão revolucionária, quando ele tinha nascido ele mesmo da revolução de 1830, o liberalismo orleanista vai doravante ter uma imagem desvalorizada, que ele ainda paga através certos leaders políticos importantes do século XX, como Valéry Giscard d'Estaing.
É preciso notar que o "monarca republicano", síntese difícil mas insistente, paira sobre nós após os debates de setembro 1789, em que Mirabeau Fils defendia essa visão: a união das liberdades e do poder forte é a maneira da qual os Franceses receberam a mensagem liberal, o que torna-se evidentemente problemático no momento da mundialização e da Europa.
Na França, contrariamente á Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos, a questão essencial que o liberalismo tinha que resolver na política e na economia pode enunciar-se assim: o que é preciso fazer das instituições legadas por Napoleão?
A resposta do orleanismo foi que em vez de abolir as instituições, era preciso "liberá-las", e guardar o caráter central do Estado.
Os liberais ingleses geraram a situação deles através do parlamentarismo e do pragmatismo de uma aristocracia aberta as classes médias, os americanos estabeleceram a supremacia da Constituição e o controle do juiz como poder político.
- Lucien James - diretor de pesquisas no CNRS, professor no Instituto de estudos políticos de Paris, autor, entre outros, de "L'individu effacé" ou o "Paradoxe du liberalisme français" ( Fayard,1997) e de "La Liberté et la loi" ( Fayard,2000) - France -
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