Compreender
Muitas vezes nós opomos Platão o idealista a Aristóteles o realista. Na realidade, Aristóteles, aluno de Platão, realizou sua filosofia da mesma maneira que ele a combateu. E todos dois realizaram-se no mesmo pensamento, o de Sócrates, filósofo e mártir que temia a injustiça bem mais do que a morte.
A herança filosófica da Grécia é a filosofia ela mesma. A fórmula é particularmente verdadeira para Platão e Aristóteles que formularam as principais questões da filosofia. Esses dois filósofos formaram uma atitude feita de reflexão e de crítica, que se encontra em todos os pensamentos ulteriores, e uma ambição de conhecimento que a filosofia nunca mais se desfez, que ela implique no ser, na verdade ou nas ações humanas. Com eles, as investigações filosóficas se distinguem para sempre das mitologias e da sabedoria tradicional. Platão e Aristóteles formularam os objetivos do raciocínio filosófico e eles formaram seu estilo característico.
Estilo e disciplinas
Ao princípio dessa posteridade sem interrupção, Platão ocupa o lugar de honra. Sua obra reúne com efeito a maior parte dos domínios que constituem ainda hoje a disciplina filosófica. Ela voltou com toda a sua força na Renascença e inspirou, desde o fim do século XVI ,a modernidade científica e filosófica. Aristóteles situa-se na filiação "platonicienne". Portanto, com ele, a filosofia não é mais o que ela era para Platão, uma atividade concebida como exercício de desapego ao mundo sensível e uma aspiração a conhecer as realidades inteligíveis. Ela torna-se também um conjunto de conhecimentos definidos: a "ontologia", a teoria do conhecimento, a psicologia, a ética, a política... Aristóteles é o primeiro filósofo que propôs uma organização dos conhecimentos ainda em vigor nos dias de hoje.
Sua influência foi considerável no fim da Idade Media, antes de conhecer com a revolução cartesiana uma forma de relegação, felizmente realizada.
Platão e Aristóteles traçaram linhas de partilha, que continuaram decisivas durante mais de dois milênios. O mais conhecido dentre esses clivagens é o que separa "ineísmo" e empirismo (as condições do conhecimento se encontram no espírito ou na experiência?). O segundo é relativo a oposição entre dualismo e monismo (existem duas formas de realidade, o espírito e a matéria? A realidade se reduz a uma única sorte?). Uma outra oposição é relativa ao objeto do que é possível de conhecer (podemos conhecer a realidade sensível? O conhecimento se limita as realidades puramente inteligíveis, como os objetos matemáticos?).
Outras divisões são relativas as maneiras de considerar a moral e a política: a boa ação depende exclusivamente do conhecimento? Será que ela exige outros fatores como o desejo ou a sensibilidade? A perfeição política se reduziria ao conhecimento da ciência de comandamento? Será que ela só existe no seio de um regime particular?
Linhas de partilha
A cada uma dessas questões, as respostas "platoniciennes" poderiam parecer radicais. Para Platão, as condições do conhecimento não se encontram em nosso mundo. Só existe uma realidade verdadeira: as Formas inteligíveis. O mundo sensível só é conhecido de uma maneira secundária. A virtude depende exclusivamente da sabedoria. Somente os filósofos, que possuem a ciência política, podem governar as cidades.
Ao contrário, Aristóteles parece mais moderado. Ele recusa de limitar o conhecimento ao inteligível. Ele define os degraus do conhecimento, e precisa suas condições. Ele protesta diante a separação "platonicienne" das Formas e quer tornar o mundo sensível acessível. Ele pleita pela associação do desejo reto e do pensamento correto no ato moral. Ele reconhece a importância de uma boa Constituição e bota a pluralidade conflituosa no fundamento da realidade política.
Proximidade conflituosa
Mais seria concluir muito rápido acreditar que Aristóteles se opõe em todos os pontos a Platão ou que Platão é um extremista e Aristóteles um conciliador. Pois a influência "platonicienne" se exerceu com força na obra de Aristóteles que foi um aluno de Platão. Ele passou vinte anos ao lado dele na Academia. Certo, a simpatia que Aristóteles sentiu primeiro pelo platonismo foi pouco a pouco se amenizando. Ela se converteu às vezes em uma oposição evidente. Mais nós não devemos esquecer que essas diferenças entre Platão e Aristóteles que parecem consideráveis ao leitor atual, eram pouco discerníveis para os autores que os seguiram. Os filósofos "platoniciens" dos séculos V e VI de nossa era, que foram os maiores comentadores da obra de Aristóteles, se serviram dele como de um preâmbulo para ensinar o pensamento de Platão.
Platão e Aristóteles compartilham também as mesmas questões. Platão as formulou primeiro; ele foi então o primeiro a respondê-las, disso a impressão de radicalismo relacionadas a algumas de suas teses. Aristóteles fez o contrário, e por essa razão ele encontrou-se várias vezes em uma situação na qual ele devia nuançar as concepções de Platão.
Vamos examinar dois exemplos. As Formas inteligíveis são para Platão toda a realidade e todo o conhecimento acessível. Uma Forma é uma razão, um logos, dotado de uma realidade, sempre verdadeira e presente na maior parte dos seres: o círculo, o cavalo, ou a virtude. Aristóteles, quanto a ele, critica Platão de não ter ido mais longe e de não ter procurado apreender o que faz a inteligibilidade do indivíduo singular: tal círculo, tal cavalo, tal ato virtuoso. Ele deplora que Platão não tenha procurado explicar a origem do movimento.
O bem, princípio da ação moral.
A mesma proximidade conflituosa se observa com relação ao sujeito da moral. Nada é mais estrangeiro ao pensamento de Aristóteles do que a ambição de Platão de fazer da ética uma empresa de conhecimento. O fim da moral é para ele tornar-se virtuoso. Aristóteles recusa também, ao contrário de Platão, de prosseguir na moral uma exatidão e um rigor que para ele só valem para as ciências. Ele recomenda de partir das opiniões comuns, as mesmas que Platão afasta com desdém, e procede de maneira dialética afastando as dificuldades e os problemas.
A oposição entre os dois filósofos aparece claramente na definição do bem. A Forma do bem é a parte essencial da realidade inteligível para Platão. Ela é a parte mais brilhante do ser, dotada das características formais da beleza, da ordem e da simetria. Ela é o critério para julgar o mundo real, das matemáticas as ações humanas. Aristóteles critica essa definição de Platão afirmando que o bem não tem um único sentido, mas vários sentidos, e não pode fazer o objeto de um conhecimento unificado. O bem é Deus se nós o compreendemos como uma substância, ele é virtude se nós o definimos como uma qualidade, uma medida se nós o consideramos como uma quantidade. Mas apesar dessas oposições, Platão e Aristóteles estão de acordo para fazer do bem o princípio da ação moral.
Existe ainda muita coisa a aprender de Platão e Aristóteles. A exemplaridade deles tem pouca coisa em comum com a psicologia do reconforto ou com a sabedoria popular em que a filosofia grega é muitas vezes reduzida atualmente. Nós não devemos esquecer que eles tiveram o mesmo mestre comum, Sócrates, que eles admiravam, não somente pela invenção da definição universal da filosofia, mas sobretudo porque ele temia a injustiça bem mais do que a morte.
Muitas vezes nós opomos Platão o idealista a Aristóteles o realista. Na realidade, Aristóteles, aluno de Platão, realizou sua filosofia da mesma maneira que ele a combateu. E todos dois realizaram-se no mesmo pensamento, o de Sócrates, filósofo e mártir que temia a injustiça bem mais do que a morte.
A herança filosófica da Grécia é a filosofia ela mesma. A fórmula é particularmente verdadeira para Platão e Aristóteles que formularam as principais questões da filosofia. Esses dois filósofos formaram uma atitude feita de reflexão e de crítica, que se encontra em todos os pensamentos ulteriores, e uma ambição de conhecimento que a filosofia nunca mais se desfez, que ela implique no ser, na verdade ou nas ações humanas. Com eles, as investigações filosóficas se distinguem para sempre das mitologias e da sabedoria tradicional. Platão e Aristóteles formularam os objetivos do raciocínio filosófico e eles formaram seu estilo característico.
Estilo e disciplinas
Ao princípio dessa posteridade sem interrupção, Platão ocupa o lugar de honra. Sua obra reúne com efeito a maior parte dos domínios que constituem ainda hoje a disciplina filosófica. Ela voltou com toda a sua força na Renascença e inspirou, desde o fim do século XVI ,a modernidade científica e filosófica. Aristóteles situa-se na filiação "platonicienne". Portanto, com ele, a filosofia não é mais o que ela era para Platão, uma atividade concebida como exercício de desapego ao mundo sensível e uma aspiração a conhecer as realidades inteligíveis. Ela torna-se também um conjunto de conhecimentos definidos: a "ontologia", a teoria do conhecimento, a psicologia, a ética, a política... Aristóteles é o primeiro filósofo que propôs uma organização dos conhecimentos ainda em vigor nos dias de hoje.
Sua influência foi considerável no fim da Idade Media, antes de conhecer com a revolução cartesiana uma forma de relegação, felizmente realizada.
Platão e Aristóteles traçaram linhas de partilha, que continuaram decisivas durante mais de dois milênios. O mais conhecido dentre esses clivagens é o que separa "ineísmo" e empirismo (as condições do conhecimento se encontram no espírito ou na experiência?). O segundo é relativo a oposição entre dualismo e monismo (existem duas formas de realidade, o espírito e a matéria? A realidade se reduz a uma única sorte?). Uma outra oposição é relativa ao objeto do que é possível de conhecer (podemos conhecer a realidade sensível? O conhecimento se limita as realidades puramente inteligíveis, como os objetos matemáticos?).
Outras divisões são relativas as maneiras de considerar a moral e a política: a boa ação depende exclusivamente do conhecimento? Será que ela exige outros fatores como o desejo ou a sensibilidade? A perfeição política se reduziria ao conhecimento da ciência de comandamento? Será que ela só existe no seio de um regime particular?
Linhas de partilha
A cada uma dessas questões, as respostas "platoniciennes" poderiam parecer radicais. Para Platão, as condições do conhecimento não se encontram em nosso mundo. Só existe uma realidade verdadeira: as Formas inteligíveis. O mundo sensível só é conhecido de uma maneira secundária. A virtude depende exclusivamente da sabedoria. Somente os filósofos, que possuem a ciência política, podem governar as cidades.
Ao contrário, Aristóteles parece mais moderado. Ele recusa de limitar o conhecimento ao inteligível. Ele define os degraus do conhecimento, e precisa suas condições. Ele protesta diante a separação "platonicienne" das Formas e quer tornar o mundo sensível acessível. Ele pleita pela associação do desejo reto e do pensamento correto no ato moral. Ele reconhece a importância de uma boa Constituição e bota a pluralidade conflituosa no fundamento da realidade política.
Proximidade conflituosa
Mais seria concluir muito rápido acreditar que Aristóteles se opõe em todos os pontos a Platão ou que Platão é um extremista e Aristóteles um conciliador. Pois a influência "platonicienne" se exerceu com força na obra de Aristóteles que foi um aluno de Platão. Ele passou vinte anos ao lado dele na Academia. Certo, a simpatia que Aristóteles sentiu primeiro pelo platonismo foi pouco a pouco se amenizando. Ela se converteu às vezes em uma oposição evidente. Mais nós não devemos esquecer que essas diferenças entre Platão e Aristóteles que parecem consideráveis ao leitor atual, eram pouco discerníveis para os autores que os seguiram. Os filósofos "platoniciens" dos séculos V e VI de nossa era, que foram os maiores comentadores da obra de Aristóteles, se serviram dele como de um preâmbulo para ensinar o pensamento de Platão.
Platão e Aristóteles compartilham também as mesmas questões. Platão as formulou primeiro; ele foi então o primeiro a respondê-las, disso a impressão de radicalismo relacionadas a algumas de suas teses. Aristóteles fez o contrário, e por essa razão ele encontrou-se várias vezes em uma situação na qual ele devia nuançar as concepções de Platão.
Vamos examinar dois exemplos. As Formas inteligíveis são para Platão toda a realidade e todo o conhecimento acessível. Uma Forma é uma razão, um logos, dotado de uma realidade, sempre verdadeira e presente na maior parte dos seres: o círculo, o cavalo, ou a virtude. Aristóteles, quanto a ele, critica Platão de não ter ido mais longe e de não ter procurado apreender o que faz a inteligibilidade do indivíduo singular: tal círculo, tal cavalo, tal ato virtuoso. Ele deplora que Platão não tenha procurado explicar a origem do movimento.
O bem, princípio da ação moral.
A mesma proximidade conflituosa se observa com relação ao sujeito da moral. Nada é mais estrangeiro ao pensamento de Aristóteles do que a ambição de Platão de fazer da ética uma empresa de conhecimento. O fim da moral é para ele tornar-se virtuoso. Aristóteles recusa também, ao contrário de Platão, de prosseguir na moral uma exatidão e um rigor que para ele só valem para as ciências. Ele recomenda de partir das opiniões comuns, as mesmas que Platão afasta com desdém, e procede de maneira dialética afastando as dificuldades e os problemas.
A oposição entre os dois filósofos aparece claramente na definição do bem. A Forma do bem é a parte essencial da realidade inteligível para Platão. Ela é a parte mais brilhante do ser, dotada das características formais da beleza, da ordem e da simetria. Ela é o critério para julgar o mundo real, das matemáticas as ações humanas. Aristóteles critica essa definição de Platão afirmando que o bem não tem um único sentido, mas vários sentidos, e não pode fazer o objeto de um conhecimento unificado. O bem é Deus se nós o compreendemos como uma substância, ele é virtude se nós o definimos como uma qualidade, uma medida se nós o consideramos como uma quantidade. Mas apesar dessas oposições, Platão e Aristóteles estão de acordo para fazer do bem o princípio da ação moral.
Existe ainda muita coisa a aprender de Platão e Aristóteles. A exemplaridade deles tem pouca coisa em comum com a psicologia do reconforto ou com a sabedoria popular em que a filosofia grega é muitas vezes reduzida atualmente. Nós não devemos esquecer que eles tiveram o mesmo mestre comum, Sócrates, que eles admiravam, não somente pela invenção da definição universal da filosofia, mas sobretudo porque ele temia a injustiça bem mais do que a morte.
- Monique Canto-Sperber, filósofa, diretora de pesquisa no CNRS. Ela publicou entre outras obras, Èthiques grecques (PUF,2001), e Le Bien, la guerre et la terreur. Pour une morale internationale (Plon,2005).
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