quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Os limites do individualismo

" Essa sorte de servidão, regulada, doce e serena...."

Eu quero imaginar sob quais traços novos o despotismo poderia se produzir no mundo: eu vejo uma multidão imensa de homens semelhantes e iguais que rodam sem descanso sobre eles mesmos para realizar pequenos e vulgares prazeres, de quais eles enchem suas almas. Cada um deles, ficando de lado, é como estrangeiro ao destino de todos os outros: seus filhos e seus amigos particulares formam para ele toda a espécie humana; quanto ao resto de seus compatriotas, ele està ao lado deles, mais não os vê; ele os toca sem senti-los; ele sò existe nele mesmo e para ele unicamente, e, se ainda lhe resta uma familia, nòs podemos pelo menos dizer que ele não tem mais uma pàtria.
Acima deles se eleva um poder imenso e tutelar, que se encarrega sozinho de assegurar o prazer deles e de velar sobre seus destinos. Ele é absoluto, detalhado, regular, previdente e doce. Ele se pareceria com o poder paterno se, como ele, ele tivesse por objeto de preparar os homens para a idade viril; mais ele sò procura, ao contràrio, a fixa-los irrevocavelmente na infância; ele gosta que os cidadãos se regozijem, e que eles sò pensem nisso. Ele trabalha de boa vontade para a felicidade deles; mais ele quer ser o ùnico responsàvel e o ùnico àrbitro; ele se ocupa da segurança deles, facilita os prazeres, conduz as suas principais tarefas, regula as sucessões, divide as heranças; sò falta tirar deles a dificuldade de pensar e de viver ?
È dessa maneira que todos os dias ele torna inùtil e raro o emprego do livre arbìtrio, que ele encerra a ação da vontade em um espaço menor, e tira pouco a pouco de cada cidadão até mesmo o uso dele mesmo. A igualdade preparou os homens a todas essas coisas.
Apois ter se encarregado de colocar em suas mãos poderosas cada indivìduo, e tê-lo transformado, o soberano estende seus braços na sociedade inteira; ele cobre toda a sua superfìcie com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, atravéis de quais os espìritos mais originais e as almas mais vigorosas não saberiam despertar para ultrapassar a multidão; ele não quebra as vontades, mais ele as torna moles, as dobra e as dirige; ele força raramente a agir, mais ele se opõe sem cessar à nossa ação; ele não destroi nada, ele impede o nascimento; ele não tiranisa, ele incomoda, comprime, enerva, apaga, torna estùpido, e ele reduz enfim cada nação a ser um rebanho de animais tìmidos e industriosos, de quem o governo é o pastor.
Eu sempre acreditei que essa sorte de servidão, regulada, doce e serena, de qual eu fiz o quadro agora, poderia se combinar melhor do que nòs possamos imaginar com algumas das formas exteriores da liberdade, e que não lhe seria impossìvel de se estabelecer na sombra da soberania do povo.
Nossos contemporâneos são incessantemente trabalhados por duas paixões inimigas: eles sentem a necessidade de ser conduzidos e a vontade de ficar livre. Não podendo destruir nem um nem outro desses instintos contràrios, eles se esforçam de satisfazer os dois ao mesmo tempo. Eles imaginam um poder ùnico, tutelar, todo poderoso, mais eleito pelos cidadãos. Eles combinam a centralização e a soberania do povo. Isso lhes dà um certo descanso. Eles se consolam de estar sob tutela, pensando que foi eles mesmos que escolheram o tutor. [....]
Esse uso tão importante, mais tão curto e tão raro, do livre arbìtrio, não poderà impedir que eles percam pouco a pouco a vontade de pensar, de sentir e de agir por eles mesmos, e que eles caiam gradualmente abaixo do nìvel de humanidade.

- Da Democracia na America, tome 2 ( 1840, quarta parte, cap.VI - Alexis de Tocqueville ( 1805 - 1859 ).


Democracia


Cinco anos apois a publicação do livro Da Democracia na America, Alexis de Tocqueville publica em 1840, com o mesmo tìtulo, um segundo volume que completa o primeiro procurando mostrar qual é a influência da democracia no movimento intelectual, nos sentimentos e nos costumes.
Vasto sujeito, principalmente porque Tocqueville não se contenta mais de estudar a America mais ele constroi um modelo teòrico da democracia que lhe permite de compreender todas as formas, na America e na Europa. A obra também é mais sombria. O liberalismo de Tocqueville é um liberalismo tràgico, que esclarece as "facilidades" que oferece o estado social democràtico no estabelecimento de um novo despotismo.

O "materialismo honesto"



O quadro visionàrio acima descreve em pàginas célebres os traços desse despotismo. A primeira vista, as sociedades democràticas parecem ser sociedades livres. Emancipados do jugo da Igreja e da aristocracia, os indivìduos se ocupam de suas tarefas comerciais ou particulares. Nas democracias, que são sociedades de classe média, cada um segue naturalmente o conselho de François Guizot, grande ministro da monarquia de julho: " Se enriqueçam pelo trabalho e pela poupança".
Tocqueville, aristocrata educado no culto da grandeza, sò tem desprezo por essa busca de "pequenos e vulgares prazeres" do bem estar. Absorvidos nesse "materialismo honesto", o homem democràtico se desinteressa da prosperidade coletiva.
Para descrever esse movimento de retiro, Tocqueville emprega uma palavra inventada nos anos 1820 e com um belo futuro, o individualismo: " um sentimento refletido e sereno que dispõe cada cidadão a se isolar da massa da sociedade com sua familia e seus amigos"
.Mais o pior não é essa degradação moral dos indivìduos indiferentes ao exercicio do livre arbìtrio na sociedade politica. Por uma estranha vira-volta, o indivìduo que se proclamava autônomo começa a alienar sua liberdade. Tocqueville descreve o poder tentacular do Estado, primeiro industrial da nação, primeiro banqueiro, ùnico responsàvel da felicidade pùblica. Essa visão dramàtica do despotismo doce do Estado providência devia pouco à observação de uma administração francesa no campo de ação ainda restrito.
Ela também não anuncia os totalitarismos modernos que não são nem "regulares" nem "tutelares". O gênio de Tocqueville não consiste a explicar as formas do despotismo democràtico, mais o imaginàrio do poder que as tornam todas possìveis, quer dizer o gosto da servidão voluntària.

Inquietude e vigilância


O autor do livro Da Democracia na America mostra dessa maneira que a liberdade de pensar e de agir por si mesmo està em perigo desde o momento em que ela não tem por garantia a responsabilidade cìvica. Mais essa visão negra da democracia é uma sorte de apelo a vontade, que encerra a obra: " As nações dos dias de hoje sò saberiam fazer no seio delas que as condições não sejam iguais; mais sò depende delas que a igualdade lhes conduzam à servidão ou a liberdade, ao esclarecimento ou a barbaridade, à prosperidade ou as misérias".

Uma referência de alta importância


Apois 1945, a experiência do totalitarismo deu ao liberalismo inquieto de Tocqueville uma pertinência renovada, de tal maneira que ele se tornou na Europa e nos Estados Unidos uma referência muito importante para os liberais. Na França, o filòsofo Raymond Aron encontrou na obra de Tocqueville os instrumentos para alimentar sua reflexão sobre o futuro da liberdade nas sociedades igualitàrias.

- F. M -

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