Reconsiderando o otimismo e o racionalismo do Iluminismo, Schopenhauer, Kierkegaard e Nietzsche, abriram, cada um a sua maneira, as portas da era da desconfiança e da "desconstrução", estabelecendo dessa maneira os fundamentos da filosofia contemporânea.
Schopenhauer, Kiekegaard e Nietzsche
O primeiro é célebre por seu pessimismo, o segundo por seu cristianianismo, e o terceiro por sua crìtica radical dos dois primeiros ! Qual a relação entre eles ? E qual é a atualidade ? A resposta se impõe: cada um a sua maneira, eles instauram uma ruptura fundamental e irreversìvel com o otimismo e o racionalismo do Iluminismo. E é atravéis essa ruptura que eles abrem o espaço do pensamento contemporâneo, o espaço da "desconstrução" e da "genealogia", no qual nòs ainda nos encontramos. Eis o que é essencial compreender para a introdução de uma leitura desses três gigantes do pensamento.
Vamos começar por Schopenhauer. De seu pensamento, inùmeros escritores da moda se contentam de guardar algumas noções vagas e fàceis que podem se resumir dessa maneira: a vida não tem sentido e nossa ùnica consolação se situa na arte.
È curto, terrivelmente curto: se a mensagem de Schopenhauer se reduzisse a essas fòrmulas, eu vejo mal a razão para continuar a falar dela. Como mostrou Clément Rosset no pequeno ensaio que ele consagrou a Schopenhauer ( Schopenhauer, filòsofo do absurdo, PUF, 1993), sua verdadeira originalidade està em outro lugar: primeiro e antes de tudo no fato que ele mostra de maneira implacàvel que o universo da consciência - da "representação" é apenas um momento ìnfimo do real, a parte emergida do iceberg. Nòs diremos que Freud nos habituou tanto a essa idéia que ela nos parece banal. Sem dùvida. Mas a consequência que tira Schopenhauer disso não é banal: todas as grandes narrações cientìficas, metafìsicas ou religiosas atravéis das quais nòs procuramos dar sentido as nossas vidas, são puras e vães ficções.
O fundo do real, que se identifica a uma sorte de querer anônimo e còsmico, é o absurdo mesmo, o reino sem divisão de pulsões sem causa alguma e de toda finalidade como objetivo.
Contrariamente a famosa sentença de Hegel, não somente o real não é racional, mas ele é, em ùltima instância, o não-racional por excelência. È dessa maneira que todos os ideais do Iluminismo, todos os "ìdolos" de otimismo e de humanismo racionalistas e progressistas se encontram aniquilados
Antiracionalismo
O que ele tem de comum com o cristianismo de Kierkegaard ? Justamente, é esse antiracionalismo argumentado que, além das divergências ulteriores, reùne com profundidade nossos dois autores e os associa em uma aversão comum pelo "hegelianismo". Pois para um como para o outro, o universo das representações racionais, que ele seja cientìfico ou filosòfico, passa totalmente ao lado do real. A existência singular é rebelde a todas as categorias da razão. Ora é ela e apenas ela que importa. Pois nòs somos essa existência singular e é nesse nìvel que se realiza nosso destino, e não no nìvel das leis e dos conceitos abstratos elaborados pela razão. Bref, que seja Kiekegaard ou Schopenhauer, e sejam quais forem as divergências abissais que os separam, é primeiro e antes de tudo por uma verdadeira "desconstrução" da razão que deve começar todo pensamento sério.
Nisso eles abrem o caminho a essa filosofia contemporânea que vai inaugurar verdadeiramente a crìtica "nietzschéenne" do "niilismo".
O além e o mundo terrestre
Aqui, é preciso pararmos um pouco mais demoradamente. Trata-se de quê finalmente ?. Atualmente nòs dizemos de alguém que ele é "niilista", para significar que ele não acredita em nada, que ele é "cìnico", bref que ele não tem ideal. Para Nietzsche, é rigorosamente o contràrio: o niilista é justamente aquele que é cheio de "convicções fortes" e altamente morais. È aquele que possui ideais superiores sejam quais forem: religiosos, metafìsicos ou laicos, humanistas e materialistas. Porquê então empregar esse termo ? Simplesmente porque aos olhos de Nietzsche os ideais, todos os "idolos", como nòs os chamamos, conduzem novamente à estrutura metafìsico-religiosa do além oposta ao mundo terrestre, desse céu de qual nòs nos servimos sempre para aniquilar a terra. Quer dizer que os valores transcendentes e que dão sentido de qual Nietzsche anuncia o crepùsculo são inventados pelos humanos para dar um sentido a vida, para se consolar de sua dureza, então, em muitos aspectos, para recusa-la da maneira que ela é, quer dizer para nega-la. E é nisso que o idealismo, compreendido no sentido pròprio como o fato de ter ideais, é um niilismo, uma atitude que nega o real em nome do ideal como o faz toda tentativa de melhoramento do que é em nome de um futuro melhor, de um senso escondido, de um projeto superior.
Desse ponto de vista, o materialismo ateu herdado do Iluminismo é na maior parte do tempo tão niilista quanto pode ser a religião ou o idealismo clàssico.
No lugar do mundo inteligìvel de Platão ou do paraìso dos cristãos, nòs colocamos o Progresso, os Direitos do homem, a Ciência, a Repùblica, a Liberdade, a Razão, e daqui a pouco tempo o socialismo, o anarquismo, o comunismo.....
Mas essas novas figuras do ideal, por serem em aparência laicas, conservam de certa maneira o elemento fundamental do religioso: a estrutura, justamente, do além oposto ao mundo terrestre. Que o paraìso resida em um jardim de qual são Pedro teria as chaves ou em uma sociedade sem classe de qual o proletariado seria o vector não muda nada afinal no assunto: as religiões de salvação terrestre, por se pretender sem fé, continuam assim mesmo sendo religiões.
O espìrito crìtico então deve recomeçar seu trabalho, e continuar a "desconstruir" o que o Iluminismo ele mesmo deixou subsistir das antigas formas religiosas. Em outras palavras, se "Deus està morto", o Homem do humanismo também està. È então o racionalismo, esse ponto culminante do niilismo, que é, como para Schopenhauer ou Kiekegaard, a besta negra de Nietzsche. È ele que nòs devemos negar agora, de uma certa maneira, porque duas negações valem uma afirmação, alcançar a sabedoria: aquela que consiste a se reconciliar enfim com o real, a lamentar um pouco menos, esperar um pouco menos para ama-lo como ele é - o que Nietzsche chama o "amor fati", o amor de seu destino, do presente como ele nos é dado.
Até a borra.....
Assim, a filosofia teòrica adquire uma forma nova. Doravante, seu trabalho fundamental serà o da "desconstrução" ou, para empregar a palavra de Nietzsche, da "genealogia". Como dirà de uma maneira bonita o livro O Crepùsculo dos ìdolos, "todo julgamento é um sintoma" ou, para falar como Lacan, não existe mais "metalinguagem", nem lugar de onde a verdade cientìfica poderia pretender falar do alto do que ela analisa, pois a palavra do genealogista também é um jogo de linguagem que não possui mais verdade do que o outros. Simplesmente mais vida, mais realismo de uma certa maneira, quando ele consegue se liberar das ilusões do niilismo, quer dizer dos miragens do ideal.
Podemos concluir dessa maneira ? Esta é aos meus olhos toda a questão da filosofia futura, e a minha convicção é que não. Mas é preciso pelo menos fazer essa reflexão, beber o vinho até a borra não deixa nenhuma dùvida. Por isso devemos ler e meditar a mensagem desses três primeiros filòsofos da desconfiança.
- Luc Ferry, filòsofo, antigo ministro, autor entre outros, de, Familias, eu gosto de vocês: Polìtica e vida privada na idade da mundialização ( XO, 2007 )
Schopenhauer, Kiekegaard e Nietzsche
O primeiro é célebre por seu pessimismo, o segundo por seu cristianianismo, e o terceiro por sua crìtica radical dos dois primeiros ! Qual a relação entre eles ? E qual é a atualidade ? A resposta se impõe: cada um a sua maneira, eles instauram uma ruptura fundamental e irreversìvel com o otimismo e o racionalismo do Iluminismo. E é atravéis essa ruptura que eles abrem o espaço do pensamento contemporâneo, o espaço da "desconstrução" e da "genealogia", no qual nòs ainda nos encontramos. Eis o que é essencial compreender para a introdução de uma leitura desses três gigantes do pensamento.
Vamos começar por Schopenhauer. De seu pensamento, inùmeros escritores da moda se contentam de guardar algumas noções vagas e fàceis que podem se resumir dessa maneira: a vida não tem sentido e nossa ùnica consolação se situa na arte.
È curto, terrivelmente curto: se a mensagem de Schopenhauer se reduzisse a essas fòrmulas, eu vejo mal a razão para continuar a falar dela. Como mostrou Clément Rosset no pequeno ensaio que ele consagrou a Schopenhauer ( Schopenhauer, filòsofo do absurdo, PUF, 1993), sua verdadeira originalidade està em outro lugar: primeiro e antes de tudo no fato que ele mostra de maneira implacàvel que o universo da consciência - da "representação" é apenas um momento ìnfimo do real, a parte emergida do iceberg. Nòs diremos que Freud nos habituou tanto a essa idéia que ela nos parece banal. Sem dùvida. Mas a consequência que tira Schopenhauer disso não é banal: todas as grandes narrações cientìficas, metafìsicas ou religiosas atravéis das quais nòs procuramos dar sentido as nossas vidas, são puras e vães ficções.
O fundo do real, que se identifica a uma sorte de querer anônimo e còsmico, é o absurdo mesmo, o reino sem divisão de pulsões sem causa alguma e de toda finalidade como objetivo.
Contrariamente a famosa sentença de Hegel, não somente o real não é racional, mas ele é, em ùltima instância, o não-racional por excelência. È dessa maneira que todos os ideais do Iluminismo, todos os "ìdolos" de otimismo e de humanismo racionalistas e progressistas se encontram aniquilados
Antiracionalismo
O que ele tem de comum com o cristianismo de Kierkegaard ? Justamente, é esse antiracionalismo argumentado que, além das divergências ulteriores, reùne com profundidade nossos dois autores e os associa em uma aversão comum pelo "hegelianismo". Pois para um como para o outro, o universo das representações racionais, que ele seja cientìfico ou filosòfico, passa totalmente ao lado do real. A existência singular é rebelde a todas as categorias da razão. Ora é ela e apenas ela que importa. Pois nòs somos essa existência singular e é nesse nìvel que se realiza nosso destino, e não no nìvel das leis e dos conceitos abstratos elaborados pela razão. Bref, que seja Kiekegaard ou Schopenhauer, e sejam quais forem as divergências abissais que os separam, é primeiro e antes de tudo por uma verdadeira "desconstrução" da razão que deve começar todo pensamento sério.
Nisso eles abrem o caminho a essa filosofia contemporânea que vai inaugurar verdadeiramente a crìtica "nietzschéenne" do "niilismo".
O além e o mundo terrestre
Aqui, é preciso pararmos um pouco mais demoradamente. Trata-se de quê finalmente ?. Atualmente nòs dizemos de alguém que ele é "niilista", para significar que ele não acredita em nada, que ele é "cìnico", bref que ele não tem ideal. Para Nietzsche, é rigorosamente o contràrio: o niilista é justamente aquele que é cheio de "convicções fortes" e altamente morais. È aquele que possui ideais superiores sejam quais forem: religiosos, metafìsicos ou laicos, humanistas e materialistas. Porquê então empregar esse termo ? Simplesmente porque aos olhos de Nietzsche os ideais, todos os "idolos", como nòs os chamamos, conduzem novamente à estrutura metafìsico-religiosa do além oposta ao mundo terrestre, desse céu de qual nòs nos servimos sempre para aniquilar a terra. Quer dizer que os valores transcendentes e que dão sentido de qual Nietzsche anuncia o crepùsculo são inventados pelos humanos para dar um sentido a vida, para se consolar de sua dureza, então, em muitos aspectos, para recusa-la da maneira que ela é, quer dizer para nega-la. E é nisso que o idealismo, compreendido no sentido pròprio como o fato de ter ideais, é um niilismo, uma atitude que nega o real em nome do ideal como o faz toda tentativa de melhoramento do que é em nome de um futuro melhor, de um senso escondido, de um projeto superior.
Desse ponto de vista, o materialismo ateu herdado do Iluminismo é na maior parte do tempo tão niilista quanto pode ser a religião ou o idealismo clàssico.
No lugar do mundo inteligìvel de Platão ou do paraìso dos cristãos, nòs colocamos o Progresso, os Direitos do homem, a Ciência, a Repùblica, a Liberdade, a Razão, e daqui a pouco tempo o socialismo, o anarquismo, o comunismo.....
Mas essas novas figuras do ideal, por serem em aparência laicas, conservam de certa maneira o elemento fundamental do religioso: a estrutura, justamente, do além oposto ao mundo terrestre. Que o paraìso resida em um jardim de qual são Pedro teria as chaves ou em uma sociedade sem classe de qual o proletariado seria o vector não muda nada afinal no assunto: as religiões de salvação terrestre, por se pretender sem fé, continuam assim mesmo sendo religiões.
O espìrito crìtico então deve recomeçar seu trabalho, e continuar a "desconstruir" o que o Iluminismo ele mesmo deixou subsistir das antigas formas religiosas. Em outras palavras, se "Deus està morto", o Homem do humanismo também està. È então o racionalismo, esse ponto culminante do niilismo, que é, como para Schopenhauer ou Kiekegaard, a besta negra de Nietzsche. È ele que nòs devemos negar agora, de uma certa maneira, porque duas negações valem uma afirmação, alcançar a sabedoria: aquela que consiste a se reconciliar enfim com o real, a lamentar um pouco menos, esperar um pouco menos para ama-lo como ele é - o que Nietzsche chama o "amor fati", o amor de seu destino, do presente como ele nos é dado.
Até a borra.....
Assim, a filosofia teòrica adquire uma forma nova. Doravante, seu trabalho fundamental serà o da "desconstrução" ou, para empregar a palavra de Nietzsche, da "genealogia". Como dirà de uma maneira bonita o livro O Crepùsculo dos ìdolos, "todo julgamento é um sintoma" ou, para falar como Lacan, não existe mais "metalinguagem", nem lugar de onde a verdade cientìfica poderia pretender falar do alto do que ela analisa, pois a palavra do genealogista também é um jogo de linguagem que não possui mais verdade do que o outros. Simplesmente mais vida, mais realismo de uma certa maneira, quando ele consegue se liberar das ilusões do niilismo, quer dizer dos miragens do ideal.
Podemos concluir dessa maneira ? Esta é aos meus olhos toda a questão da filosofia futura, e a minha convicção é que não. Mas é preciso pelo menos fazer essa reflexão, beber o vinho até a borra não deixa nenhuma dùvida. Por isso devemos ler e meditar a mensagem desses três primeiros filòsofos da desconfiança.
- Luc Ferry, filòsofo, antigo ministro, autor entre outros, de, Familias, eu gosto de vocês: Polìtica e vida privada na idade da mundialização ( XO, 2007 )
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