sábado, 6 de outubro de 2007

A Ironia

" A ironia é uma "negatividade infinita": ela nega todas as coisas, mas em virtude de alguma coisa superior, que ela não pode conhecer completamente"

" Uma noção diante de qual nada estava estabelecido com convicção"



Na filosofia de Fichte, a subjetividade se libertou de maneira negativa e infinita. Mas, para se liberar dessa agitação inconsistente onde ela se movimentava em uma infinita abstração, era preciso que ela fosse negada, para que o raciocìnio possa tornar-se real, era preciso que ele torne-se concreto. Eis então colocado o problema da realidade metafìsica; esse princìpio "fichtéen" segundo o qual a subjetividade, o eu, todos dois poderosos e sozinhos, têm um valor constitutivo, conquistou Schlegel e Tieck que o utilizaram para conduzir as investigações deles. Disso resultou uma dubla dificuldade: primeiro o "eu" empìrico e finito foi confundido com o eu eterno; em seguida, a realidade metafìsica foi confundida com a realidade històrica. E assim foi aplicado imediatamente um ponto de vista "metafìsico" incompleto à realidade. Fichte queria construir o mundo; mas, no seu espìrito, era uma construção sistemàtica. Schlegel e Tieck pretendiam produzir um mundo.
[....] Na realidade, essa ironia negava toda realidade històrica para estabelecer uma realidade, filha de suas pròprias obras. Isto não era para ressaltar a subjetividade que jà existia no mundo, mas uma subjetividade exaltada, uma subjetividade em segunda potência.[.....]
A ironia se apresentava então sob a forma de uma noção diante de qual nada estava estabelecido com convicção, que tinha terminado com tudo e , além disso, tinha plenos poderes para fazer tudo.
Ela permitia a alguma coisa de subsistir, ela então sabia que ela tinha o poder de aniquila-la, e ela o sabia no exato momento em que ela a deixava subsistir.
Ela estabelecia alguma coisa ? Ela sabia que ela era autorizada a aboli-la, e ela o sabia no momento exato de estabelece-la. Ela sabia estar em possessão do "poder absoluto de fazer e desfazer".
Ela dominava a idéia e o fenômeno e destruia um pelo outro: o fenômeno sabendo que ele não correspondia a idéia; a idéia sabendo que ela não correspondia ao fenômeno; um e outro com a mesma relação, pois a idéia e o fenômeno sò existiam em função um do outro. E, durante todo esse processo, a ironia guardava salva a sua vida despreucupada, pois o sujeito insistia com força de leva-lo a um objetivo positivo.[....]
Mas a realidade ( a realidade històrica) tem uma dupla relação com o sujeito: de uma lado como dom que não admite o desprezo, de outro lado como tarefa que quer ser realizada. A falsa relação que a ironia tem com a realidade jà é suficientemente indicada pela "orientação irônica, essencialmente crìtica". O filòsofo da ironia (Schlegel), assim que seu poeta (Tieck), é crìtico. Por essa razão, nesse sétimo dia no qual, nòs chegamos enfim a tantas considerações diferentes, nòs nos consagramos à crìtica, em vez de se reposar da obra històrica. Mas a crìtica exclui em geral a simpatia; e existe uma crìtica diante de qual a ordem estabelecida subsiste tão pouco que a inocência diante das desconfianças da policia. Certo, nòs não criticamos os clàssicos da Antiguidade, nem, como Kant, a consciência, mas nòs criticamos a pròpria realidade. Muita coisa sem dùvida era criticàvel e o mal, no sentido "fichtéen", a indolência e a preguiça talvez tenham passado, e também a medida; sem dùvida era preciso corrigir a "vis inertiae" [força de inércia] ou, em outras palavras, suprimir uma grande parte dos fatos justamente porque eles não são a realidade; mas nòs não saberìamos por isso justificar uma crìtica dirigida contra a realidade inteira. Schlegel foi um crìtico; isto é suficiente, eu penso, de lembra-lo; mas Tieck também foi um a partir do momento em que nòs não contestamos que esse ùltimo incluiu sua polêmica contra o mundo nos seus dramas que, para serem compreendidos, supõem a maturidade polêmica; essa qualidade lhes deu uma popularidade relativamente menor do que o que merece o caràter genial deles.

Le Concept d'ironie constamment rapporté à Socrate
KierkegaardTrad. P.-H.Tisseau - Editions de L'Orante, 1975

Ironia

No verão de 1841, Kierkegaard defendia em Copenhague uma tese de doutorado intitulada Le Concept d'ironie constamment rapporté à Socrate.
Essa obra apresentava o primeiro elo de sua filosofia da existência. Ele examinava a ironia que praticava o filòsofo grego Sòcrates que, em Athénes, colocava em dificuldade aqueles que pretendiam saber objetivamente alguma coisa lhes mostrando que eles sabiam menos do que eles acreditavam. Sòcrates, ele, sabia que ele não sabia nada, e esse saber negativo lhe concedia, na discussão, uma superioridade que ele exprimia se apresentando diante seus adversàrios como um ignorante. Essa atitude, chamada dialética, constitue o que nòs chamamos a "ironia socràtica".
Logo no começo do século XIX, os filòsofos do romantismo alemão, em particular Friedrich Schlegel, tinham desenvolvido uma concepção particular da ironia em uma revista chamada Athenäum. Schlegel insistia principalmente no fato que....o finito é uma manifestação do infinito. Se nòs pegamos um ìcone que representa o Cristo, é um objeto finito ( o ìcone ) que manifesta alguma coisa de infinito ( Deus ). Mas, Deus pode se representar de muitas maneiras ( um pàssaro branco, um raio de luz, etc. ). È preciso concluir que é uma das caracterìsticas do infinito de ter uma infinidade de representações, e que nenhuma delas lhe é essencial. A "ironia" romantica realiza essa realidade e quer ser a expressão da atitude intelectual que insiste na inadequação entre o finito e suas manifestações, e que não leva a sério as representações finitas do infinito.

Da ironia a possibilidade


Tanto a ironia socràtica quanto a ironia romantica exprimem no entanto uma mesma coisa: elas criticam a realidade finita, mostrando como, perante ela, a realidade ideal pode ser exigente. O que demonstra então Kierkegaard ? Que a ironia é uma "negatividade infinita" porque ela nega todas as coisas, mas em virtude de alguma coisa superior, o infinito, que ela não pode conhecer completamente. Por essa razão, segundo ele, Sòcrates dizia saber que ele não sabia nada.
Então o que a ironia manifesta, é a possibilidade. Ela coloca o homem diante do talvez: talvez a intenção irônica significa isso, talvez aquilo, talvez mesmo nada. È um dos prazeres da ironia de poder se libertar da realidade deixando abertas todas as portas possìveis. Ela não é contrariada pela realidade como pode ser uma demonstração de lògica de qual a significação é unìvoca. Nesse ponto, a ironia manifesta a subjetividade e a liberdade do indivìduo que a pratica. Para Kierkegaard, este ùltimo descobre atravéis a ironia que sua pròpria vida, como a intenção irônica, é sem cessar colocada diante alternativas que, pela possibilidade mesmo da impossibilidade ( talvez mesmo nada), lhes fazem concretamente viver a " experiência do vazio". Esta, que também é a experiência da indecisão diante as escolhas possìveis, faz de maneira que o problema da escolha, de se reconhecer e de optar por uma possibilidade ùnica, torna-se um verdadeiro problema para o indivìduo, pois o futuro de sua existência depende muitas vezes se ele escolhe uma coisa em vez de outra. A filosofia de Kierkegaard examina concretamente a função terrìvel da possibilidade na vida humana, se outros pensadores examinaram esse problema antes dele, como Pascal e sua aposta por exemplo, nenhum deles fez disso o motor de seu sistema. Ora, em um mundo como o nosso onde a técnica e a rapidez das comunicações deixam pouco lugar para a reflexão profunda, o lugar que ocupa a possibilidade é mais do que nunca importante.

- Charles Le Blanc -

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