Imposto-símbolo do atraso brasileiro, a CPMF vai ganhando vidas novas em todos os governos: é o tributo vampiro.
O governo enviará ao Congresso Nacional até o fim deste mês uma emenda constitucional que mais uma vez prorrogará a cobrança da CPMF, o tributo-símbolo do estágio medieval da porção oficial do capitalismo brasileiro. Criada há uma década sob o pretexto de custear os gastos emergenciais com saúde, a CPMF era provisória e tornou-se permanente. Hoje não tem nada a ver com saúde. O chamado "imposto do cheque" ajuda a pagar o Bolsa Família, as pensões do INSS e até a folha de pagamentos do governo. Ela nasceu pequena e, como todo imposto que se preza, cresceu. Sua alíquota original era de 0,2% sobre qualquer movimentação financeira, até quase dobrar de tamanho. Cada vez que alguém assina um cheque, paga uma conta, faz um saque ou toma um empréstimo bancário, o governo abocanha 0,38% do valor da operação. Parece pouco? Ilusão. Em uma economia em que os negócios tendem a ter margens de lucro declinantes – resultado da competição global, que exige investimentos montantes em tecnologia para aumentar a produtividade –, o que parece pouco pode tornar uma operação menos viável. Uma rede de supermercados que fatura 1 bilhão de reais por ano paga 5 milhões de reais em CPMF. Com esse dinheiro, essa rede poderia abrir uma loja de 1 500 metros quadrados e contratar 100 funcionários para tocá-la. Ou, se quisesse, poderia aumentar seu lucro líquido entre 1% e 2% – remunerando melhor seus acionistas ou pagando benefícios por resultados aos funcionários. Será que um burocrata do governo gasta melhor esse dinheiro?
O governo enviará ao Congresso Nacional até o fim deste mês uma emenda constitucional que mais uma vez prorrogará a cobrança da CPMF, o tributo-símbolo do estágio medieval da porção oficial do capitalismo brasileiro. Criada há uma década sob o pretexto de custear os gastos emergenciais com saúde, a CPMF era provisória e tornou-se permanente. Hoje não tem nada a ver com saúde. O chamado "imposto do cheque" ajuda a pagar o Bolsa Família, as pensões do INSS e até a folha de pagamentos do governo. Ela nasceu pequena e, como todo imposto que se preza, cresceu. Sua alíquota original era de 0,2% sobre qualquer movimentação financeira, até quase dobrar de tamanho. Cada vez que alguém assina um cheque, paga uma conta, faz um saque ou toma um empréstimo bancário, o governo abocanha 0,38% do valor da operação. Parece pouco? Ilusão. Em uma economia em que os negócios tendem a ter margens de lucro declinantes – resultado da competição global, que exige investimentos montantes em tecnologia para aumentar a produtividade –, o que parece pouco pode tornar uma operação menos viável. Uma rede de supermercados que fatura 1 bilhão de reais por ano paga 5 milhões de reais em CPMF. Com esse dinheiro, essa rede poderia abrir uma loja de 1 500 metros quadrados e contratar 100 funcionários para tocá-la. Ou, se quisesse, poderia aumentar seu lucro líquido entre 1% e 2% – remunerando melhor seus acionistas ou pagando benefícios por resultados aos funcionários. Será que um burocrata do governo gasta melhor esse dinheiro?
No ano passado, o Tesouro arrecadou 32 bilhões de reais com a CPMF, dinheiro suficiente para bancar quatro programas como o Bolsa Família, a maior ação social do atual governo. Na semana passada, o presidente Lula se reuniu com os 27 governadores e arrancou o compromisso de que eles se empenharão para convencer os deputados e senadores de seus estados a aprovar a prorrogação da CPMF pela quinta vez. Se fosse um jogo de futebol, poderia se dizer que, mesmo jogando contra a torcida, o presidente conseguiu marcar o primeiro gol, depois de armar um eficiente esquema tático que envolveu o adversário. Lula convocou os governadores a Brasília para apresentar o seu projeto da reforma tributária. A proposta, se fosse para valer, simplificaria o sistema, um dos mais complexos e caros do mundo. Lula também ouviu atentamente as reivindicações dos governadores e até aquiesceu em algumas delas. O presidente sabe das dificuldades políticas que estão na proa de uma discussão tributária mais profunda. Por isso, preparou um teatro para fazer de conta que o governo está realmente disposto a enfrentar o problema. Depois da encenação, Lula foi ao ponto que interessava: a prorrogação da CPMF. Como os governadores não têm nenhum interesse especial pelo imposto, já que todos os recursos vão parar nos cofres da União, Lula jogou uma isca. O presidente se comprometeu a discutir a possibilidade de compartilhar com os estados parte da CPMF quando a proposta de reforma tributária chegar ao Congresso. Vislumbrando receitas futuras, os governadores foram fisgados. "Entrei esperando um limão. Mas a reunião acabou virando uma limonada", comemorou o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung.
O apoio dos governadores é vital para garantir a continuidade da CPMF. Pela legislação em vigor, a cobrança expira em 31 de dezembro deste ano. Para não ser interrompida, é necessário que a emenda constitucional seja aprovada em dois turnos, na Câmara dos Deputados e no Senado, até o fim de setembro. Isso exige votos de dois terços dos congressistas. "O governo só tem interesse em prorrogar a CPMF. Pode esquecer o restante da reforma tributária", analisa o cientista político Rogério Schmitt, da consultoria Tendências. "Qualquer reforma tributária teria de reduzir a carga de impostos. E redução de impostos não faz parte do DNA dos governantes, principalmente do presidente Lula", diz o cientista político Rubens Figueiredo. E por uma razão elementar: redução de impostos significa menos dinheiro em caixa, o que exigiria mais austeridade na hora de gastar. Não são muitos os governantes que se dispõem a enfrentar essa equação. Para se ter uma idéia, desde a promulgação da Constituição de 1988, o governo federal já promoveu doze alterações constitucionais na área tributária – todas serviram para aumentar impostos. No início da década de 90, época da primeira modificação, os brasileiros entregavam ao governo 25 de cada 100 reais que produziam. Hoje, essa proporção subiu para 39 – e, se depender da disposição dos governantes, a mordida tende a crescer.
A CPMF foi criada em 1996, durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, foi violentamente criticada pelos petistas, entre eles o presidente Lula. O PT chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal, alegando que a contribuição era inconstitucional. Hoje, tucanos e petistas estão juntos na defesa do imposto. O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, é o autor de um projeto de emenda constitucional que, apesar de reduzir gradativamente a carga da CPMF, torna a cobrança permanente. Apesar de oficialmente estarem em trincheiras opostas, já há até um entendimento entre tucanos e petistas para que a prorrogação da CPMF seja aprovada no Congresso sem maiores problemas. É fácil entender por quê. Como o PSDB tem dois candidatos competitivos à Presidência da República em 2010, os governadores Aécio Neves e José Serra, é politicamente conveniente aprovar a prorrogação do imposto. Assim, caso assumam o governo federal em 2011, os tucanos não teriam problemas de caixa nem precisariam enfrentar o desgaste de aprovar projetos impopulares em sua gestão. Ficaria tudo na conta do governo passado, exatamente como fizeram os petistas.
A CPMF é considerada o mais danoso tributo da história recente porque ela não incide, como se imagina, apenas sobre a parcela mais aquinhoada da população, que possui conta no banco. "Como é cumulativa, a cobrança contamina toda a cadeia produtiva", afirma o tributarista Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. As empresas despejam no preço final todo o imposto que pagam. Quanto mais longa a cadeia produtiva, maior a incidência da CPMF no preço final. Tome-se o exemplo da fabricação e venda de uma geladeira. A indústria paga CPMF para comprar seus equipamentos e remunerar os empregados. Já a transportadora paga CPMF no combustível que compra para transportar a geladeira. A loja, por sua vez, recolhe a CPMF ao pagar a fábrica, a transportadora, o aluguel e os salários dos funcionários. Todo esse imposto em cascata é repassado ao consumidor final.
Apesar da passividade dos políticos diante da intenção do governo de prorrogar a CPMF, existe ainda alguma resistência. Duas semanas atrás, o deputado Paulo Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, lançou o movimento Xô CPMF. Em um portal na internet, há informações históricas sobre a contribuição, valores arrecadados, artigos pelo fim da cobrança e espaço para mandar e-mails a deputados e senadores pelo fim do imposto. A estratégia do PFL é buscar apoio fora da esfera política. Na última semana, Bornhausen conseguiu a adesão à campanha.
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